Negócios
PUBLICIDADE

Por Cleide Carvalho — São Paulo

Enfrentando uma campanha de boicote nas redes sociais e a reação de duas redes de supermercados, os produtores de vinho da Serra Gaúcha se comprometeram a criar uma Central do Trabalhador, para receber denúncias de empregados na colheita de uvas, e aprimorar a fiscalização dos serviços terceirizados.

Em carta aberta, as três vinícolas disseram ter sido surpreendidas com a notícia de trabalho escravo em suas cadeias de produção.

A Salton afirmou que repudia atos de violação de direitos humanos e declarações que não promovam a pacificação social e anunciou que tomou medidas para fiscalizar a cadeia produtiva. Em carta aberta, a Aurora pediu desculpa aos trabalhadores resgatados e disse que se envergonha profundamente dos acontecimentos que envolvem a relação da empresa com a terceirizada Fênix.

A Cooperativa Garibaldi afirmou ter ficado surpresa e indignada com os fatos e que repudia "qualquer prática que afronte o respeito ao ser humano ou comprometa sua integridade".

Na quinta-feira, a rede de supermercados Zona Sul, do Rio de Janeiro, anunciou suspensão de compras e devolução do estoque das três marcas.

Redes de supermercados começam a boicotar produtos da vinícolas envolvidos no episódio de Bento Gonçalves — Foto: Fernanda Canofre
Redes de supermercados começam a boicotar produtos da vinícolas envolvidos no episódio de Bento Gonçalves — Foto: Fernanda Canofre

A rede Hortifruti Natural da Terra, com 79 lojas no país, também recolheu os produtos das vinícolas Aurora, Cooperativa Garibaldi e Salton de todos os seus pontos de vendas e está fazendo a devolução de todo o estoque destes produtores até que as investigações das autoridades competentes sejam concluídas.

Em nota, informou que não compactua com "qualquer prática de trabalho análogo ao escravo".

No fim de fevereiro, 207 pessoas contratadas para trabalhar na colheita de uva foram resgatadas de um alojamento em Bento Gonçalves (RS), em condições degradantes de trabalho, análogo à escravidão. A operação, realizada por órgãos federais, foi feita após três trabalhadores terem conseguido fugir do alojamento, onde eram mantidos contra a vontade e sem receber os salários combinados.

O administrador da empresa Fênix, responsável pelas contratações para as vinícolas Aurora, Garibaldi e Salton, já havia sido autuado 10 vezes por irregularidades trabalhistas.

As vinícolas Salton, Aurora e a Cooperativa Garibaldi assumiram compromisso com a Associação Brasileira de Supermercados (Abras) de cumprir as leis trabalhistas e promover auditorias externas na cadeia de produção de vinhos para garantir que não voltem a ocorrer casos de trabalho escravo no setor de vitivinicultura.

Em nota divulgada nesta sexta-feira, a entidade manifestou repúdio à existência de trabalhadores terceirizados em condições análogas à escravidão na colheita de uva na região Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha, principal produtora de vinho do país e ressaltou que preza pelas boas práticas nas relações de trabalho em todas as etapas da cadeia de abastecimento.

A Abras informou ter pedido providências às vinícolas e um célere cronograma de implantação de medidas, com a data de início de cada uma das ações. A entidade informou ainda que aguarda futuras recomendações e exigências de entidades públicas e privadas referentes ao tema.

O acordo firmado com a Abras prevê adoção de governança e ações de análise e capacitação da cadeia produtiva da vitivinicultura, com due diligence (uma análise detalhada) para homologação, além da criação e divulgação de canais de denúncia. O cronograma será acompanhado pela entidade.

Momento de internacionalização dos vinhos da região

Bento Gonçalves é conhecida como a capital do vinho no Brasil. O flagrante de trabalho escravo ocorre num momento em que a internacionalização dos vinhos da região da Serra Gaúcha, onde ficam as mais antigas vinícolas do país, está em alta.

Vinícolas Aurora, Salton e Garibaldi enfrentam boicote de redes de supermercados — Foto: Fernanda Canofre
Vinícolas Aurora, Salton e Garibaldi enfrentam boicote de redes de supermercados — Foto: Fernanda Canofre

No ano passado, pela primeira vez, o Brasil sediou, em Bento Gonçalves, em outubro, o Congresso Mundial da Organização Internacional da Vinha e do Vinho (OIV). As duas últimas edições haviam sido realizadas na Argentina e na Alemanha.

Na semana passada, porém, depois do flagrante de trabalho escravo, a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex) suspendeu a participação das vinícolas Aurora, Salton e Cooperativa Garibaldi em feiras, missões comerciais e eventos promocionais no exterior até que sejam concluídas as investigações.

Além do flagrante, as vinícolas gaúchas acabaram associadas a outras reações negativas. O Centro da Indústria, Comércio e Serviços de Bento Gonçalves relacionou o caso à falta de mão de obra e ao pagamento de benefícios sociais à camada mais pobre da população, ao afirmar que "há uma larga parcela da população com plenas conduções produtivas e que, mesmo assim, encontra-se inativa, sobrevivendo através de um sistema assistencialista", numa referência ao Bolsa Família.

Um vereador de Caxias do Sul, Sandro Fantinel, passou a ser alvo de processo de cassação depois de manifestar xenofobia e criticar a contratação de baianos, afirmando que eles "vivem na praia, tocando tambor" e sugerir aos agricultores locais que contratem argentinos, e não mais "aquela gente lá de cima", numa referência aos nordestinos.

Bento Gonçalves vive também do turismo em torno do vinho. Foi a primeira cidade a implantar o enoturismo, com rotas turísticas na Serra Gaúcha voltadas à apreciação da bebida e visitação de vinhedos e vinícolas.

A cidade reúne alguns dos maiores produtores de vinhos do país e tem 14 mil famílias de produtores rurais que vivem do cultivo da uva. A importância do setor na economia gaúcha levou o governo federal a instalar no município a Embrapa Vinho e Uva.

Produtores buscam classificar vinho como alimento

Não há dados oficiais sobre produção de vinhos no Brasil, mas a estimativa é que o Rio Grande do Sul detenha cerca de 80% do mercado de marcas nacionais. O segundo maior polo de produção fica no Vale do Rio São Francisco, no sertão de Pernambuco e Bahia.

Ainda incipiente, também desponta com prêmios internacionais e produção limitada os vinhos da Serra da Mantiqueira, região de clima frio entre São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Santa Catarina, Paraná, Goiás, Espírito Santo e até o Distrito Federal também têm produção de vinhos.

Segundo dados da Apex, as exportações de vinhos e espumantes brasileiros cresceram cinco vezes em seis anos e bateram recorde em 2021, com cerca de 8 milhões de litros, num total de US$ 12,6 milhões. O principal destino foram os Estados Unidos, com 82% das compras.

Também no mercado interno houve um boom de consumo durante a pandemia. A barreira de 2 litros per capita foi rompida e, segundo dados da Organização Internacional da Vinha e do Vinho (OIV), chegou a 2,4 litros.

Na tentativa de mensurar o mercado nacional, a Embrapa Vinho e Uva anunciou no último dia 27 uma força-tarefa para a implementar o Sistema de Informações da Área de Vinhos e Bebidas (Sivibe) no país.

Os produtores locais têm reivindicado que o vinho passe a ser classificado como alimento para ter acesso a financiamentos subsidiados do Plano Safra e redução da carga tributária, como ocorre com alimentos básicos do brasileiro. O objetivo é aumentar as vendas.

Webstories
Mais recente Próxima Plano da Oi prevê aporte de R$ 4 bi e redução de dívida pela metade
Mais do Globo

Agenda

Preparada para receber milhões de visitantes todos os anos, a capital francesa sofre com engarrafamentos, condicionamento de ar falho e água morna para hidratação

Trânsito, calor e logística são problemas para público e profissionais em Paris-2024

Time Brasil subiu ao pódio sete vezes e está em 19° no ranking geral

Quadro de medalhas das Olimpíadas 2024: veja ranking atualizado

Evento da Fox News estaria marcado para 4 de setembro

Trump afirma aceitar participar de debate com Kamala Harris

Americana ficou na terceira posição nas qualificatórias do aparelho nos Jogos de Paris

Olimpíadas 2024: Saiba quem é Jade Carey, ginasta que pode surpreender na final do salto

Ferramenta criada pelo GLOBO mostra que Rebeca Andrade tem 97% de probabilidade de subir ao pódio na ginástica artística hoje

Medalhômetro: veja as chances de medalha do Brasil na programação deste sábado em Paris-2024

Ciclista de 23 anos estreia neste domingo em Paris, nas provas de estrada

Tota Magalhães se prepara para disputar as primeiras Olimpíadas

Americana teve nota superior em três das quatro vezes que passou pelo aparelho nos Jogos Paris

Olimpíadas: Quanto Rebeca e Biles tiraram nos saltos até o momento; veja

Brasileira conseguiu a primeira e única vitória sobre a bicampeã olímpica do individual geral no torneio disputado na Antuérpia

Relembre: Rebeca derrotou Biles no salto do Mundial de 2023, marcado pela queda da americana