Economia

Na disputa pela Hering, dono da Farm e da Animale bate Arezzo e leva marca por R$ 5 bilhões

Negócio é fechado com Grupo Soma dez dias após a malharia catarinense ter recusado oferta da grife rival
Grupo Soma, dono de Farm e Animale, leva a Hering em acordo de R$ 5,32 bilhões Foto: Divulgação
Grupo Soma, dono de Farm e Animale, leva a Hering em acordo de R$ 5,32 bilhões Foto: Divulgação

RIO - O Grupo Soma, dono de marcas como Farm e Animale, está colocando a Cia. Hering sob seu chapéu. O acordo foi anunciado dez dias após a empresa catarinense ter recusado uma oferta de R$ 3,2 bilhões feita pela Arezzo, segundo a Reuters. Agora, dá as mãos ao Soma em um acordo avaliado em aproximadamente R$ 5,139 bilhões.

É ágio de 93% sobre o preço de fechamento das ações da Hering no último dia 14 de abril, momentos antes da apresentação da proposta de compra pela Arezzo.

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Fabio Hering, diretor presidente da empresa fundada por sua família, frisou que "o Soma foi a nossa escolha e eles escolheram a Hering", frisando que a relação entre os dois grupos vem de longe, não tendo surgido em conversa de um par de semanas para cá:

— O que se cria com o acordo, após 140 anos de história da Cia. Hering e da trajetória de extremo crescimento do Grupo Soma, é a oportunidade de criarmos um futuro juntos ainda melhor. Estamos nos tornando a maior e melhor plataforma de moda do Brasil — destacou ele.

Fabio Hering participou de uma apresentação sobre o acordo, realizada por videoconferência no início da tarde desta segunda-feira, reunindo executivos dos dois grupos.  E relevou que, entre cnico ou seis anos atrás, num momento de forte aproximação entre os grupos —  interrompida pela recessão econômica — chegou a se referir a Roberto Jatahy, diretor presidente do Soma, como "seu possível sucessor".

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Jatahy definiu a Hering como a "marca mais icônica da história da moda no Brasil". E explicou o que significa a perspectiva de expansão dos dois grupos reunidos.

— Com Soma e Hering reunidos, vamos ampliar em 3,8 vezes o nosso mercado alvo. Atualmente, o soma tem uma participação de 5,6% em um mercado de vestuário classe AB de R$ 30 bilhões. Juntos, teremos 2,5% de um mercado de vestuário de R$ 110 bilhões. E ainda vamos entrar em outros segmentos, como roupa íntima, e reforçando masculino e infantil —  frisa ele.

Oferta menor que a valorização esperada

A transação prevê a criação de uma subsidiária pelo Soma, a NewCo, que será usada para a transação de ações entre as duas companhias. Os acionistas da Hering vão receber uma ação ordinária (ON) uma ação preferencial (PN) da nova empresa por cada papel que detêm atualmente.

Loja da Farm, em Ipanema: dono da marca acertou a compra da Hering Foto: Marcos Ramos / Agência O Globo
Loja da Farm, em Ipanema: dono da marca acertou a compra da Hering Foto: Marcos Ramos / Agência O Globo

Do valor total, R$ 3,64 bilhões serão pagos por meio de ações do Soma e R$ 1,5 bilhão em dinheiro, explicou Gabriel Lobo, diretor financeiro e de relações com investidores do Soma. Os acionistas da Hering vão receber R$ 33 por ação.

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O acordo, que depende da aprovação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), tem uma cláusula de exclusividade. Em caso de rompimento, prevê aplicação de multa no valor de R$ 250 milhões.

Gabriel Lobo, diretor financeiro e de relações com investidores do Soma, avalia que a transação deverá estar concluída em um prazo de dois a três meses. Ele conta que a última semana foi de "trabalho intenso" e que, o grupo de executivos não dormiu nesta última noite, cuidando dos acertos finais para a assinatura do contrato na manhã desta segunda-feira.

— O que fundamenta a nossa proposta de R$ 5 bilhões? Ela foi feita com base no lucro líquido potencial adicional de R$ 200 milhões que a Hering poderá ter em dois a três anos. Ao trazer o valor a presente, a proposta está abaixo do que esperamos atingir. O valor da Hering, pelo cálculo de múltiplo do Soma, seria de R$ 5,9 bilhões.

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Ana Paula Tozzi, sócia da AGR consultores e especialista em varejo, destaca que o Soma criou credibilidade em um mercado em que uma primeira leva de aquisições gerou desconfiança:

— O Soma criou credibilidade no mercado pela forma como faz aquisições, respeitando a autonomia e a gestão das marcas adquiridas, mas com grande capacidade de captura de sinergias operacionais. O varejo depende de outros fatores que não são apenas financeiros — destaca ela.

O grupo, continua Ana Paula, vai acelerar o avanço da Hering:

— O Soma quer ser o Magalu da moda, oferecendo todas as jornadas de compra ao consumidor. A Hering avançou muito em sua reestruturação, mas ainda tem questões a serem resolvidas. Fez o dever de casa, não está deficitária. Vai ser fácil acelerar.

Do básico ao luxo

A nova companhia, continua Lobo, tem receita bruta próxima de R$ 4 bilhões, considerando os números de 2019 sem efeito da pandemia, reunindo mais de mil pontos de venda e lucro líquido superior a R$ 400 milhões.

Pela nova estrutura, o Soma ficará com 65,6% das ações, sendo 40,6% com os acionistas controladores; o restante, com o mercado. A Cia. Hering terá os outros 34,4%, com 7,6% nas mãos da família fundadora da empresa.

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O acordo constrói uma companhia de varejo de moda com um mercado bem maior, com opções de grifes e produtos que vão do básico ao luxo. Esse movimento pavimenta ainda o caminho para a expansão, considerando a complementariedade de portfólios.

—  A Hering traz uma capilaridade estratégica e a partir da qual já temos um pipeline de projetos e ideias, incluindo projetos em estamparia, que é o grande diferencial da Farm, a criação de coleções em colaboração entre as marcas, melhores práticas industriais e outras — destaca Jatahy, que diz se sentir "começando de novo a minha carreira, com muito frio na barriga, vontade e energia para construirmos esse sonho juntos".

Marcello Bastos, criador e à frente da Farm, espécie de marca-prodígio do grupo, acredita que a Hering vai ajudar a impulsionar projetos e mercado:

— O Fabio foi aplaudido em uma visita a Farm em 2015 quando mencionei o sobrenome Hering. Estamos criando uma ampla estrutura de portfólio de marcas, indo da Cris Barros, de luxo, até uma marca de desejo, com impulso grande de mercado.

Sinergias operacionais também irão ajudar a fazer receita e margem avançarem, com ganho de eficiência em despesas e em investimentos.

— Mesmo com avanços, a Hering ainda está um ciclo atrás de outras como Renner ou a própria Arezzo, tanto no desempenho em vendas quanto em inovação. Haverá desafios na integração ao Soma, mas é uma empresa de presença nacional e que gera muita oportunidade. Resolver gargalos e melhorar a operação vai trazer geração de valor para quem está comprando. É uma operação que faz todo sentido — avalia Pedro Serra, da Ativa Investimentos.

As consolidações no varejo vão continuar em meio à janela de oportunidade aberta pela pandemia, dizem os especialistas, com as empresas em melhor situação de caixa e resultado adquirindo operações pequenas e médias.

Crescimento da Hering

A ideia é ganhar escala fortalecendo a cadeia de fornecedores, com maior capacitação industrial para produção verticalizada de algumas linhas de produtos e marcas atuais do Soma, experiência em franquias, canais digitais e pesquisa e desenvolvimento de produtos.

O Soma abriu capital em Bolsa em julho de 2020, tendo levantado R$ 1,8 bilhão com a operação. Em outubro anunciou a compra da NV, de moda feminina e com canal de vendas digitais, por R$ 210 milhões. Na ocasião, Roberto Jatahy, à frente do grupo, avisou que aquela era apenas a primeira de uma série de aquisições nos planos da companhia.

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A Hering, que trabalha fortemente nos últimos anos na reestruturação do negócio, chegou ao fim de 2020 colhendo frutos do foco em revisão da marca, do portfólio de produtos e, principalmente do investimento em venda multinacanais .

— É um momento transformacional. Unir marcas, negócios e pessoas é a combinação que ganha o jogo. Vamos atuar juntos, de forma complementar, com fornecedores, pesquida e desenvolvimento, engenharia de produto, diversas áreas —  conta Thiago Hering, diretor de negócios da Cia. Hering.

No último trimestre do ano, a Hering registrou crescimento de 230,6% no faturamento de seu e-commerce na comparação com outubro a dezembro de 2019. Ao todo, a receita digital avançou 91% em 2020.

Avançou também no varejo físico, inaugurando 130 lojas — incluindo cinco megafiliais. No total, chegou a 778, sendo 20 no exterior. O lucro avançou quase 60%, para R$ 343 milhões sobre 2019.