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Economia

'Não há risco de racionamento. Tudo indica que temos o controle da situação', diz ministro

Bento Albuquerque afirma que consumidor terá de fazer uso mais racional de energia e que governo levanta outras fontes disponíveis para gerar eletricidade
O ministro Bento Albuquerque tem percorrido gabinetes em Brasília para tratar da crise hídrica. Ele garante que o governo vem adotando medidas para preservar reservatórios e garantir o abastecimento de energia Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo
O ministro Bento Albuquerque tem percorrido gabinetes em Brasília para tratar da crise hídrica. Ele garante que o governo vem adotando medidas para preservar reservatórios e garantir o abastecimento de energia Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo

BRASÍLIA - Vinte anos após o racionamento, o risco de faltar eletricidade volta a assombrar o Brasil. Diante da pior seca nas hidrelétricas da região Sudeste/Centro-Oeste em 91 anos, o governo se prepara para tomar medidas que garantam o suprimento de energia.

Em entrevista ao GLOBO, o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, descarta racionamento, mas pede que o consumidor faça uso mais “racional” da energia, no momento em que é acionada a bandeira vermelha nível 2 para junho — um custo extra de R$ 6,24 a cada 100 quilowatts/hora consumidos.

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O governo deu início a uma varredura para saber o que tem disponível de outras fontes de energia, principalmente termelétricas, com custo maior ao consumidor. Albuquerque faz uma peregrinação em gabinetes de Brasília para alertar sobre a crise e pedir ajuda. “É um problema da sociedade brasileira”, afirmou.

Qual o risco de racionamento de energia elétrica?

Não trabalhamos com essa possibilidade (de racionamento) porque tudo indica que nós temos o controle da situação. Todos os nossos modelos, nossos acompanhamentos indicam que não há risco de racionamento, de apagão, no ano de 2021. Esperamos chegar ao fim do ano numa situação mais confortável, para que a gente possa passar 2022 com tranquilidade e custo de energia mais baixo. E acreditamos que, com a expansão da matriz energética, o país muito em breve não vai mais passar por situações como essa que estamos passando neste ano.

O acionamento de mais termelétricas, por exemplo, encarece a conta de luz. Não há risco de racionamento em razão do preço?A energia ficaria tão cara que a indústria, por exemplo, acabaria se retraindo?

O custo da energia é uma preocupação permanente. Desde o início do ano passado, nós adotamos diversas medidas para reduzir o impacto das tarifas. A bandeira vermelha, que aumenta o custo da energia, é um sinalizador. O consumidor precisa fazer um uso mais racional da energia. No que diz respeito à indústria e aos grandes consumidores, nós estamos procurando as associações e as empresas para dar acesso à energia a um custo que não interrompa a retomada da atividade econômica.

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Qual o objetivo da sala de situação criada na semana passada para acompanhar o problema, após o alerta de emergência hídrica em cinco estados?

O governo não vai ser pego de surpresa. Ninguém será surpreendido. Nós iniciamos a campanha de economia de energia e de economia do uso da água desde o fim do ano passado. Desde dezembro temos feito essas campanhas de comunicação, que serão intensificadas agora. O Ministério das Comunicações faz parte da sala de situação. O governo não quer se surpreender e nem quer que todos os agentes sejam pegos de surpresa. Nós vamos dar previsibilidade a todos, para que possamos superar esse período da forma mais equilibrada possível.

Mas a população pode ficar tranquila?

Eu gostaria de passar uma mensagem de tranquilidade. Essa crise hidrológica independe da nossa vontade, é um fenômeno da natureza. Mas a população pode ficar tranquila. Nós estamos adotando todas as ações para que os impactos sejam os menores possíveis e para que nós possamos dar continuidade na retomada da atividade econômica. Nós temos todas as condições para passar por esse momento difícil com tranquilidade e reduzindo os impactos que possam haver para qualquer atividade social e econômica do país.

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O senhor tem procurado outras autoridades para falar sobre a crise?

Esse é um problema da sociedade brasileira. Eu fui ao presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, vou estar pessoalmente com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, falei com o Procurador-Geral da República, Augusto Aras, com os presidentes dos TRFs (Tribunais Regionais Federais), com a presidente do Tribunal de Contas da União, Ana Arraes. Vou falar com o presidente do Supremo, Luiz Fux. Estou falando com todos. (Albuquerque deve se encontrar com Pedro Parente hoje, o ministro da crise no setor elétrico durante o racionamento de 2001, no governo Fernando Henrique Cardoso). Todos estão sabendo do que está ocorrendo. Nós estamos apresentando isso de forma transparente e solicitando a colaboração. Estamos conversando com todos. Esse é um problema da sociedade brasileira. Temos que tratar isso com franqueza, transparência e conversar com todos. Todos têm uma contribuição a dar.

O governo não demorou a tomar medidas?

Nós estamos tomando providências e implementando ações desde outubro, quando visualizamos que iríamos iniciar o período úmido com reservatórios em níveis que não davam conforto à operação do sistema. Diversas ações foram implementadas como, por exemplo, importar energia da Argentina e do Uruguai. Quando passamos por esse período úmido que se encerrou em abril, verificamos que, mais uma vez, as chuvas foram abaixo da média histórica. Isso levou os nossos reservatórios, particularmente os da Região Sudeste e Centro-Oeste, que têm 70% da capacidade de armazenamento do país, a níveis pouco superiores ao que observamos em 2001 e 2015. Daí estarmos apresentando para os órgãos que estamos passando por uma crise hidrológica e as medidas para minimizar o impacto que isso pode ter para a população. É o que nós estamos fazendo desde o ano passado.

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Quais medidas o governo vai tomar ainda?

Estamos no momento tentando preservar os nossos reservatórios. Esse é o principal ponto do momento. Com isso nós vamos despachar (usar) o máximo que nós pudermos em outras fontes de energia. Por exemplo, na semana passada tivemos o recorde de geração da energia eólica e solar no Nordeste. Vamos utilizar o máximo que pudermos com outras fontes de energia. O que estamos fazendo é verificando todo o acervo disponível, particularmente as termelétricas, que podem ser a diesel, óleo combustível, gás natural e biomassa. Pretendemos dar previsibilidade para essa geração, para que esse custo seja o menor possível e com isso preservar os nossos reservatórios. O objetivo é guardar água nos reservatórios agora para usar no futuro.

O governo vai contratar usinas geradoras que hoje não estão no sistema?

Estamos levantando tudo que existe em termos de geração, seja ela termelétrica, solar, eólica, que não está dentro do mercado regulado (no qual distribuidoras compram energia em leilões), aquilo que existe de disponibilidade. Para que, se for necessário utilizá-la, possamos fazer isso com previsibilidade. Vamos contratar com antecedência, preparar essas gerações de energia, para que elas possam, quando necessário, se necessário, prover energia.

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O objetivo agora é guardar água. Vai haver medida para redução do uso múltiplo da água, com redução para irrigação e hidrovia?

Isso está sendo levantado. O que queremos é que o impacto, se houver, seja controlado e o menor possível. Em 2015, a hidrovia Tietê-Paraná ficou paralisada por 16 meses. É isso que nós não queremos. Nós não queremos um impacto descontrolado em outros usos da água, como na navegabilidade de nossas hidrovias e no uso pela agricultura.

A discussão sobre a crise hídrica interfere no processo de privatização da Eletrobras?

Nada muda. Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Essa situação não é por conta da Eletrobras e não vai afetar em nada a Eletrobras. O risco hidrológico não tem nada a ver com a capitalização da Eletrobras. Muito pelo contrário. A capitalização da Eletrobras pode contribuir muito para que no futuro não tenhamos esse tipo de problema. Uma das coisas que a capitalização da Eletrobras vai permitir são investimentos da ordem de R$ 9 bilhões na preservação das bacias hidrográficas. Isso é muito importante para o país, para as regiões onde esses recursos estão localizados, e esses investimentos vão permitir isso.