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Economia

Na confusão tributária brasileira, um produto tem duas versões de imposto

Tabela de classificação de bens tem 400 páginas. Alíquota pode variar de 2% a 25%
Prédio da Receita Federal Foto: Reprodução
Prédio da Receita Federal Foto: Reprodução

RIO - É sandália plástica ou sapato impermeável, é arroz parboilizado ou polido, é cereal ou produto de confeitaria, é perfume ou água de colônia? O complexo sistema tributário brasileiro, que soma 94 tributos e 11 impostos, além de milhares de classificações diferentes de produto para fins de tributação, acaba definindo a forma de apresentação e denominação nos produtos no Brasil. Segundo estudo do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), é publicada uma norma, instrução ou entendimento a cada duas horas no país. E assim, avolumam-se processos na Justiça e nos tribunais administrativos como o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).

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Segundo a advogada tributarista Bianca Xavier, sócia do escritório Siqueira Castro, foram mais de cinco audiências para definir qual seria a classificação correta para o arroz importado. O Ministério da Agricultura determinava que o arroz era parboilizado (ou não polido), enquanto a Receita determinava que o certo era arroz polido. O erro na classificação gera multa de 1% do valor importado, por isso a demanda foi parar no Carf. Este determinou que a classificação correta era a de arroz polido, e a empresa foi condenada a pagar Imposto de Importação e multa.

Os números dos impostos
94
11
32,66%
Carga
do Produto Interno
tributos
impostos
tributária
diferentes
Bruto
a cada
1958
2 horas
horas de
trabalho por ano
São gastas para gerir o pagamento de impostos
Uma norma, entendimento
ou ato declaratório é emitido
Um caso exemplar
+ Impostos
Imposto de Importação
R$ 180
(alíquota de 18% que incide
sobre o preço da máquina)
+
Imposto sobre Produtos
Industrializados
Uma empresa
importa uma
(alíquota de 10% que incide
R$ 118
sobre o preço da máquina
máquina de
somado ao Imposto de
R$ 1.000
Importação)
+
PIS
R$ 21
Ao entrar no
(alíquota de 2,1% que
Brasil, incide a
incide sobre o preço
tributação
da máquina)
+
Cofins
R$ 106,50
(alíquota de 10,65% que incide
sobre o preço da máquina)
+
ICMS
R$ 356,38
(alíquota de 20% que
incide sobre o preço
com todos os impostos)
Total
R$ 1.781,88
Os números dos impostos
Carga
tributária
32,66%
do Produto
Interno Bruto
94
11
tributos
impostos
diferentes
a cada
2 horas
Uma norma, entendimento, ato
declaratório é emitida
1958
horas de
trabalho por ano
para gerir o pagamento de
impostos. São quase 3
meses por ano dedicado a
esse trabalho
Um caso exemplar
Uma empresa importa
uma máquina de
R$ 1.000
+ Impostos
Imposto de
Importação
R$ 180
(alíquota de 18%
que incide sobre o
preço da máquina)
+
Imposto sobre
Produtos
Industrializados
R$ 118
(alíquota de 10% que
incide sobre o preço
da máquina somado
+
ao Imposto de
Importação)
PIS
R$ 21
(alíquota de 2,1%
que incide sobre o
preço da máquina)
+
Cofins
R$ 106,50
(alíquota de 10,65%
que incide sobre o
preço da máquina)
+
ICMS
R$ 356,38
(alíquota de 20% que
incide sobre o preço
com todos os
impostos)
Total
R$ 1.781,88

— O Supremo Tribunal Federal (STF) ainda está discutindo a tributação do CD-ROM. As pessoas nem sabem mais o que é isso. Há uma inflação tributária, e as decisões demoram. São tantas normas diferentes que surgem a cada dia, que entro em sala de aula sempre defasada —afirma Bianca, que é coordenadora da pós-graduação em Direito Financeiro e Tributário da UFF.

BRIGA DE ESTADOS E PREFEITURAS

A atual tabela da Receita Federal para a incidência de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), com as classificações e alíquotas de cada produto, tem nada menos do que 400 páginas.

Há anos, discute-se se o software é um serviço ou uma mercadoria. Essa controvérsia deve chegar aos tribunais no ano que vem. Segundo o advogado João Paulo Cavinatto, sócio da área Tributária do BMA - Barbosa, Müssnich, Aragão, o Supremo definiu que, se o software é comprado pronto, sem adequações, trata-se de mercadoria. Mas se ele for customizado, feito por encomenda, então é serviço. Uma lei complementar de 2003 estabeleceu que de todo licenciamento de software deveria ser cobrado ISS. Mas, a partir de 2018, a regra de comprado pronto e customizado volta a valer, com a regulamentação do download do software pelo Conselho Federal de Política Fazendária. Ou seja, os estados vão querer cobrar ICMS. Mas as prefeituras que já recolhem ISS desses produtos, independentemente da classificação, não vão querer ficar sem esses recursos.

— Como os softwares customizados são exceção, pode haver cobrança dupla, pois as cidades não vão querer abrir mão da arrecadação — diz Cavinatto.

As empresas também devem contestar. Isso porque a alíquota do ISS fica entre 2% e 5%. A do ICMS pode chegar a 25%.

DECISÃO DEPOIS DE 13 ANOS

No mês passado, o Carf julgou se garrafa térmica importada em partes poderia ser taxada como inteira ou pelas peças. A empresa achou que a tributação seria pelas peças. A Receita, no entanto, discordou. Multou a importadora por classificação errada, pelo fato de ela ter comprado a mesma quantidade de cada peça, ou seja, não eram itens de reposição, mas para a montagem de garrafas. A empresa foi autuada e teve de recolher taxa antidumping com alíquota de 47%. A decisão do Carf foi tomada 13 anos depois de as garrafas terem sido importadas.

Bernard Appy, do Centro de Cidadania Fiscal, dá um exemplo da distorção tributária. Se uma empresa quiser construir um prédio de concreto armado, o empresário vai recolher PIS/Cofins cumulativo de 3,65%, mais ISS de, no máximo, 5%.

— Mas se ele optar por usar uma estrutura metálica, vai pagar ICMS (12% em São Paulo), mais PIS/Cofins de 9,25%. Ou seja, vai recolher 21,25% de imposto.