Com a reabertura da economia, o brasileiro voltou a sair para trabalhar, fazer compras e... comer. Depois de dois anos de pandemia, saem de cena as receitas de pão caseiro na porta da geladeira e se multiplicam as opções de menus, que podem ser degustados no restaurante ou em casa.
É uma virada de chave para os bares e restaurantes, setor que foi duramente afetado, com fechamentos, demissões e dívidas, e que agora espera encerrar o ano com alta de 5% no faturamento em relação a 2021 e de 8% na comparação com 2019, período anterior à pandemia, segundo a Abrasel, associação que representa a categoria.
O hábito de apreciar uma refeição em que não foi preciso listar e comprar ingredientes ou arear as panelas depois deve ganhar mais força neste segundo semestre, com a injeção de recursos na economia do Auxílio Brasil, a Copa do Mundo, a volta do turismo e a desaceleração nos preços. Para as empresas, é hora de “botar água no feijão”, contratar e investir.
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Com a demanda maior, o setor conseguiu, em julho, reajustar preços em linha com a inflação pela primeira vez, diz a Abrasel. Até o fim do ano, 35% das empresas pretendem contratar, com perspectiva de criação de cem mil vagas. Com isso, seria possível zerar o 1,3 milhão de demissões feitas na pandemia.
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Mas para fisgar a clientela, que se acostumou com a velocidade e comodidade das compras on-line, não basta mais apenas oferecer sabor e preço compatível. É preciso apostar em digitalização e mão de obra capacitada.
— Foi um choque cultural muito grande (a digitalização) — afirma Sálua Bueno, sócia da Amélie Crêperie, que somou mais três unidades às cinco existentes no Rio, e da Juliette Bistrô, criada na pandemia, e que hoje tem três lojas. — Havia resistência dos funcionários e dificuldade em aprender porque é diferente quando se atende à mesa e pela tela. Se houver um problema no pedido, você se desculpa pessoalmente e, com simpatia, resolve na hora. No delivery, tem que ter mais habilidade porque a tela é mais fria.
A empresária tem planos para novos restaurantes em 2023 e em outras cidades, além disso contratou 39 profissionais recentemente. Para ela, o perfil da mão de obra requer agora mais agilidade e foco multiatenção, com um olho no salão e outro nas vendas on-line.
Investimento em pessoal
O sinal adiante é positivo, mas os empresários ainda acertam as contas da fatura deixada pela pandemia. Segundo Sálua, a meta é compensar o aperto financeiro daquele período, no qual foi necessário recorrer a recursos do Pronampe, a linha de crédito emergencial.
Bruno Catão, sócio de sete estabelecimentos, entre pizzarias e restaurantes em Recife, Pernambuco, saiu do vermelho em março e agora se considera no empate:
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— Estamos na fase de recuperação financeira. O setor foi muito afetado pela redução de fluxo de pessoas e pelo aumento de gastos, mas agora vemos luz no fim do túnel.
Segundo Paulo Solmucci, presidente da Abrasel, os novos negócios já apontam que a retomada alcança resultados pré-pandemia:
— Foram fechadas 335 mil empresas na pandemia, mas, nos últimos 12 meses, 520 mil novos negócios surgiram. Destes, 85% são MEIs,o que ressalta o empreendedorismo por necessidade, e 10% são de grande porte, o que reforça o crescimento do setor.
Em São Paulo, o empresário Edrey Momo, sócio de 11 pizzarias, dois restaurantes e uma padaria, vê melhora ao alcançar números pré-pandemia. Mesmo com o regime híbrido, há fluxo e tíquete médio maiores, diz. Este ano, abriu uma dark kitchen e 15 novas vagas, com previsão de mais dez até dezembro. As preocupações são a inflação e a mão de obra, até mesmo a básica:
— Falta gente para cozinha. Não tem cozinheiro, ajudante, garçom, e o que tem está muito “cru”.
Em Copacabana, no Rio, abriu recentemente o Kinjo, que mescla comida peruana e japonesa, a mais nova marca do chef Marco Espinoza, que já tem outras sete. São 15 operações entre Rio, Brasília e São Paulo, e o empresário planeja abrir outros sete endereços nessas cidades:
— O Rio é um mercado muito forte pelo turismo, há demanda, e nossa proposta é diferenciada. Temos uma equipe estrangeira.
O quadro de funcionários ao qual ele se refere é treinado no Peru por uma empresa criada pelo grupo ano passado para preencher a lacuna de cargos como chefs, cozinheiros, barman e gerente no Brasil. A dificuldade de Espinoza é um retrato do mercado, que busca profissionais com novo perfil.
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Espinoza está trabalhando com um novo software para organizar as tarefas de cada loja, mensurar rentabilidade por metro quadrado, valor do aluguel, número de funcionários e auxiliar o controle dos pedidos na cozinha.
— O funcionário demandado hoje é mais digital. Com a venda em vários canais on-line, inclusive na mesa, e o cliente usando a internet para consultar, fazer compra e interagir, tem que saber mexer nos aplicativos — avalia Solmucci.
Tecnologia para mimar
A rede HNT, que tem lojas de frango frito em oito estados, também recorreu à tecnologia para se adaptar ao novo cenário. Segundo o sócio-fundador Dany Levkovits, o desempenho já supera os números pré-pandemia. E a expectativa é de alta, com os eventos do segundo semestre. Nos próximos meses, serão abertas mais seis lojas. A rede investiu em cursos gamificados para a equipe.
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— Se o colaborador estiver na dúvida se um prato leva bacon ou não, ele pode consultar por um QR Code em um tablet que fica na cozinha como é a montagem do produto — explica Levkovits.
O empresário também é CEO da FoodsBrands, grupo que reúne oito operações em dark kitchens, e avalia que algumas das novas tendências são fazer o pedido a caminho do restaurante, sistema de fidelização e cashback. Para ele, os novos ingredientes tecnológicos só vão tornar a receita mais ao gosto do freguês, sem perder a relação com o cliente:
— A tecnologia dá dados, e com eles é possível ser assertivo para customizar o atendimento e mimar o cliente.
Pensando na qualificação de mão de obra, o chef Elia Schramm prevê abrir até o fim do ano uma escola no coração de Botafogo, Zona Sul do Rio. Durante o dia, serão oferecidas aulas gratuitas a moradores das comunidades, e à noite, cursos pagos com renomes da gastronomia brasileira:
— O curso de capacitação tem dois meses, sendo que no primeiro são as aulas e no segundo estágio, com restaurante parceiros, o que ajuda a viabilizar contratações.
Tecnologia e mão de obra qualificada podem ser aliados do setor no momento em que o brasileiro tenta equilibrar a vontade de consumir e o orçamento apertado. Segundo Hudson Romano, gerente sênior de consumo fora do lar da consultoria Kantar, o sanduíche ainda sai na frente na disputa com o prato completo, assim como o petisco e a cerveja, mais em conta.
— O valor consumido nos bares e restaurantes aumentou, mas não subiu o tíquete médio. Ou seja, gasta-se o mesmo por menos ou por um produto inferior — avalia. — Daqui para a frente teremos grandes efeitos no setor, e um deles é a Copa do Mundo, que será no verão e deve impulsionar o consumo.