Um ano e meio após encerrar a produção de veículos no Brasil e fechar 5 mil postos de trabalho em três fábricas que foram desativadas, a Ford se reestruturou no país em um novo modelo de negócios. A estratégia é exportar serviços de engenharia, pesquisa e desenvolvimento de tecnologia automotiva para gerar receitas. Este ano, a expectativa é que sejam gerados R$ 500 milhões.
Segundo a Ford, o Brasil transformou-se num centro de desenvolvimento de tecnologia como outros que a montadora tem espalhados pelo mundo. A estratégia é aproveitar a experiência da equipe de engenheiros brasileiros para participar do desenvolvimento de carros globais.
Ford fecha linha de produção no Brasil, mas continua a faturar no país
A equipe brasileira, por exemplo, já deu sugestões acatadas pela montadora no desenvolvimento da suspensão do Bronco, o novo SUV médio.
Equipe de 1.500 profissionais
A engenharia costuma ser um centro de custos, mas aqui, segundo Rogelio Golfarb, vice-presidente da Ford para América do Sul, o setor será gerador de receitas.
— Nós, brasileiros, nos sentimos muito distantes do desenvolvimento de tecnologia de ponta. Mas temos gente capacitada para fazer isso, temos demanda e somos competitivos, com custo menor, e isso nos diferencia. Hoje, esse centro é parte do nosso modelo de negócio — afirmou.
A equipe de engenharia da Ford atual conta com 1,5 mil profissionais. Pelo menos 250 são pesquisadores e outros 100 serão contratados em breve. Desse total, 1,2 mil trabalham em Camaçari, na Bahia, no Centro de Desenvolvimento e Tecnologia.
Esse centro faz parte de um ecossistema da montadora com outros seis centros de pesquisa e desenvolvimento espalhados pelo mundo. Antes, esses engenheiros estavam dedicados ao desenvolvimento local. Também funciona em Camaçari a startup D-Ford, criada pela montadora, e voltada para a área da inovação aplicada em produtos e manufatura.
A estratégia para a equipe brasileira é que ela siga três pilares estratégicos que são parte da visão da Ford para o futuro do segmento automotivo: eletrificação, automação e conectividade.
Também integram a estrutura da Ford no país, o Campo de provas de Tatuí, no interior de São Paulo, e um centro em Pacheco, na Argentina.
— Do nosso trabalho aqui, 85% é destinado para a Ford global e 15% para a América do Sul- disse Alex Machado, diretor de desenvolvimento da Ford América do Sul.
Em Tatuí, são 20 quilômetros de pistas pavimentadas, 40 km de pistas off-road e laboratórios em que são feitos testes de durabilidade, emissão de ruídos, entre outros.
2 milhões de carros elétricos
Em pistas de areia, lama e pedras, que simulam condições reais, os veículos passam por testes de durabilidade. Em Tatuí, também é feito o desmonte de motores e dos próprios carros para análise das peças, o chamado "teardown". A ideia é criar um banco de dados digitalizado que permita fazer melhorias na performance dos veículos.
Todos os modelos da Ford passam por testes em Tatuí. O novo Mustang eletrificado Mach-E, por exemplo, já está sendo testado na unidade paulista. A Ford anunciou investimentos globais em eletrificação de US$ 50 bilhões até 2026 e projeta que 2 milhões de veículos elétricos já sejam vendidos até 2026.
A montadora identificou uma oportunidade de negócios e abriu o centro de Tatuí para que outras empresas, tanto automotivas quanto de outros setores, testem seus produtos no local. O campo vai ganhar antena para 5G , ampliar sua conectividade nas pistas e deverá iniciar testes com carros autônomos.
Para Antônio Jorge Martins, coordenador acadêmico dos cursos automotivos da Fundação Getúlio Vargas (FGV), mesmo tendo encerrado a produção de veículos no país, a Ford tem um "ativo" importante de engenharia no país, com conhecimento de longo prazo e experiência acumulada na indústria automotiva. Ele lembra, por exemplo, que o EcoSport, foi totalmente desenvolvido no país e teve sucesso.
— Além disso, o câmbio favorece a operação, já que os salários da engenharia tendem a ser menores do que nos EUA e Europa. Portanto, o custo de pesquisa e desenvolvimento de tecnologia no Brasil, para a montadora, é mais baixo. Por isso, o Brasil pode ser um hub de tecnologia interessante — avalia o especialista.