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Economia Negócios

Galeão: Veja como devolução da concessão e adiamento do leilão do Santos Dumont afetam passageiros e o turismo

Indefinição sobre os dois aeroportos do Rio estendida até 2023 preocupa autoridades e empresários porque pode afetar atração de voos para a cidade
Baixo movimento: Aeroporto Internacional do Galeão foi muito atingido pela pandemia Foto: Marcia Foletto / Agência O Globo
Baixo movimento: Aeroporto Internacional do Galeão foi muito atingido pela pandemia Foto: Marcia Foletto / Agência O Globo

RIO E BRASÍLIA — Com a decisão da Changi de devolver a concessão do Aeroporto Internacional do Galeão Antônio Carlos Jobim, na Zona Norte do Rio, o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, anunciou ontem que o terminal será relicitado no segundo semestre de 2023 , juntamente como o Santos Dumont.

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Dessa forma, fica adiado em um ano a concessão do terminal do Centro do Rio. Até lá, essa indefinição deve afetar passageiros, companhias aéreas, outras concessionárias de aeroportos, o turismo e a própria economia do Rio.

A Changi, empresa de Cingapura que controla a concessionaria que administra Galeão, protocolou na Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) um pedido para deixar o negócio.A informação foi antecipada pela coluna Capital , do GLOBO.

Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro, com o Terminal 1 vazio Foto: Brenno Carvalho / Agência O Globo/20-8-2021
Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro, com o Terminal 1 vazio Foto: Brenno Carvalho / Agência O Globo/20-8-2021

Com a devolução da concessão, haverá uma nova licitação. O governador do Rio, Cláudio Castro, e o prefeito da capital fluminense, Eduardo Paes, manifestaram-se em favor de uma solução rápida.

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O secretário de Desenvolvimento Econômico, Chicão Bulhões, manifestou preocupação com um prazo de mais de um ano de indefinição:

— A grande preocupação agora é o tempo, (a relicitação) é urgente. Não podemos esperar até 2023 como o ministério da Infraestrutura está prevendo, senão o Rio ficará abandonado.

Risco de ‘ficar para trás’

Representantes do setor de turismo e de companhias aéreas afirmam que a troca na gestão do Galeão deve reduzir a atração de voos em um momento crucial, em que as empresas começam a reprogramar malhas aéreas e selecionar destinos no pós-pandemia. Ou seja, o Rio corre o risco de ficar para trás na retomada do setor.

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— O problema é o tempo que isso pode levar porque (o concessionário) ajudava a tentar captar voos. Agora, a Infraero, que é sócia minoritária (com 49% do capital), terá de trabalhar sozinha por um período. A operadora sempre teve um diálogo com o setor de turismo carioca — afirma Alexandre Sampaio, presidente da Federação Nacional de Hotéis e Restaurantes.

Sampaio afirma que o país já está com dificuldade de atrair novas empresas aéreas:

— Se conseguirem licitar rápido e uma só operadora ganhar, melhor. A negativa do governo em ajustar o contrato diante da mudança de ambiente de negócios com a Covid-19 e a retração na economia passa a imagem de insensibilidade, que pode dificultar a atração de investidores.

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O presidente de uma empresa aérea que prefere não se identificar diz que isso tende a atrasar mais a retomada de voos internacionais no Rio, o que afeta a chegada de turistas.

Movimento baixíssimo no aeroporto internacional Tom Jobim Foto: Marcia Foletto / Agência O Globo
Movimento baixíssimo no aeroporto internacional Tom Jobim Foto: Marcia Foletto / Agência O Globo

Ainda não foram retomadas rotas para destinos relevantes na Europa e nos EUA a partir do Galeão em razão da pandemia. A consequência é que o carioca será forçado a fazer escala e conexão em São Paulo, que vem aumentando o volume de voos.

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A tendência é que as aéreas estrangeiras fiquem em “compasso de espera” ou busquem parcerias com companhias aéreas locais para distribuir passageiros a partir de São Paulo.

Concessionária ficará até novo leilão

A RIOgaleão, concessionária que administra o aeroporto internacional do Rio de Janeiro, fará uma maratona de conversas com companhias aéreas, empresas terceirizadas que prestam serviço para o aeroporto e clientes na área de carga para explicar a situação do terminal.

A ideia, segundo uma fonte, é “acalmar os ânimos” e mostrar que a operação segue normalmente apesar do seu pedido protocolado ontem para devolver a concessão. Os critérios para a concessão dos aeroportos serão definidos ao longo deste ano.

Aeroporto Santos Dumont Foto: Fabiano Rocha
Aeroporto Santos Dumont Foto: Fabiano Rocha

Até lá, RIOgaleão continuará responsável pelo aeroporto (o consórcio tem Changi como majoritária, com 51% do capital, além da Infraero, com fatia de 49%). O Santos Dumont permanecerá até o leilão a cargo da Infraero.

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Embora o governo prometa um novo leilão para 2023, a concessionária do Galeão trabalha com prazo de dois a três anos para que o processo seja concluído. Changi só deve deixar a RIOgaleão após o novo leilão.

A decisão de deixar o Brasil já vinha sendo estudada há alguns meses. O próprio ministro da Infraestrutura afirmou que o governo estava ciente das dificuldades financeiras da empresa.

“A pandemia de Covid-19 provocou uma queda de 90% do número de voos no Brasil e enfraqueceu ainda mais as condições de operação do aeroporto”, afirmou a RIOgaleão, em nota.

Quem assumir os terminais, não ficará com as dívidas. O valor da nova outorga será usado para cobrir a indenização que a União precisa pagar à RIOgaleão por investimentos feitos e ainda não amortizados.

Atenção aos passageiros

Mas, enquanto isso, há uma preocupação de que os passageiros não fiquem desassistidos e os operadores sigam com a manutenção do aeroporto até o fim do processo de devolução do terminal. No período, contudo, as empresas param de pagar outorgas e de investir.

Aeroporto Internacional Tom Jobim (Galeão) Foto: Marcelo Carnaval / Agência O Globo
Aeroporto Internacional Tom Jobim (Galeão) Foto: Marcelo Carnaval / Agência O Globo

Quando um aeroporto é devolvido, o concessionário tem direito a uma indenização por parte dos investimentos de longo prazo feitos durante a concessão.

O advogado especialista André Soutelino, sócio da A.L.D.S Advogados Associados, lembra que nos dois casos a relicitação demorou mais que o estimado para ocorrer, em um sinal de que as previsões para relicitar Galeão e Santos Dumont em 2023 podem ser otimistas.

Ministro promete leilão mais realista em 2023

O ministro Tarcísio de Freitas prometeu uma nova licitação com termos mais realistas do que a do Galeão em 2023.

Ministro disse que é possível impor algumas limitações na concessão do Santos Dumont Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo
Ministro disse que é possível impor algumas limitações na concessão do Santos Dumont Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo

O terminal foi arrematado com ágio de 293% em lance de R$ 19 bilhões por Changi e Odebrecht (que vendeu sua fatia para a empresa de Cingapura após a Lava-Jato). Freitas disse não ver problemas em ter um único operador nos terminais do Rio e afirmou que este já é o modelo em cidades como Nova York e Paris.

— Vamos fazer uma modelagem centrada na realidade, um modelo ótimo — afirmou, acrescentando que a saída não é sinal de desinteresse do investidor estrangeiro, apenas de uma outorga de valor muito alto para o projeto.

Devolução de aeroporto é lenta e pode estimular outros casos

Executivos do setor aeroportuário avaliam nos bastidores que outros grandes operadores privados poderão seguir o exemplo da Changi se a Anac não encontrar uma solução para o reequilíbrio dos contratos de concessão, considerando a queda nas receitas decorrente da pandemia de Covid-19.

Tarcísio de Freitas negou a possibilidade de novas devoluções de aeroportos. Ele afirmou que até o momento só as concessões realizadas nas primeiras rodadas — realizadas no governo de Dilma Rousseff — tiveram problemas.

— A partir de 2016 houve uma mudança absoluta de modelagem, que passou a ser muito mais crível. Todas as concessões que foram feitas lá para trás deram errado. O Galeão era o último caso aeroportuário crítico que a gente tinha — disse.

Entretanto, a devolução de um aeroporto concedido ao governo federal não é um processo simples ou rápido: em geral, dura no mínimo três anos.

Até o momento dois aeroportos concedidos estão em processo de devolução: Viracopos, em Campinas (SP) em 2018 e São Gonçalo do Amarante (RN) em 2020, por questões como a recessão, frustração no crescimento do país e do turismo e até a Operação Lava-Jato.

Os dois terminais ainda não foram concedidos novamente para a iniciativa privada. Os processos de relicitação de Viracopos e do aeroporto potiguar estão no Tribunal de Contas da União (TCU), em fase de análise.