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Por Victoria Abel, Ivan Martínez-Vargas e Cássia Almeida, O Globo — Brasília, São Paulo e Rio

Cinco meses depois de surpreender o mercado com a revelação de “inconsistências contábeis” de R$ 20 bilhões, a Americanas reconheceu ontem que a varejista foi alvo de fraude. Em relatório com base no trabalho de um comitê de investigação independente e reforçado por depoimento do CEO da empresa, Leonardo Coelho Pereira, na CPI da Americanas, ontem, a companhia afirmou que suas demonstrações financeiras foram fraudadas pela diretoria anterior.

Ao expor o passo a passo de um dos maiores casos de rombo contábil já registrados no país, o executivo implicou também as auditorias KPMG e PwC, responsáveis pela análise dos balanços.

— Inicialmente demos tratamento de inconsistência contábil, mas agora temos elementos para dizer: ela se chama fraude — afirmou o executivo. — A fraude da Americanas é uma fraude de resultado.

No entanto, é aguardado um contra-ataque dos ex-diretores. Conforme informou ontem o colunista do GLOBO Lauro Jardim, os acusados — Miguel Gutierrez, Anna Cristina Ramos Saicali, José Timótheo de Barros, Márcio Cruz Meirelles, Fábio da Silva Abrate, Flávia Carneiro e Marcelo da Silva Nunes — irão à Justiça tentar provar que o conselho sabia de tudo. Os ex-diretores têm uma estratégia de defesa que os une, embora formalmente não será uma ação em conjunto.

Miguel Gutierrez, ex-CEO da Americanas — Foto: Reprodução
Miguel Gutierrez, ex-CEO da Americanas — Foto: Reprodução

Como antecipou o colunista do GLOBO Lauro Jardim, no depoimento, Coelho Pereira apresentou registros para mostrar que houve falsificação de documentos e de assinaturas. Segundo o executivo, há comprovação de fraudes desde 2016, e os balanços dos últimos cinco anos estão sendo refeitos.

O documento divulgado ao mercado indica a participação na fraude do ex-CEO Miguel Gutierrez e dos demais diretores, que já não trabalham mais na empresa.

Expectativa e realidade

O CEO da Americanas informou que demitiu nos últimos dias 30 funcionários que ainda atuavam na administração e que estariam envolvidos no esquema de fraude voltado para produzir artificialmente lucros contábeis e esconder o endividamento da empresa.

No relatório apresentado ao mercado, o texto afirma que houve esforço da diretoria anterior da Americanas em ocultar do Conselho de Administração e do mercado em geral a real situação da companhia, o que foi interpretado pelo mercado como um sinal de que os acionistas de referência da empresa, Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira, não estavam a par do esquema.

O CEO da Americanas, Leonardo Coelho Pereira, em depoimento à CPI da Americanas na Câmara — Foto: Brenno Carvalho/O Globo
O CEO da Americanas, Leonardo Coelho Pereira, em depoimento à CPI da Americanas na Câmara — Foto: Brenno Carvalho/O Globo

'Documentos hoje não mostram envolvimento do conselho'

Em outro trecho, o relatório menciona uma série de financiamentos contratados pela diretoria junto a instituições financeiras, “sem as devidas aprovações societárias”.

— Os documentos que tenho hoje não mostram o envolvimento do conselho. Mas as investigações continuam. Se houver indícios, vamos tomar as medidas cabíveis — afirmou Coelho Pereira na CPI, ao ser perguntado sobre a indicação do ex-CEO Miguel Gutierrez, que teve seu nome sugerido por Sicupira.

Coelho Pereira compartilhou documentos que corroboraram as fraudes descritas em relatório. Ele mostrou uma troca de e-mails entre antigos diretores com planilhas que exibem números diferentes de prejuízos e lucros apresentados aos funcionários internamente e para o Conselho de Administração. Na coluna “visão interna” por exemplo, aparecia prejuízo de R$ 733 milhões. Na coluna com a nomenclatura “visão conselho”, havia lucro de R$ 2,8 bilhões.

Beto Sicupira, Jorge Paulo Lemann e Marcel Telles (da esquerda para a direita): “capitalistas puro-sangue”, segundo Sergio Rial — Foto: Divulgação
Beto Sicupira, Jorge Paulo Lemann e Marcel Telles (da esquerda para a direita): “capitalistas puro-sangue”, segundo Sergio Rial — Foto: Divulgação

'Parabéns aos envolvidos'

Como informou a colunista do GLOBO Malu Gaspar, outra troca de e-mail mostra que diretores da empresa comemoraram a aceitação, pelo Itaú, de uma carta com explicações sobre demonstrações financeiras que escondiam as maquiagens contábeis.

“Parabéns aos envolvidos”, escreveu o diretor financeiro Fábio Abrate no dia 19 de setembro de 2017, após longa troca de mensagens que se discutiu o uso do termo “risco sacado” (uma operação comum no varejo para financiar a cadeia de fornecedores, mas que está na origem de um dos mecanismos de fraude detectados na empresa) na carta que os bancos enviaram à auditoria da varejista com explicações sobre as operações financeiras que tinham com a empresa.

Abrate comemorou o fato de o Itaú ter aceitado a nova redação da carta, que trocava “risco sacado” por “risco emitido”, o que seria uma forma de suavizar as informações. Em outro trecho, o executivo citou o Santander em contexto similar.

Documento com assinatura falsificada

Coelho Pereira mostrou o que seria a falsificação de assinaturas em cartas de “risco sacado”:

— O documento foi escaneado, a assinatura recortada e colocada em um documento falso — afirmou, exibindo mensagem do antigo diretor Timótheo de Barros.

Sessão da CPI da Americanas na qual Coelho Pereira falou ontem em Brasília — Foto: Brenno Carvalho
Sessão da CPI da Americanas na qual Coelho Pereira falou ontem em Brasília — Foto: Brenno Carvalho

O texto diz: “Não podemos mostrar para conselho e mercado nada acima de R$ 3 bi. Será morte súbita”.

Falha vira recomendação

Segundo Coelho Pereira, o conselho não tinha acesso aos números reais de dívidas da companhia, porque a comunicação só ocorre quando elas atingem 5% do faturamento.

— Ao que tudo indica, ocorreram trocas entre a diretoria e a KPMG para amenizar as análises.

Segundo o executivo, a KPMG permitiu a alteração de cartas de controle sobre operações a pedido da antiga diretoria. De acordo com Coelho Pereira, um relatório inicial da KPMG mostrava “deficiências significativas nos balanços da empresa” no início de 2017.

O documento não foi divulgado e acabou sendo substituído por uma carta de recomendações que merecem atenção da administração, sem apontar as deficiências anteriores.

Timotheo Barros, ex-diretor da Americanas Divulgação — Foto: Divulgação
Timotheo Barros, ex-diretor da Americanas Divulgação — Foto: Divulgação

Coelho Pereira afirma que as auditorias receberam documentação fraudada. Mas, sobre “risco sacado”, diz que a PwC teria feito sugestão de troca de redação, que precisa ser mais bem entendida.

Após as revelações, os integrantes da CPI vão chamar auditores da PwC e da KPMG e representantes de bancos que financiavam a varejista para depor.

Outro lado

Em nota, o Itaú afirma que a elaboração de demonstrações financeiras é responsabilidade exclusiva da companhia e de seus administradores. “É leviano atribuir a terceiros a responsabilidade pela fraude, confessada pela companhia ao mercado”, informou.

O Santander, também por escrito, informou que a própria empresa ressalta os esforços da diretoria para ocultar do mercado a real situação do resultado e patrimonial da companhia. “Isso, por si só, comprova taxativamente que a única e exclusiva responsabilidade pelas ‘inconsistências contábeis’ é da Americanas, por intermédio da sua antiga diretoria”, diz um trecho.

Em nota, a KPMG informou que, “por motivos de cláusulas de sigilo e regras da profissão, está impedida de se manifestar sobre casos envolvendo clientes ou ex-clientes da firma.”

A PwC disse em nota que não comenta temas de clientes por questões de confidencialidade e regras de sigilo profissional.

A defesa de Miguel Gutierrez não quis comentar as acusações. Advogados de Fábio Abrate, Marcelo da Silva Nunes e Flávia Carneiro não responderam até o fechamento desta edição. O GLOBO não conseguiu contato com os advogados da executiva Anna Saicali.

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) informou que vai continuar os trabalhos que já vêm sendo executados por meio de uma força-tarefa com objetivo investigar as irregularidades na companhia.

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