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Economia Negócios Black Friday

Após disparada do frete, varejistas improvisam para abastecer prateleiras a tempo para o Natal

Com dólar alto e falta de contêiner, empresas recorrem a voo Hong Kong-Guarulhos e caminhões para trazer nozes da ceia
Diante do gargalo no frete maritimo, o comércio tenta antecipar encomendas e buscar saídas para ter prateleiras cheias no Natal Foto: Maria Isabel Oliveira / Agência O Globo
Diante do gargalo no frete maritimo, o comércio tenta antecipar encomendas e buscar saídas para ter prateleiras cheias no Natal Foto: Maria Isabel Oliveira / Agência O Globo

RIO — Na esteira da retomada gradual das vendas no comércio— que acumulam alta de 6,6% de janeiro a julho, segundo o IBGE — lojistas encaram uma maratona para garantir prateleiras abastecidas para o primeiro Natal após o avanço da vacinação contra a Covid-19 no país. Confiam no clima de reencontro das famílias para estimular mais compras de presentes, enfeites e alimentos e também estão animados para a Black Friday, em novembro.

Para não faltar nada, estão antecipando importações e ampliando estoques para driblar o nó logístico causado por problemas no transporte marítimo global.

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Pesam contra os importados, além do câmbio, a alta de custos em razão do aumento do preço do transporte de contêineres, sobretudo vindos da China, e o atraso em entregas, já que há navios parados em portos abarrotados.

— A situação da navegação, diante do súbito aumento da demanda global é quase a de um pós-guerra — destaca Maurício Lima, especialista em logística do Ilos. — Quando o importador tem de optar por outro modal, o custo encarece ainda mais. E as alternativas em logística vão impactar toda a cadeia. Mais perto da Black Friday haverá pressão sobre caminhões também.

O frete por contêiner disparou. Entre o fim de setembro de 2020 e agora, o preço médio se multiplicou por quatro, para mais de US$ 10.500, segundo dados do Freightos Baltic Index. Há mercados, como o dos EUA, onde o preço médio bateu nos US$ 20 mil.

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Para o Brasil, o frete marítimo vindo da China está entre quatro e cinco vezes mais caro, diz Claudio Loureiro de Souza, diretor executivo do Centro Nacional de Navegação Transatlântica (Centronave). Ele vê no congestionamento de navios um reflexo do aquecimento da demanda global.

O consutor de carnes e peixes Vinícius Rodrigues, de 26 anos, exibe as ofertas de bacalhau no Supermercado Zona Sul Foto: Maria Isabel Oliveira / Agência O Globo
O consutor de carnes e peixes Vinícius Rodrigues, de 26 anos, exibe as ofertas de bacalhau no Supermercado Zona Sul Foto: Maria Isabel Oliveira / Agência O Globo

Atraso é custo

— Faltam contêineres e navios para dar conta da forte movimentação de carga atual no mundo. Está engarrafado. Os contratos plurianuais, opção de indústrias que precisam de um sistema seguro de abastecimento, têm logística mais complexa, como a automotiva ou os frigoríficos. Estão preservados, com variação quase nula. É no mercado spot , por demanda, que os preços decolaram e onde o varejo costuma contratar — explica.

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Atraso também vira custo. Assim, a principal estratégia no comércio tem sido a antecipar pedidos, mesmo sem entrega garantida. Ignacio Sánchez, CEO da Leroy Merlin Brasil, diz que há mercadorias travadas em portos da China, sem previsão saída:

— Já deveríamos ter aqui mais de 90% de algumas linhas importadas da China para o fim de ano. Em agosto e setembro, recebemos só 30%. O problema é que ninguém sabe quando chegam os outros 70%. Ninguém conhece as datas ou os custos. Este é o grande problema, a incerteza.

Reforço nacional

No caso da varejista de itens para casa, o problema se concentra no segmento de móveis de jardim, com artigos de Vietnã, Cambodja e China, de substituição limitada por nacionais. Sánchez diz que o estoque de alguns itens pode cair à metade.

—  Mais de 80% dos nossos artigos de decoração e iluminação são locais. Temos o menor índice de ruptura (indicador de produtos em falta em relação ao total de itens) no Brasil da nossa história, e R$ 1 bilhão a mais em estoque disponível nas lojas, com previsão de ampliar vendas de 5% a 10%. Tudo isso foi antecipado.

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Sánchez frisa que o importante agora não é o preço, mas que a mercadoria chegue aqui. Na rede de Supermercados Mundial, a saída foi trocar de modal e rota.

— O bacalhau que vamos vender no Natal já está quase todo aqui. Isso é custo, porque tenho de pagar essa mercadoria no dólar de hoje e armazenar para vender em dezembro. São escolhas que estamos tendo de fazer porque tem dificuldade de contêineres. O nosso fornecedor da Noruega está fazendo transbordo em Hamburgo — diz Sérgio Leite, diretor comercial da rede carioca.

Ele complementa:

— Adiantamos os embarques possíveis, como de azeite. Já recebi nozes, do Chile. Normalmente, vêm de navio, mas vieram de caminhão. As amêndoas também. E, hoje, o contêiner chega aqui e tenho de esvaziá-lo o mais rápido possível, senão a taxa de armazenagem vai lá para cima.

A AliExpress, do gigante chinês Alibaba, passa ao largo do gargalo por usar o transporte aéreo para o Brasil, explica o diretor de Comunicação da varejista on-line, Felipe Zmogisnki.

Desde meados de 2020, utiliza voos fretados. Hoje, são cinco por semana. Ele destaca que, no fim do ano, a data mais forte para o grupo é o 11.11, quando chega a ter artigos vendidos por US$ 1 e outros com descontos de 60% a 80%:

— Em 2020, registramos alta de 100% em relação a igual período (desse festival) de 2019 no Brasil. Portanto, esperamos um maior movimento já em novembro, período em que podemos reforçar o número de voos fretados, bem como ampliar a malha de parceiros locais para garantir a entrega rápida dos pedidos. Estes esforços serão mantidos para Black Friday e Natal.

Panetones já estão à venda nos supermercados Foto: Maria Isabel Oliveira / Agência O Globo
Panetones já estão à venda nos supermercados Foto: Maria Isabel Oliveira / Agência O Globo

Indústria se prepara

É estratégia similar à da Americanas, que antecipou pedidos e investiu num “duto expresso internacional”, com cinco voos semanais de Hong Kong para Guarulhos, para reduzir prazos de entrega de parceiros internacionais no marketplace e levar ao cliente em até 11 dias.

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Jorge Nascimento, presidente da Eletros, que reúne os fabricantes nacionais de eletroeletrônicos, acredita que os entraves logísticos e de insumos (como semicondutores) vão elevar os preços dos produtos do setor entre 5% e 7%, ainda que parte do custo seja absorvido pelas empresas para manter as promoções da Black Friday diante dos sinais de demanda aquecendo.

— Estamos operando em três turnos, a produção cresceu perto de 20% no primeiro semestre, ante janeiro a junho de 2020 — diz ele, que estima vendas de eletrônicos 10% mais altas na Black Friday e no Natal deste ano em comparação com as datas em 2020.

A fabricante nacional de brinquedos Estrela tenta ocupar o espaço deixado pelos importados. Reduziu de 20% para 10% a proporção de componentes importados em seus brinquedos após o início da pandemia. A compra de componentes eletrônicos é programada com antecedência.

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Para o Dia da Criança (12 de outubro) as vendas para os lojistas já superam em faturamento o do mesmo período de 2019, diz Carlos Tilkian, presidente da Estrela, num sinal da retomada da demanda. Com a economia ainda em dificuldades, a Estrela ampliou o portfólio com preço reduzido: um quarto dos artigos têm preços entre R$ 50 e R$ 60.

— É uma forma de adaptar a coleção a um cenário de desemprego no país. Natal sempre tem gasto maior e seguimos gerando produtos com qualidade — diz Tilkian.