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Por Bruno Rosa e Luciana Rodrigues — Rio

O executivo Leonardo Coelho Pereira, sócio da consultoria Alvarez & Marsal, especializada em empresas em crise, assumiu em 16 de fevereiro o comando da Americanas, que está em recuperação judicial e tem dívidas de mais de R$ 40 bilhões junto a 9.462 credores. Leo Coelho, como é conhecido no mercado, tem larga experiência nesses processos: atuou na recuperação das também varejistas Leader e Forever 21, da construtora Andrade Gutierrez e de mais de dez clubes de futebol do Brasil.

Ele diz que, na Americanas, o foco agora é dar mais efetividade à operação, ao mesmo tempo em que prepara a empresa para lidar com as recomendações que vierem do Comitê Independente sobre o que provocou a “inconsistência contábil” de R$ 20 bilhões, estopim da crise na companhia. E diz que o plano de recuperação apresentado foi equilibrado: “Não lembro de uma recuperação judicial que tenha pago 100% de suas dívidas. Tem fornecedor que não vai gostar, mas é o máximo que a gente consegue fazer”.

Quais foram as suas primeiras iniciativas desde que assumiu?

A primeira coisa foi organizar de uma maneira que a gente pudesse garantir o foco na operação. O Sérgio Rial ficou de nove a dez dias (Rial assumiu em janeiro e revelou a “inconsistência contábil” da empresa que a levou, depois, a entrar em recuperação judicial). Teve o João Guerra que ficou interino por pouco mais de um mês (depois que Rial renunciou). E o Miguel Gutierrez (presidente anterior) ficou 20 anos.

Era uma companhia que estava sempre acostumada a ter alguém na posição de CEO e em 45 dias teve três por conta de uma situação inusitada, vamos colocar dessa maneira. Ninguém esperava, ninguém sabia e apareceu. O que aconteceu foi que a empresa não teve a habilidade de focar em coisas que eram relevantes para o seu dia a dia, como comprar e vender mercadorias e fazer precificação.

Nas conversas que eu tive com o Conselho de Administração, eu disse que há três etapas de trabalho. Uma delas é acompanhar o que vem da investigação. E, assim que o Comitê Independente tiver um relatório para apresentar, a minha função será ter a companhia preparada para agir de acordo com as recomendações.

Então, se for um erro, eu corrijo esse processo. Se for fraude, que a gente possa juridicamente ir atrás dos responsáveis. Enquanto isso, há outros dois problemas que são importantes: a recuperação judicial e a operação.

E como será este foco na operação? O que muda?

Velocidade de implantação é fundamental. Além disso, é preciso ter um plano de recuperação judicial equilibrado, que não é pró-credor nem pró-devedor, mas a gente precisa garantir que a máxima capacidade de repagamento da companhia esteja à disposição de seus credores. E, para isso, precisamos ter o máximo de Ebitda (geração de caixa operacional). E criamos uma força-tarefa, na qual mapeamos 14 frentes de trabalho para gerar produtividade e performance no curto, médio e longo prazos.

E, dentro da recuperação judicial, a Americanas não pode mais atrasar pagamentos. Se eu atraso um pagamento, ele tem uma celeridade que é superior à de todo mundo que está na recuperação judicial e, se o fornecedor me protestar, ou eu pago ou vou à falência. A Americanas talvez hoje seja um canal dos mais confiáveis para o novo fornecedor, porque eu não posso atrasar.

Os dados do faturamento mensal entregue à Justiça apontaram um queda muito forte das vendas on-line, enquanto as vendas nas lojas físicas ficaram mais ou menos preservadas. Como vê esses números? A empresa pensa em mudanças de mix de produtos e perfil de lojas?

A Americanas no final do terceiro trimestre já vinha reportando perda de performance no digital. Eu quero ser menor do que eu era no passado no digital? Não, mas talvez eu não precise ter a megalomania de querer ser o principal canal do digital do mercado brasileiro. A principal fortaleza hoje é a capacidade que a gente tem de chegar a praticamente todas as localidades com as quase 1.800 lojas no país.

A americanas vai sair menor. Vamos vender alguns ativos.

Tenho que desenhar o meu canal digital para ser o mais eficiente possível e usar essa habilidade logística para entregar o mix certo na hora certa para o cliente correto. E fazer o meu canal digital ser basicamente um facilitador para essa venda física também. Devemos ter muito ajuste na loja física no que se refere a clusterização de lojas, criando mix de produtos específicos para lojas específicas.

Se um cliente vai na loja física, ele compra um ventilador e vai embora. E, para fazer o mesmo processo de compra no digital, e eu sei que a empresa está em recuperação judicial, eu começo a ter problemas de credibilidade. Se eu sou cliente, penso “Será que ela vai entregar? Será que vou ficar dias e dias no Procon”.

Do lado do seller (vendedor), ele pode pensar “Eu vou colocar aqui um produto, vou vender e será que esse dinheiro chega no meu bolso?”. Então, somente essas questões de confiabilidade já me indicariam que deveria cair ainda mais (as vendas digitais). A companhia foi maltratada ao longo deste ano, mas ela também maltratou fornecedores, especialmente em 2021 e 2022.

Maltratados como?

Atraso de pagamento. Esse é um tema recorrente nas primeiras conversas com os fornecedores. Eles reclamam porque a empresa atrasava e pagava constantemente com uma, duas e três semanas de atraso. E às vezes mais que isso.

Mas o plano de recuperação prevê que os fornecedores que não aceitarem continuar com as condições de pagamento que existiam antes teriam corte maior do valor a receber. E isso gerou críticas do mercado. Alguns falaram até em chantagem. Como o senhor analisa essa questão?

O fornecedor colaborador tem a característica de ser um fornecedor que ajuda a companhia num ponto de inflexão. Ele é fundamental para a companhia continuar operando. Em muitos varejos, pode ser um shopping. No agronegócio, é o produtor de cana. A recuperação judicial deixa você tratar fornecedores que são essenciais para o seu negócio de um jeito diferente.

O fornecedor essencial para o varejo é o de revenda, mas não todos. Só os que querem continuar comigo no futuro. Eu entro em recuperação judicial para ajustar o meu balanço pois não tenho capacidade de pagamento. Não lembro de uma recuperação judicial que tenha pago 100% de suas dívidas. Tem fornecedor que não vai gostar, mas é o máximo que a gente consegue fazer.

O plano prevê que a gente vai conseguir pagar na média da massa dos credores algo como 55% das nossas dívidas. A recuperação de um credor colaborador pode ser 100%, assim como o credor com dívida de até R$ 12 mil. É um plano bastante ajustado. O desconto grande que puxa para baixo está do lado do financeiro (credores que emprestaram dinheiro à empresa). O desconto no financeiro é fundamental para ter ajuste de balanço.

Vai fechar lojas? Vai demitir?

Não existe previsão de demissão em massa. Estamos fazendo o máximo possível do famoso business as usual. Vamos fazer ajustes estruturais na operação. Eu não vou sair fechando metade das minhas lojas. Eu vou ajustar a eficiência da loja física. Mas eu consigo ter uma Americanas só física? Não consigo. Precisamos estar exposto ao digital e porque traz o contato direto com o seller, que é extremamente importante.

Depois do processo de recuperação judicial, a Americanas vai sair menor?

A americanas vai sair menor. Vamos vender alguns ativos. O digital, pela questão da credibilidade, ainda vai demorar algum tempo para retomar o tamanho que ele tinha lá atrás, mas não imagine que a gente tem dificuldades em crescer o físico. Esse ativo é extremamente resiliente. A gente levou porrada pra chuchu, mas resistimos. O nosso cliente continua gostando da marca. No físico, a gente tem habilidade de crescer esse ano frente a 2022.

CEO da Americanasdiz que empresa não pretende fazer demissão em massa — Foto: Divulgação
CEO da Americanasdiz que empresa não pretende fazer demissão em massa — Foto: Divulgação

Qual a disposição de a empresa fazer ajustes no plano de recuperação judicial?

Ele deve sofrer ajustes. É normal que isso ocorra dentro dos 60 dias pela própria dinâmica das negociações. A espinha dorsal do plano já está muito próxima do seu desenho final.

Eu não preciso ter a megalomania de querer ser o principal canal digital do mercado brasileiro

Existe espaço para os acionistas aumentarem o aporte de R$ 10 bilhões?

Eu não consigo responder pelo acionista. Mas com a minha visão de reestruturação, R$ 10 bilhões de aporte dos acionistas não é pouco dinheiro, assim como os R$ 10 bilhões de conversão de dívida (em ações) por parte dos bancos também não é pouco. É um esforço bem considerável dos dois lados.

Advogados têm citado a postura bélica dos dois lados ao longo do processo de recuperação judicial. Isso pode mudar?

Essa é uma recuperação judicial em que o acionista de referência vale mais do que a companhia. Obviamente, isso gera uma estratégia mais bélica para que você consiga criar uma maior responsabilização possível em cima do acionista de referência porque isso pode trazer mais valor. E, mesmo que não crie valor, cria uma alavanca negocial importante.

A Americanas tem perdido muitos fornecedores?

Não. A gente tem conseguido ajustar bastante a conversa com os fornecedores. Além do pagamento à vista, por conta da recuperação judicial, somos um canal poderoso para a venda desses fornecedores tanto no físico quanto no digital. Na Páscoa, por exemplo, onde será escoada a produção? Não é arrogância. É factual no curto prazo.

No longo prazo, os fornecedores têm habilidade de construir cadeias de abastecimento que independam da Americanas, mas agora, nesse momento, ainda somos um dos canais mais importantes. De todos os fornecedores que falei, apenas uma empresa disse que não iria ser fornecedor colaborador porque a matriz tem uma política de crédito diferenciada. Mas não é um dos top 10.

Se for um erro, eu corrijo esse processo. Se for fraude, que a gente possa juridicamente ir atrás dos responsáveis”

Qual é a estratégia para essa reta final da Páscoa? Estão fortalecendo a operação?

A gente ainda continua sendo a referência de Páscoa. E estamos fazendo uma Páscoa belíssima. Tivemos discussões duríssimas com os fornecedores de chocolate, mas eles foram racionais. Eles destravaram o abastecimento mediante pagamento à vista e começaram de novo as campanhas de marketing conjuntas. São 1.000 novas contratações temporárias no Brasil.

Desde que o senhor chegou na companhia, quais foram suas primeiras ações de governança?

Nas conversas com o Conselho de Administração, o tema governança foi um dos aspectos trazidos. E foi garantida a liberdade. Eu trouxe a área jurídica, que reportava para a diretoria financeira, para debaixo de mim. E estou trazendo o Fábio Medeiros, que chega na segunda-feira para cuidar da área jurídica mais compliance. Temos trabalhado na revisão do nosso processo de controle das verbas de propaganda cooperada, que também é outra parte importante dessa estrutura de compliance.

Vamos redesenhar a estrutura do nosso balanço (financeiro), que está sendo conduzido pelo time da Camille Faria (diretora de RI) e vai gerar os inputs necessários para toda a estrutura do Comitê Independente.

Nesse momento, a gente centralizou todos os pedidos de compras para fornecedores em mim. Não que eu tenha a habilidade de ser o cara que vai analisar tudo que aparece ali dentro e garantir que está tudo certo. Isso me dá habilidade de conhecer o nosso processo de compras em detalhe.

E muitos agentes no mercado estão tendo a leitura de que houve fraude na companhia nesses últimos anos...

Tem um Comitê Independente fazendo a sua investigação. Afirmar que houve fraude nesse momento é precipitado. Independentemente de ter ocorrido fraude ou erro, isso dá as condições necessárias para rever todo o processo, como o report (a transparência na divulgação de informações) sobre risco sacado (as operações de crédito que estão na origem do rombo contábil da empresa).

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