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Economia Negócios

Varejo se volta para eletroeletrônicos premium, focando no consumidor que pode pagar

Com queda no poder de compra da população, comércio reduz a variedade de produtos à venda, principalmente dos mais acessíveis
 Produção de lava-roupas. Sortimento de produtos como TVs, smartphones, refrigeradores e fogões teve queda de 9,5% no primeiro bimestre em relação a igual período de 2021 Foto: Oliver Bunic / Bloomberg
Produção de lava-roupas. Sortimento de produtos como TVs, smartphones, refrigeradores e fogões teve queda de 9,5% no primeiro bimestre em relação a igual período de 2021 Foto: Oliver Bunic / Bloomberg

RIO — O aperto no bolso do brasileiro derrubou o poder de compra da população e está afetando a oferta de produtos no varejo. Entre o primeiro bimestre deste ano e igual período de 2021, houve uma retração de 9,5% no sortimento de eletroeletrônicos à venda nos segmentos de TVs, smartphones, refrigeradores e fogões, mostram dados levantados pela GfK. Ou seja, a variedade de produtos está menor.

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Essa queda na diversidade de produtos, porém, está mais concentrada nos modelos econômicos, enquanto no premium houve avanço, porque quem tem dinheiro para comprar hoje é a classe A. No recorte por TVs UHD, por exemplo, a alta foi de 2%; no de smartphones com preços acima de R$ 2.500, de 21%, já em notebooks de sétima geração, o aumento alcançou 33%.

Um recorte sobre como variou o sortimento de refrigeradores, na comparação com antes e depois da pandemia, ilustra esse movimento. Nos modelos side by side — com duas portas posicionadas lado a lado, para refrigerador e freezer —, a alta bateu 392% em relação a 2019. E manteve o fôlego já no cenário pandêmico, com avanço de 206% sobre 2020.

Na direção contrária, o modelo de duas portas, com refrigerador e top freezer , registra avanço de apenas 2% na comparação com o pré-pandemia, e retração de 10% em 2021. Já para o refrigerador de uma porta, com o congelador interno, o sortimento encolheu 3% e 4%, respectivamente.

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Fernando Baialuna, head de Marketing Intelligence Brasil da GfK, explica haver um “movimento de pêndulo” no consumo, que bateu num pico em 2020 e, agora, está na outra ponta.

— Isso já era esperado. Mas o cenário está muito mais difícil para as classes CD. Há uma discrepância entre o poder de compra das classes AB e C — explica ele. — A retração no sortimento é sintoma que reforça o investimento maior na ‘premiumrização’, uma tentativa de maximizar a margem.

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O comércio avalia com ainda mais atenção e assertividade a demanda e mira nos produtos que tendem a ser vendidos com maior margem, com o preço cheio e para quem está capitalizado para comprar.

— O varejo prioriza o que tem mais giro e mais margem, foca nos itens mais caros. Faz gestão de caixa e otimiza o sortimento. Daí o exemplo dos refrigeradores. Um side by side tem preço médio mais alto, preservando a margem. O duas portas top freezer é item de entrada, o mais comprado pelas classes CD, que recuaram.

Efeito só no curto prazo

É um malabarismo para lidar com a crise. Além da pressão de custos devido ao aumento do dólar e à falta de insumos, a inflação, em março, bateu 11,3% de alta acumulada em 12 meses , o maior índice desde outubro de 2003.

Nos últimos seis meses, 76% dos brasileiros disseram ter tido perda financeira pela inflação, diz pesquisa divulgada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). Quase dois terços dos entrevistados reduziram gastos, e 23% deixaram de comprar eletrodomésticos.

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À frente da Associação Nacional dos Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos (Eletros), José Jorge do Nascimento Júnior, diz não ter redução de sortimento na indústria.

— Fechamos 2021 com queda de 7% em vendas e continuamos caindo. Há muito estoque tanto no varejo quanto na indústria porque o consumidor não está comprando. As vendas caem desde meados do ano passado — destaca ele.

Ele reconhece que houve redução na produção — em TVs, foram 10 milhões de unidades em 2021, ante 13 milhões em 2020. Afirma, contudo, que nada foi suspenso, sobretudo pela expectativa de que o Dia das Mães traga uma virada e redução dos estoques:

— A indústria não está focando no premium , mas a classe mais abastada é a que não perdeu poder aquisitivo. O fabricante sem itens premium está passando dificuldade.

O consumidor que busca itens como o tanquinho — lavadora de roupa semiautomática —, diz Jean Paul Rebetez, sócio da Gouvêa Consulting, está preocupado com o botijão de gás a R$ 120, e em manter a compra de alimentos:

— Não há bem como sair ganhando num cenário desses. Mas os grandes varejistas conseguem se mover melhor. Focam no que vende mais, negociam com a indústria e deixam a briga “encarniçada” do produto de “combate” para seus parceiros de marketplace .

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Marketplace ajuda a manter sortimento

Empresas com marketplaces sob seu chapéu — como Magazine Luiza ou Via (dona de Casas Bahia e Ponto) — podem privilegiar a venda direta de itens de maior giro nos estoques próprios e complementar o portfólio com a oferta dos vendedores que integram suas plataformas, explica Rebetez. Saem ganhando ainda com a oferta de serviços financeiros ao consumidor.

Para Carlos Ricardo Carvalho, diretor de Lojas da Casa&Video, faz sentido privilegiar itens de maior giro.

— O impacto no consumo é um fato. Vemos recuo em vendas nas lojas físicas, com participação mais forte no digital em áreas como a Zona Sul do Rio. Mas temos trabalhado para aumentar cada vez mais a cauda longa em sortimento e precificação. Somos conhecidos como uma varejista de bons preços e isso pesa a nosso favor. E há itens que já são de primeira necessidade, como smartphones — pondera. — Esperamos que neste Dia das Mães, após dois anos de pandemia, o consumidor seja mais ousado, mesmo no aperto. O FGTS (saque extraordinário de até R$ 1 mil liberado a partir deste mês) deve ajudar.

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Marcelo Boschi, coordenador do MBA em Marketing Estratégico da ESPM Rio, pontua que as estratégias variam conforme a categoria. Nos supermercados, é cada vez mais comum a criação de submarcas mais populares. Já em automóveis e eletrodomésticos, as prioridades são produtos mais caros e certeiros.

Na avaliação dele, porém, essa é uma tática que não se mantém a longo prazo por dois motivos. Um deles é que os mais afortunados logo voltarão às compras no exterior. O outro é o efeito limitado do consumo AB:

— Classes A e B nunca sustentaram a indústria. O consumo deles corresponde a pouco mais de 2% do setor. É estratégia transitória. A capacidade produtiva no país é muito superior e o custo de produzir pouco é muito elevado.

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O Grupo Britânia, das marcas Philco e Britânia, afirma investir de forma permanente em oferecer o que “há de mais novo em tecnologia e design”, garantindo procura constante pelo portfólio da empresa. Cita modelos de perfil mais premium como a fritadeira Air Fry Oven Britânia 4 em 1, as TVs de 86 polegadas e ar-condicionado com Wi-Fi da Philco, controlado via smartphone.

— São produtos excelentes, novos e que oferecem funções modernas, atraindo assim o varejista e o consumidor final, que acaba entrando em contato com os outros produtos que oferecemos e se consagra como um consumidor da marca — explica Mariana Therézio, coordenadora de marketing da companhia.

A LG Brasil optou por lançar mais produtos para diferentes mercados com o objetivo de fazer frente à oscilação de vendas na pandemia, diz Rodrigo Fiani, vice-presidente de vendas B2B da empresa. Ele destaca o segmento de itens para gamers . Além das TVs, com grande aposta na de tela LED de 136 polegadas, voltada para o alto luxo. No site da LG, sai a R$ 319 mil.

— Queremos ambientar os produtos. A grande diferente do pré e pós pandemia é a experimentação, ver como ficaria na sua casa. A estratégia foi ampliar e ambientar o portfólio. Com a Copa (do Mundo), acreditamos que TV deve vender bem, assim como as telas LED — estima Fiani.

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A disputa pelo bolso do consumidor

Preço acessível

Casa&Video aposta em vendas de Dia das Mães ampliando oferta de produtos e parcelamento em até 12 vezes. Foto: Brenno Carvalho / Agência O Globo
Casa&Video aposta em vendas de Dia das Mães ampliando oferta de produtos e parcelamento em até 12 vezes. Foto: Brenno Carvalho / Agência O Globo

A Casa&Video espera alta de vendas neste Dia das Mães, quando terá parcelamento em até 12 vezes sem juros. E reforça o foco em oferecer itens de preços e categorias diferentes, como fritadeiras elétricas a partir de R$ 299.

Telona em destaque

As TVs estão entre as apostas positivas neste ano de Copa do Mundo. A LG lançou versão com tela de 136 polegadas. “TVs de telas maiores, do tipo premium acessível, poderão ter oportunidades”, avalia Fernando Baialuna, da GfK.

Isca para fidelizar

Artigos mais sofisticados e de preço mais alto, como a Air Fry Oven 4 em 1, podem funcionar como um atrativo ao consumidor, avalia o Grupo Britânia, que impulsiona a fidelização ao portfólio das marcas da companhia.

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