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Economia Negócios

Drones, internet e dados: Como a nova geração de produtores acelera transição tecnológica no campo

Mais escolarizados, jovens produtores rurais investem pesado em tecnologia e inovações que vão da robótica à biotecnologia e fazem diferença na produtividade
Os irmãos Gilberto Fillipini e Luiz Cesar Fillipini, diante o trator de pulverização via GPS: produtores de cana em Holambra, no interior de São Paulo, eles resolveram fazer faculdade, mas permanecer no campo, e se tornaram entusiastas de novas tecnologias Foto: Maria Isabel Oliveira / Agência O Globo
Os irmãos Gilberto Fillipini e Luiz Cesar Fillipini, diante o trator de pulverização via GPS: produtores de cana em Holambra, no interior de São Paulo, eles resolveram fazer faculdade, mas permanecer no campo, e se tornaram entusiastas de novas tecnologias Foto: Maria Isabel Oliveira / Agência O Globo

SÃO PAULO — Uma geração mais jovem de agricultores acelera a digitalização no campo. Abertos às novas tecnologias, eles são mais instruídos — a proporção com ensino superior subiu de 23,6% em 2016 para 30,1% atualmente —, querem se fixar no campo em vez de migrar para grandes cidades e busca profissionalização em todas as áreas: da administração das fazendas à aplicação de defensivos.

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Também são entusiastas da tecnologia e introduzem nas propriedades inovações que vão de robótica e drones autônomos a aprimoramento molecular de variedades agrícolas, passando por forte investimento em conectividade. E os efeitos já começam a aparecer em avanços na produtividade do campo.

Essas são algumas das conclusões de uma pesquisa inédita da CropLife Brasil, associação que reúne empresas de sementes, biotecnologia, defensivos e produtos biológicos, e da consultoria EY.

Ana Paula Franciosi, de 23 anos, mergulhou no cotidiano das seis fazendas de sua família na Bahia, para onde voltou após se formar em administração em Porto Alegre Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo
Ana Paula Franciosi, de 23 anos, mergulhou no cotidiano das seis fazendas de sua família na Bahia, para onde voltou após se formar em administração em Porto Alegre Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo

O levantamento, realizado pela Fruto Agrointeligência, que ouviu 384 produtores, revela que mais de 94% têm a internet no cotidiano, com o WhatsApp como a principal ferramenta para gerir fazendas, fazer negócios e trocar informações com os pares.

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— Nossa geração é mais aberta a essa novas ferramentas — diz Gilberto Fillipini, de 46 anos, que produz cana de açúcar na região de Holambra (SP). — Montamos um grupo de WhatsApp para monitorar as chuvas na região. Meu pai não teria condições de lidar com tantas tecnologias, mas, hoje, quem não se profissionalizar está fora do mercado.

Ele e o irmão Luiz Fillipini decidiram dar continuidade ao negócio do pai e se fixar no campo. Gilberto sempre trabalhou com a lavoura e acabou não fazendo faculdade na juventude. Em 2020, conseguiu realizar o sonho do diploma. Concluiu o curso superior de gestão do agronegócio.

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O irmão, de 42 anos, estudou fisioterapia, chegou a atuar na área, mas desistiu da profissão e retornou à propriedade para trabalhar com a família atraído pelas oportunidades do agronegócio. Descobriu o que considera ser uma vocação.

Mais preparados e conectados

Desinteresse pela cidade

Sempre de olho nas novidades, os irmãos usam drones para detectar pragas na plantação e fazer uma pulverização cirúrgica, apenas nas áreas atacadas, reduzindo danos ao meio ambiente. Investiram em pulverizadores com GPS, mais eficientes, e buscam cada vez mais utilizar produtos biológicos para controlar pragas.

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Mario Roberto Moraes, na porteira da propriedade em que cultiva laranjas: ele se tornou um especialista em pragas que atracam cítricos e, como a maior parte dos agricultores de hoje, usa o celular para se informar e gerenciar negócios Foto: Maria Isabel Oliveira / Agência O Globo
Mario Roberto Moraes, na porteira da propriedade em que cultiva laranjas: ele se tornou um especialista em pragas que atracam cítricos e, como a maior parte dos agricultores de hoje, usa o celular para se informar e gerenciar negócios Foto: Maria Isabel Oliveira / Agência O Globo

A pesquisa mostra que, nas grandes propriedades, 60% dos filhos de agricultores não pretendem ficar no campo. Esse percentual é mais elevado que em outros países onde o agronegócio também tem peso forte na economia, como Austrália e EUA.

Também foram ouvidos trabalhadores operacionais, que estão no dia a dia das lavouras, e não apenas aqueles que tomam decisões. Nesse grupo, os que não pretendem migrar são 56%.

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Transição familiar

Ana Paula Franciosi, de 23 anos, quer profissionalizar a administração das fazendas da família na cidade baiana de Luís Eduardo Magalhães. Ela se formou em administração em Porto Alegre e voltou à Bahia, onde já trilha o caminho para essa transição com a irmã e dois primos.

Os irmãos Gilberto Fillipini e Luiz Cesar Fillipini, no trator de pulverização via GPS: produtores de cana de Holambra (SP) são entusiastas da tecnologia no campo Foto: Maria Isabel Oliveira / Agência O Globo
Os irmãos Gilberto Fillipini e Luiz Cesar Fillipini, no trator de pulverização via GPS: produtores de cana de Holambra (SP) são entusiastas da tecnologia no campo Foto: Maria Isabel Oliveira / Agência O Globo

Eles mergulharam no dia da dia da produção de soja e algodão de seis propriedades. Introduziram novidades como monitoramento de chuvas, de solo e controle dos pivôs de irrigação por meio de plataformas digitais. Usam termômetros para medir a temperatura dos silos e assim evitam a perda de produtos.

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A produtividade das máquinas colheitadeiras é avaliada por informações armazenadas num pendrive. Eles montaram um time de 14 pessoas, que inclui profissionais de TI e monitoramento, só para gerir toda essa tecnologia.

— Gostamos de testar novidades. Agora mesmo estamos utilizando um sistema de luz roxa nos pivôs de irrigação. A luz simula o sol e faz com que a planta continue fazendo fotossíntese à noite. É mais uma ferramenta para aumentar a produtividade — conta Ana.

A digitalização já é uma realidade em toda a cadeia produtiva do agronegócio, aponta a pesquisa. Novas tecnologias alteram o cotidiano não só nas fazendas, mas também em municípios que têm muitas atividades agrícolas.

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A maior produtividade leva a salários mais altos e a demanda por serviços movimenta a economia local e também universidades, diz Roberto Araújo, Roberto Araújo, Gerente de Educação e Boas Práticas Agronômicas da CropLife Brasil:

— É um agricultor que busca a profissionalização em todos os sentidos e sempre está procurando novas ferramentas e treinamentos digitais. É um perfil que quer continuar tocando o negócio fundado pelo pai, diferentemente do filho de fazendeiro que, no passado, ia embora estudar na cidade.

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Drones em toda parte

O engenheiro agrônomo Mario Moraes, de 54 anos, tem especialização e mestrado em citricultura. Participou de pesquisas sobre novas pragas e até se tornou consultor no tema.

Mario Roberto Moraes diante mapa realizado por drone para indicar forma mais produtiva para o plantio de laranjas Foto: Maria Isabel Oliveira / Agência O Globo
Mario Roberto Moraes diante mapa realizado por drone para indicar forma mais produtiva para o plantio de laranjas Foto: Maria Isabel Oliveira / Agência O Globo

Ele produz laranjas em Conchal (SP). Para o plantio numa nova área de 32 hectares, usou mapeamento feito por drones, para chegar à melhor forma de aproveitar a área.

— O drone sobrevoa o terreno e mapeia com precisão de centímetros a melhor maneira de fazer o plantio e aproveitar ao máximo a área — conta.

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O levantamento da CropLife Brasil e da EY mostra que os drones estão em toda parte no campo. Os produtores também se interessam cada vez mais por conectividade.

Estão ansiosos pela chegada do 5G, a nova geração de telefonia móvel, para ampliar investimentos em objetos conectados (internet das coisas) e robótica, entre outras aplicações. Tecnologias de descarbonização estão no radar pelo lado da sustentabilidade e as estratégias comerciais não dispensam o e-commerce e as fintechs.

As inovações da biotecnologia também atraem. Enquanto o Congresso divide opiniões com o avanço de um projeto de lei que libera a produção de defensivos agrícolas genéricos, a pesquisa revelou que os jovens produtores estão mais atentos às preocupações do consumidor mais informado sobre questões ambientais.

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Enquanto velhas práticas ainda perduram, uma parte dessa nova geração do campo, mostrou o levantamento, já começou a incorporar o uso de defensivos biológicos e outras soluções da biotecnologia aliadas a melhores práticas socioambientais.

Números do Ministério da Agricultura mostram que, entre 2019 e 2020, o registro de defensivos biológicos avançou 135%.

Inovações ajudam país a atender alta demanda por alimentos

Digitalização do agro também chega pelas criptomoedas, e produtores facilitam captação de recursos para a produção Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo
Digitalização do agro também chega pelas criptomoedas, e produtores facilitam captação de recursos para a produção Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo

Estimativas da agência da ONU para Alimentação e Agricultura (FAO) mostram que o Brasil terá um papel central no atendimento à demanda global por alimentos, que deve aumentar em 50% até 2050.

Em quatro décadas, o Brasil se transformou em uma das maiores potências agrícolas do planeta, e a tecnologia teve papel fundamental.

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Em 1980, o país produziu pouco mais de 52 milhões de toneladas de grãos. Em 2020, foram quase 257 milhões. No mesmo período, a área plantada cresceu só 56%. Para Daniela Sampaio, sócia da EY especializada em agronegócio, as inovações introduzidas pela nova geração de produtores já faz diferença na produtividade:

— Essa nova geração tem cabeça mais aberta para a tecnologia, sabe que traz melhores práticas e aumenta a produtividade. Isso favorece o posicionamento do Brasil no setor agora e nos próximos anos.