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Economia

Montadoras já têm fila à espera de caminhões. Vendas estão em alta, mas falta de peças limita produção

Setor espera crescimento de 15% na fabricação de veículos pesados mesmo com escassez de insumos como semicondutores, cuja cadeia global foi afetada pela pandemia
Fôlego: Montadoras contratam pessoal e tentam driblar escassez de insumos Foto: Divulgação
Fôlego: Montadoras contratam pessoal e tentam driblar escassez de insumos Foto: Divulgação

RIO - Impulsionado por agronegócio, exportações e avanço do e-commerce, a produção de caminhões deve crescer cerca de 15% este ano, de acordo com projeções de especialistas e montadoras.

Os comerciais leves ganham espaço com as entregas do varejo nos centros urbanos. Já os pesados e extrapesados são voltados para vendas ao exterior e transporte de commodities .

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No segmento de veículos acima de 16 toneladas, responsáveis pelo trajeto de produtos de fazendas e silos aos portos, a expectativa do mercado é de um avanço de até 40% na produção.

O único revés neste cenário de expansão é a falta de insumo para atender a demanda. As montadoras enfrentam escassez de chips e semicondutores, um problema global que afeta a capacidade de produção. O resultado é que as fábricas já têm filas e prazos de entrega estendidos de veículos.

Na Volvo, o modelo voltado para o transporte de commodities teve um salto de 30% nos emplacamentos entre janeiro e março na comparação com igual período de 2020. Com a perspectiva de mercado aquecido, a empresa contratou 400 funcionários.

Mas com a falta de peças como pneus e semicondutores, o prazo de entrega que era de 60 a 90 dias subiu para 120 dias.

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— A indústria brasileira tem atravessado dificuldade no suprimento. A cadeia é global. Esse ano vamos ter descasamentos, mas serão pontuais. Temos gerenciado semana a semana — disse o executivo Clóvis Lopes, gerente comercial de caminhões da Volvo.

Comitê de monitoramento

Na Foton, além do e-commerce e do agronegócio, a saída da Ford Caminhões levou a uma migração de clientes para as concessionárias da rede, segundo Ricardo Mendonça de Barros, diretor comercial e de desenvolvimento da fabricante. O resultado da combinação foi um aumento de 150% nas vendas.

No caso deles, a matriz na China não está dando conta do abastecimento global e há fila para comprar. Do lote de mil caminhões adquiridos para entregar até agosto, já foram vendidos praticamente todos.

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— A Foton China registrou no início desse ano crescimento de mais de 60% nas exportações e isso impactou na falta de produtos e insumos aqui. Isso se refletiu nos fretes marítimos. Em 2020, pagávamos US$ 900 em um contêiner de 40 pés. A partir de janeiro, passou a custar US$ 9 mil e agora está fixo a US$ 6,7 mil — contou Barros.

Na Scania, o emplacamento de caminhões acima de 16 toneladas cresceu 64,9% no primeiro trimestre. Segundo Roberto Barral, vice-presidente das operações comerciais da empresa no Brasil, segmentos como o caminhão fora de estrada, usados na mineração, construção e setor madeireiro ajudam a elevar o resultado:

— Estamos monitorando constantemente a situação dos fornecedores. O mercado está muito aquecido, estamos com os prazos de entrega já para o segundo semestre.

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Na Mercedez-Bens, com alta de 44% nas exportações de caminhões no primeiro trimestre, o caminho foi criar um comitê de monitoramento da entrega de componentes eletrônicos e de produtos como aço, plástico, pneus e rodas, explicou o vice-presidente de vendas e marketing de caminhões e ônibus da empresa no Brasil, Roberto Leoncini:

— Os atrasos na cadeia de logística e abastecimento de peças e matéria-prima, que não são só locais, mas globais, têm resultado em fila de espera e prazos mais longos para atendimento aos clientes. Monitoramos quase que diariamente os processos de abastecimento e de produção — diz Leoncini.

Na Iveco, as vendas aumentaram 42% no primeiro trimestre, com destaque para a linha leve, usada para entregas do e-commerce, que ganhou espaço na pandemia. Segundo Márcio Querichelli, líder da empresa na América do Sul, foram abertas 800 vagas temporárias diante da demanda. Os produtos estão praticamente vendidos até setembro.

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De acordo com o vice-presidente da Anfavea (associação de montadoras), Gustavo Bonini, o segmento de caminhões pesados é uma exceção, já que a pandemia afetou negativamente a produção de veículos:

— O segmento de caminhões pesados foi o que mais cresceu, impulsionado pela safra recorde no agronegócio. Também houve maior procura por caminhões em função dos aumentos dos serviços de delivery na pandemia.

No BNDES, houve alta de 16% na aprovação de crédito para aquisição de caminhões no primeiro trimestre.

Renovação da frota

Algumas empresas estão renovando a frota. É o caso da Raízen, que produz etanol e investiu em 344 caminhões — a maior compra em cinco anos — para agilizar a etapa inicial da colheita da cana-de-açúcar. Segundo Rodrigo Morales, do total, 220 novos caminhões serão usados na estrada e 124 para substituição.

— Estamos investindo em um modelo que reduz em até 40% o consumo de diesel e é mais ágil. Isso aumenta em 10% a produtividade do transporte de cana nesta etapa.

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Para Antônio Jorge Martins, coordenador acadêmico dos Cursos Automotivos da FGV, com as pausas na produção no ano passado, os compradores brasileiros perderam espaço na lista de clientes que compram semicondutores, usados em diversas outras atividades:

— O caminhão corresponde a 70% da logística do país. O potencial de crescimento da produção é muito grande por causa da deficiência de outros modais, embora agronegócio e infraestrutura puxem o resultado. Mas a falta de semicondutores afeta o setor.

Atraso na produção eleva preço do frete

Segundo o gerente de consultoria Agro do Itaú BBA, Guilherme Bellotti, a falta de peças e os atrasos nas entregas de caminhões tendem, na margem, a encarecer os custos com transporte de maneira geral e a impactar os gastos atrelados à logística de exportação.

Ele pondera, porém, que diante das cotações favoráveis para a maioria dos produtos agrícolas e do câmbio desvalorizado, as exportações seguirão atraentes.

Rodolfo Margato, economista da XP, explica que a demanda por grãos vem do consumo interno, com mais gente se alimentando em casa, e global, pois as principais commodities, soja e milho, são base de alimentação na criação de frangos e suíno.

Como o transporte e escoamento desses grãos nos portos é feito principalmente pelas rodovias, a dependência e o impacto são diretos.

— Isso faz aumentar a produção agrícola e a necessidade de mais caminhões para abastecimento. Não temos outros modais eficientes no país — disse Margato.