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Por Ana Flávia Pilar — Rio

O anúncio do governo federal sobre novas medidas para diminuir o preço dos carros populares com redução de impostos foi interpretado como um contrassenso tanto por especialistas em contas públicas quanto pelos que pesquisam sustentabilidade ambiental e mobilidade urbana.

Ontem, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic) anunciou a criação de um novo programa para descontos no preço de carros populares, com base na redução de impostos federais, como IPI e PIS/Cofins. A medida prevê ainda a possibilidade de venda diretamente da indústria para o consumidor.

Especialistas ouvidos pelo GLOBO avaliam que o anúncio mina a credibilidade do arcabouço fiscal, que depende do aumento da arrecadação de impostos para funcionar.

Há cerca de um mês, Haddad defendeu a redução de benefícios fiscais como fundamental para aumentar as receitas. O plano para incentivar o carro popular cria mais uma renúncia de impostos que o governo vai ter de encontrar uma forma de compensar.

O incentivo a automóveis que consomem combustíveis de origem fóssil também destoa dos compromissos de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com sustentabilidade ambiental e transição energética.

Na contramão do arcabouço

Margarida Gutierrez, especialista em contas públicas e professora do Coppead/UFRJ, avalia que a medida vai contra uma necessidade do governo de aumentar receita para dar sustentabilidade ao arcabouço fiscal.

A estimativa para que a nova regra consiga estabilizar a dívida pública é de um aumento de receitas da ordem de 1,5% do Produto Interno Bruto (PIB) ao ano, lembra a economista:

— A medida diminui a credibilidade do governo. Parece que o Ministério da Indústria vai na direção contrária ao Ministério da Fazenda. O que o Ministro da Fazenda (Fernando Haddad) diz todos os analistas sabem: é preciso de aumento de receitas. Caso contrário, é meta primária que não vai ser cumprida e dívida pública que não se estabiliza — disse.

Para ela, conceder incentivo fiscal para a indústria automobilística também enfraquece o discurso do governo federal em defesa do meio ambiente:

— Se fosse para estimular o carro elétrico, eu diria tudo certo. Agora, a gente está falando de carro movido a gasolina, e a redução de custo (do automóvel) ainda vai depender do repasse (do desconto) da indústria — explicou Gutierrez.

Reforma tributária teria maior efeito

Gabriel Quintanilha, professor convidado da Faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV), no Rio, diz que uma medida mais efetiva para baratear o preço do carro popular no Brasil seria investir em uma reforma tributária simplificada.

A desoneração temporária de um setor em detrimento de outros vai na contramão de uma reforma cujo objetivo é simplificar a estrutura tributária, observa o especialista. Para ele, uma reforma do sistema de impostos daria às empresas teriam maior segurança jurídica para fazer investimentos para ampliar a produção e desenvolver novos modelos:

— Seria uma forma de baratear os veículos porque, no Brasil, não tem mais carro popular. No conceito, não existe mais. Mais uma vez, o governo federal demonstra que está dispersando sua energia porque toda semana foca em um novo assunto e nunca consegue avançar.

Embora a medida tenha sido anunciada no mesmo momento em que o governo Lula tenta emplacar uma reforma tributária, Quintanilha diz que o anúncio dos novos incentivos fiscais não impedem que a reforma seja aprovada.

— Mas imagino que, agora, o governo deve adotar medidas pontuais para o sistema tributário, que não devem ter o impacto global necessário — disse o especialista.

Mais carros não resolvem problemas de mobilidade

A concessão de incentivos fiscais para um setor considerado poluente e focalizado em carros particulares também desagrada especialistas em mobilidade.

Marina Baltar, professora de Engenharia de Transportes da Coppe/UFRJ, diz que medidas que incentivem o uso do transporte privado, em detrimento de melhorias na mobilidade urbana pública, não resolvem os problemas de deslocamento nas cidades brasileiras.

Para ela, incentivar a compra de carros é o mesmo que estimular congestionamentos e o uso de combustíveis fósseis, além de levar a mais acidentes de trânsito.

— As nossas vias têm capacidade limitada, então devemos pensar nos veículos que transportam mais pessoas, que são ônibus, trens e metrôs. Ou seja, o transporte público. Precisamos pensar em linhas férreas, mais do que dar incentivo a veículos particulares. É tornar a cidade mais densa, aproximando pessoas de oportunidades — disse.

Baltar lembra que o Brasil foi um dos países signatários da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU), documento que prevê a adoção de medidas para tornar as cidades e os assentamentos humanos seguros, resilientes e sustentáveis.

Ontem, o Brasil foi aceito como membro do Fórum Internacional dos Transportes (FIT), durante encontro anual na cidade de Leipzig, na Alemanha. Junto da Costa Rica, o país passou a integrar a organização intergovernamental, que conta agora com 66 nações, seis delas da América Latina, dedicada à promoção do papel do setor no crescimento econômico, na sustentabilidade ambiental e na inclusão social.

Já Márcio de Almeida D’Agosto, também professor associado da Coppe, questiona até que ponto a medida anunciada pelo governo é efetiva. Ele não acredita que o alívio nos impostos pode ter algum impacto na venda de veículos, que deve continuar com preços altos demais para o perfil de renda do brasileiro.

— Uma medida alternativa e mais eficiente seria investir na eletrificação dos ônibus. Dizem que isso traria problemas de distribuição elétrica, mas falamos de uma frota muito menor que a de automóveis e que presta mais serviços à sociedade.

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