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Economia Negócios

Após devolução do Galeão, empresas cobram revisão de contratos de aeroportos por impacto da pandemia

Anac acenou com revisões pontuais de valores de 2021, mas os concessionários querem reavaliação integral considerando o impacto de longo prazo com a Covid
Movimento baixíssimo no aeroporto internacional Tom Jobim Foto: Marcia Foletto / Agência O Globo
Movimento baixíssimo no aeroporto internacional Tom Jobim Foto: Marcia Foletto / Agência O Globo

BRASÍLIA, RIO E SÃO PAULO — A decisão de Changi, operadora aeroportuária de Cingapura, de devolver o Galeão, expôs uma batalha travada nos bastidores entre operadoras de aeroportos e o governo. As empresas querem rever os termos dos contratos de concessão em razão do impacto negativo da pandemia sobre o fluxo de passageiros.

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A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) acenou com revisões pontuais de valores de 2021, mas os concessionários querem reavaliação integral dos contratos considerando o impacto de longo prazo da pandemia.

Apesar de a crise do Galeão não se restringir à pandemia, o debate coloca em discussão a flexibilidade do governo para negociar com operadores privados no momento em que se prepara para realizar a 7ª rodada de concessões, na qual será leiloado o aeroporto de Congonhas, uma das joias da coroa nas mãos da Infraero.

A avaliação é que a pandemia representa um risco que não poderia ser mensurado no momento da concessão e que torna impossível alcançar os resultados previstos no período.

A Anac já concluiu a análise de pedidos de reequilíbrio econômico-financeiro de operadores de 15 aeroportos por perdas causadas pela pandemia, limitando o escopo ao ano de 2021. A agência diz que atendeu 73% do valor pedido pelas empresas para descontar da outorga: de R$ 1,81 bilhão solicitado, aceitou R$ 1,32 bilhão.

A lista inclui companhias que administram terminais como os de Guarulhos, Brasília, Recife, Salvador e Porto Alegre.

Segundo a Anac, três pedidos seguem em análise: Galeão (que pediu para descontar R$ 422,3 milhões somente dos pagamentos previstos para 2021), Confins (em Minas Gerais, que solicitou R$ 74,3 milhões no mesmo período) e São Gonçalo do Amarante (no Rio Grande do Norte, que pediu R$ 22,3 milhões).

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— Existe um reequilíbrio de longo prazo por causa da pandemia que precisa ser feito. O que mais tem incomodado os aeroportos é a política de conta-gotas, de discutir ano a ano. Não se trata apenas de reequilibrar o contrato enquanto a pandemia existe, mas enquanto seus efeitos perdurarem. Está previsto em caso de evento de força maior. Os aeroportos vão ter uma curva de crescimento paralela abaixo da prevista antes da Covid. Enquanto a Anac não sentar conosco, ficamos no vácuo — afirma Kleber Meira, CEO da BH Airport, à frente do aeroporto de Confins.

Para o executivo, a estratégia do governo tem como consequência um ambiente de grande insegurança jurídica entre os concessionários.

— Não acredito que a saída da Changi do Brasil seja algo do tipo ‘vida que segue’. Fico triste de o Brasil perder um operador desse calibre. O Brasil é o único país do mundo que atraiu os grandes operadores do setor: Changi, Vinci, Inframerica, Zurich. Não podemos escorregar — alerta.

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Segundo Meira, os operadores de Galeão, Guarulhos, Confins e Brasília protocolaram em maio de 2021 pedido de reequilíbrio de contrato de longo prazo. A justificativa do governo é que não é possível fazer o cálculo com a assertividade necessária para estimar o impacto. Confins tem outorgas em dia.

Movimento baixíssimo no aeroporto internacional Tom Jobim Foto: Marcia Foletto / Agência O Globo
Movimento baixíssimo no aeroporto internacional Tom Jobim Foto: Marcia Foletto / Agência O Globo

O movimento de 11 milhões de passageiros em 2019 chegou a tombar para 4,8 milhões na pandemia, retomando a R$ 7 milhões em 2021. A capacidade total, porém, é de 32 milhões.

A Inframérica, responsável pelo aeroporto de Brasília, solicitou a revisão do contrato no longo prazo e teve o pedido negado. Ela decidiu recorrer da decisão. A revisão somente de 2021 foi aprovada mês passado.

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Antes da pandemia, a empresa já tinha pedido a devolução amigável do aeroporto de Natal. “O Aeroporto de Brasília segue sendo administrado pela Inframerica e a concessionária não tem intenção de devolver o aeródromo brasiliense”, afirmou por meio de nota.

‘Fadado ao insucesso’

Para Guilherme Amorim, especialista em Direito Constitucional e sócio do Rubens Naves Santos Jr. Advogados, a atitude do governo lança desconfiança sobre sua capacidade de implementar cláusulas de reequilíbrio de contratos nos aeroportos que pretende licitar este ano:

— É uma opção do governo não fazer isso. Mas passa um sinal de que relações de longo prazo com investidores não são uma prioridade.

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Especialistas citam preocupações com o aeroporto de Guarulhos, o principal do país. Ele está entre as primeiras licitações, feitas no governo de Dilma Rousseff, e tem valor de outorga alto. Procurada, a GRU Airport informou que “não está discutindo a devolução da concessão”.

A Invepar, que tem 51% da GRU Airport, enfrenta problemas desde antes da pandemia. Para reequilibrar dívidas, transferiu a concessão do MetrôRio a outra empresa. Ela busca um sócio com capacidade de injetar capital para a concessão de Guarulhos.

— Apesar de ser o maior aeroporto do país em número de passageiros transportados e em volume de carga e de ter lucro operacional crescente, a bolha do modelo de concessão criado à época vem acarretando prejuízos financeiros à concessionária devido ao alto valor da outorga pago no leilão — disse o advogado especialista no setor André Soutelino.

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O ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, diz que o Galeão, leiloado em 2013, estava “fadado ao insucesso” em razão do modelo de licitação. Na primeira leva de aeroportos licitados, os terminais foram arrematados com ágio muito grande, o do Galeão foi de 293%.

— Isso é jogar dinheiro no incinerador, o Galeão estava fadado ao insucesso, tinha um contrato muito ruim. Isso nasce da crença de que eu poderia ser irresponsável na licitação porque depois o governo daria um jeitinho.