Corrida por carne de laboratório já atraiu US$ 506 milhões em investimentos só neste ano
Aportes de empresas em carne 'in vitro' crescem 40% em 2021, em meio à necessidade de reduzir a emissão de carbono. Leonardo di Caprio já investe no ramo
Stephanie Tondo
29/09/2021 - 00:00
/ Atualizado em 29/09/2021 - 14:18
O primeiro hambúrguer produzido em laboratório, resultado de anos de pesquisa do cientista holandês Mark Post Foto: David Parry / Reuters/06.08.2013
RIO — Investimentos globais em companhias que produzem carne em laboratório cresceram quase 40% este ano, segundo um levantamento da FAIRR Initiative, uma coalizão internacional de grandes investidores com US$ 40 trilhões em ativos sob gestão.
Os aportes nessas empresas que tentam substituir a proteína de origem animal passaram de US$ 366 milhões em todo o ano de 2020 para US$ 506 milhões apenas no primeiro semestre de 2021.
Na semana passada, o ator americano Leonardo DiCaprio decidiu investir em duas start-ups que desenvolvem carne a partir de células animais, Aleph Farms e Mosa Meat.
"Uma das formas mais eficazes de combater a crise climática é transformar nosso sistema de alimentação", comentou o artista em um comunicado conjunto das duas empresas.
Os dados da FAIRR Initiative mostram que a criação de alternativas para o consumo de carne bovina é a grande aposta dos maiores investidores do mundo, considerando os impactos da pecuária nas mudanças climáticas e a necessidade de adequação das empresas do setor às metas de redução de carbono globais.
O ator Leonardo DiCaprio no tapete vermelho do Oscar, em 2020: engajado em causas ambientais Foto: VALERIE MACON / AFP
30% das emissões de carbono
Para Maria Lettini, diretora executiva da FAIRR Initiative, o ritmo atual de descarbonização no sistema alimentar global não é suficiente para cumprir a meta do Acordo de Paris de aumento da temperatura média global de no máximo 1,5º C.
Nos Estados Unidos, segundo o relatório, a comida é responsável por até 30% das emissões de carbono das famílias, sendo que produtos de origem animal, incluindo carnes bovina, suína e frango, além dos laticínios, correspondem a quase 75% dessas emissões.
Ondas atingem um paredão em frente a edifícios em Taizhou, província de Zhejiang, leste da China. Os mesmos oceanos que nutriram a evolução humana estão prontos para desencadear a miséria em escala global alerta um projeto de relatório da ONU Foto: - / AFP
Alimentadas pelo rio Zambezi, as Victoria Falls (Cataratas de Vitória), na fronteira entre Zâmbia e Zimbábue, no Sul da África, enfrentaram, em 2019, a pior seca já registrada na região em um século. A paisagem, antes marcada pela queda d'água de tirar o fôlego, se tranfromou num grande abismo seco Foto: STAFF / REUTERS
Iceberg perto da ilha de Kulusuk, na costa sudeste da Groenlândia. Aquecimento global causado pelas atividades humanas terá consequências dramáticas para os oceanos e a criosfera, que inclui gelo marinho, geleiras, calotas polares e permafrost (tipo de solo encontrado na região do Ártico, constituído por terra, gelo e rochas permanentemente congelados) Foto: JONATHAN NACKSTRAND / AFP
Geleira na região do Everest, no Nepal, no distrito de Solukhumbu, a 140 km a nordeste de Katmandu. As montanhas devem perder uma parcela significativa de sua cobertura de neve, com impactos significativos na agricultura, no turismo e no suprimento de energia Foto: PRAKASH MATHEMA / AFP
Imagem fotografada por Steffen Olsen, do Centro de Oceano e Gelo do Instituto Meteorolítico Dinamarquês, mostra cães de trenó andando pela água parada no gelo do mar durante uma expedição no noroeste da Groenlândia. Relatório da ONU sobre oceanos e mudanças climáticas destaca efeitos que China, Estados Unidos, União Europeia e Índia enfrentarão Foto: STEFFEN OLSEN / AFP
Calotas polares da Antártica e da Groenlândia perderam uma média de 430 bilhões de toneladas por ano desde 2006, tornando-se a principal fonte do aumento do nível do mar
Foto mostra uma a geleira Apusiajik, perto de Kulusuk, na ilha de Sermersooq, na costa sudeste da Groenlândia Foto: JONATHAN NACKSTRAND / AFP
Dunas ao pé do edifício "Le Signal", em Soulac-sur-Mer, sudoeste da França, estão sendo lavadas devido às importantes marés do Atlântico Foto: JEAN-PIERRE MULLER / AFP
Áreas da Nona Ala, em Nova Orleans, inundadas após os furacões Katrina e Rita. O aumento do nível do mar pode deslocar 280 milhões de pessoas em um cenário otimista de um aumento de 2°C na temperatura global em comparação com a era pré-industrial. Com um aumento previsível da frequência de ciclones, muitas megacidades costeiras, bem como pequenas nações insulares, seriam inundadas todos os anos a partir de 2050 Foto: ROBYN BECK / AFP
Moradores usam barcos para atravessar um rio Ganges inundado, à medida que os níveis de água nos rios Ganges e Yamuna aumentam, em Allahabad, Índia. Relatório do IPCC diz que chuvas de monção do verão indiano, uma fonte vital para regar as culturas destinadas a alimentar centenas de milhões de pessoas, enfraqueceram significativamente desde 1950, provavelmente devido ao aquecimento do Oceano Índico Foto: SANJAY KANOJIA / AFP
A região do Ártico registrou temperaturas recorde nos últimos anos, com derretimento extenso das camadas de gelo e neve Foto: Evan Vucci / AP
A elevação dos níveis dos mares também já provocou o desaparecimento de ao menos cinco ilhas nas Ilhas Salomão, país no Oceano Pacífico considerado um dos mais ameaçados pelas alterações climáticas no planeta Foto: REPRODUÇÃO
Um urso polar pula entre pedaços de água congelada no Canadá. O fotógrafo Florian Ledoux capturou o momento usando um drone em agosto de 2018. Animais estão enfrentando uma série de ameaças que estão afetando seu futuro status populacional. "Eles estão entre os primeiros refugiados da mudança climática", escreveu Ledoux Foto: Florian Ledoux
Rio sub-glacial vindo de dentro de uma geleira e caindo num grande buraco Foto: Florian Ledoux
Imagem aérea mostra os corais brancos na Grande Barreira de Corais da Austrália, que está sendo destruída pelo aquecimento e acidificação dos mares Foto: ARC Centre of Excellence for Coral Reef Studies / Terry Hughes
Gelo flutuando na Groenlândia durante o inverno. Local costumava estar completamente congelado durante a estação Foto: Florian Ledoux
Nos EUA, uma comunidade formada por cerca de 600 pessoas no estado do Alasca decidiu mudar de lugar por causa da elevação do nível do mar provocada pelo aquecimento global Foto: AP / Diana Haecker
Manguezal com 7.400 hectares morreu de "sede" no Golfo de Carpentária, na Austrália Foto: AFP / NORMAN DUKE
Pescador mostra caranguejos capturados por ele em manguezal na Bahia, no Brasil. Espécie vem se tornando cada vez mais escassa à medida que o aquecimento global vem causando o aumento da temperatura da água e, consequentemente, a morte de caranguejos e outros animais em sua cadeia alimentar Foto: NACHO DOCE / REUTERS
No Brasil, o atual período de estiagem no Nordeste, considerado o pior em um século, transformou a barragem mais antiga do país num cemitério de tartarugas Foto: AFP / EVARISTO SA
Carcaças de renas mortas cobertas pelo gelo. Um estudo da Universidade de Oxford mostrou que 80 mil renas morreram na Sibéria por causa das alterações no ciclo das chuvas Foto: Universidade de Oxford
— A forma como consumimos precisa mudar. E o papel da carne cultivada não é necessariamente substituir esses alimentos, mas oferecer outra opção, diversificar nossas fontes de proteína — disse Lettini ao GLOBO.
O preço das carnes de laboratório, no entanto, ainda é um desafio, explicou Jo Raven, gerente sênior de Pesquisa e Engajamento da FAIRR Initiative.
Produzidos através da cultura de células animais in vitro, com o uso de um biorreator para replicar a estrutura do tecido celular da carne, esses produtos demandam tecnologia e insumos que, com baixa demanda, custam caro.
Segundo ela, o preço por quilo desses alimentos ainda está na casa dos dois dígitos, custando em média US$ 50. Mas a expectativa é que esse valor caia ao longo dos próximos anos, podendo ficar até mesmo mais baixo que o preço da carne natural.
— Tudo vai depender da aceitação dos consumidores. A indústria precisa ser capaz de demonstrar a segurança desses produtos. Acreditamos que em cinco anos esses produtos já tenham sido lançados no mercado, e que em dez anos estejam popularizados — avaliou Raven.
O investimento privado, de acordo com a executiva, tem um papel fundamental para ajudar a financiar esses projetos.
Além disso, Jenn-Hui Tan, chefe de Administração e Investimentos Sustentáveis da gestora Fidelity International, alertou para a oportunidade que esse novo mercado traz para os investidores.
Estreia na Bolsa
Neste ano, duas empresas de proteínas de laboratório fizeram ofertas públicas de ações (IPOs). A americana MeaTech, de carne cultivada, que passou a negociar papéis na Bolsa de Nasdaq, em Nova York, e a start-up israelense Biomilk, que produz leite materno em laboratório, negociada na Bolsa de Tel Aviv.
— Estamos vendo um aumento na regulamentação para facilitar essa mudança: Canadá, Israel e Cingapura se posicionaram como pioneiros no desenvolvimento e investimento de proteínas alternativas, com Cingapura este ano se tornando o primeiro país do mundo a aprovar a venda de carne cultivada — destacou Jenn-Hui Tan.
Ele complementa:
— Com outros países prontos para fazer o mesmo, os investidores devem estar cientes dos impactos e oportunidades dessa mudança e as empresas de alimentos devem inovar no ritmo — destacou Jenn-Hui Tan.