A Americanas fechou acordo com credores que representam mais de 35% da sua dívida, abrindo caminho para a aprovação do plano de recuperação judicial, como antecipado pelo colunista do GLOBO Lauro Jardim. A assembleia de credores está marcada para 19 de dezembro.
- Anatomia de uma fraude: Infográfico detalha como Americanas escondeu uma fraude bilionária
- Ajuda dos universitários: Americanas recorreu a ex-diretores demitidos para concluir balanço com maior prejuízo da história
O acordo é um suporte ao plano de recuperação da companhia, que prevê um aumento de capital de até R$ 24 bilhões na empresa. Metade desse valor será bancado por bancos. Entre os credores que assinaram o acordo divulgado hoje estão Bradesco, Itaú, BTG e Santander. O Safra ficou de fora, segundo Lauro Jardim.
A outra metade virá dos três acionistas de referência da Americanas (Marcel Telles, Jorge Paulo Lemann e Beto Sicupira, sendo que este último contribuiria com R$ 6 bilhões).
Entenda em cinco pontos o escândalo da Americanas, desde as primeiras revelações das "inconsistências contábeis" até a admissão da empresa de que havia uma fraude e o acordo com credores nesta segunda-feira.
Inconsistências no balanço
![Fachada de loja da Americanas — Foto: Domingos Peixoto/Agência Globo](https://s2-oglobo.glbimg.com/zf_nf3XyBv03TOzHDrRxN6TBXFg=/0x0:5184x3456/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2023/Z/N/2k039jTYmJiMLJ8mm34w/101801071-ec-rio-de-janeiro-rj-19-01-2023-lojas-americanas-pedem-recuperacao-judicial-em-carater.jpg)
Na noite da quarta-feira, dia 11 de janeiro, a Americanas informou ter encontrado "inconsistências contábeis" de R$ 20 bilhões nos balanços de 2022 e de anos anteriores. O problema ocorreu com uma operação comum no varejo, chamada de "risco sacado".
Nesse tipo de operação, a companhia pega financiamento com um banco para compra de material de fornecedores. O banco antecipa os recursos para o fornecedor. Na sequência, a varejista quita a dívida com a instituição financeira pagando juros pelo prazo do empréstimo.
O problema é que isso não foi devidamente reportado no balanço.
Renúncia do CEO
![Sérgio Rial — Foto: Arquivo/O Globo](https://s2-oglobo.glbimg.com/AHV3NlPN-qn0UZaOzTvWNdJipZs=/0x0:1086x652/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2023/b/m/8bGcFiQdeX0T7Z6YN8wA/sergio-rial.jpeg)
Em agosto de 2022, a Americanas anunciou que Sergio Rial assumiria o comando da empresa a partir de janeiro deste ano. O nome do executivo atraiu investidores, que apostavam suas fichas de que, sob sua gestão, a companhia pudesse dar uma guinada nos negócios.
Mas, com a descoberta das "inconsistências contábeis" praticadas antes de sua chegada, Rial anunciou na noite de 11 de janeiro que renunciaria ao cargo apenas nove dias depois de assumir.
Ele passou a trabalhar como assessor do trio de acionistas de referência da Americanas, os bilionários da 3G Capital Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Veiga Sicupira, em busca de uma solução para o imbróglio.
Também foi anunciada a criação de um comitê independente para averiguar o que causou o erro nos balanços.
No lugar de Rial, assumiu interinamente o diretor de Recursos Humanos, João Guerra. Tanto ele como Rial se tornaram réus em um processo na Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
Depoimento à CPI
![O CEO da Americanas, Leonardo Coelho Pereira — Foto: Brenno Carvalho](https://s2-oglobo.glbimg.com/lcbgfwH_OyMBORXxCpvvoohHDHM=/0x0:1680x1120/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2023/l/b/FbMFcrTzqClie4i1ecvg/103356129-pa-brasilia-df-13-06-2023-cpi-das-americanas-o-presidente-das-lojas-americanas-leonardo.jpg)
O novo presidente da Americanas, Leonardo Coelho Pereira, assumiu o comando da empresa em fevereiro. Foi no seu depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), em junho, que a empresa passou a tratar o escândalo como fraude.
Aos parlamentares, Coelho disse que os ex-diretores escondiam 'fraude de resultado' e diziam que transparência seria 'morte súbita'.
Pereira disse que, sobre um lucro fraudulento, foram pagos dividendos a acionistas, incluindo o trio de bilionários acionistas de referência, três dos homens mais ricos do Brasil.
Também admitiu que o lucro inexistente baseou bônus pagos além dos salários aos diretores como recompensa pelo desempenho financeiro falso e ainda baseou o pagamento de impostos. A empresa pagou, em 2022, R$ 1,7 bilhão em impostos, afirmou o executivo.
Como era a fraude
![Assembleia Geral de Credores do Grupo Americanas pode acontecer em dezembro — Foto: Foto de arquivo](https://s2-oglobo.glbimg.com/3Hlb95lPsEUxr_1b7Be0vcFEQDQ=/0x0:1000x666/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2023/D/c/Ns5SISS2ibBCLOQYjLug/americanas.jpg)
Também em junho, a Americanas divulgou fato relevante em que admitia a fraude pela primeira vez e dava detalhes do esquema, além de acusar ex-diretores de envolvimento na fraude.
O principal objetivo da fraude era ampliar o lucro, o que contribuiria para pagamento de bônus e dividendos para executivos e acionistas e ainda gerava um maior recolhimento de impostos. No cerne do esquema fraudulento estão contratos de publicidade, chamados de verba de propaganda cooperada (VPC).
Até então, era sabido que a Americanas usava um outro mecanismo, chamado de risco sacado, muito comum no varejo, para maquiar seus números. Trata-se de uma triangulação no financiamento de fornecedores, no qual a varejista antecipa a seus parceiros um crédito que eles têm a receber de bancos.
Imaginava-se também que, para não acender o alerta dos analistas sobre o tamanho dessas operações, a empresa aplicava redutores artificiais nessa rubrica de risco sacado. Os comunicados divulgados esta semana pela empresa deixam claro como era essa outra faceta da fraude.
Para reduzir artificialmente o tamanho da rubrica "contas a pagar" na posição de fornecedores da empresa, a varejista usou principalmente a verba de propaganda cooperada (VPC).
Assim como o risco sacado, os contratos de VPC são recorrentes no varejo. Eles funcionam assim: a varejista encomenda um certo volume de produtos e acerta um determinado valor pelas mercadorias. No contrato de publicidade, acorda que os itens terão, por exemplo, uma exposição privilegiada nas lojas, o que ajuda no desempenho das vendas.
Se a meta de vendas é batida, a varejista obtém desconto no valor devido ao fornecedor pelas encomendas, reduzindo o seu custo. É uma espécie de bônus que é classificado no setor como verba de publicidade. Ela ajuda a ampliar o lucro, pois, na prática, reduz o custo com a compra dos produtos.
Recuperação judicial
![Loja Americanas no Plaza Shopping, em Niterói, em 2006. — Foto: Letícia Pontual](https://s2-oglobo.glbimg.com/zXKekaYEtGBJqJ2Q-l5Cd9-0MPA=/0x0:2017x1456/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2023/x/c/JfU2DlRUeDEbZCJI4MPA/38258307-01112006-leticia-pontual-jb-ni-preparacao-financeira-para-o-natal-abertura-de-credi.jpg)
A empresa pediu recuperação judicial em janeiro, logo após a divulgação das "inconsistências", com dívida de cerca de R$ 40 bilhões. O pedido foi aprovado pela Justiça, mas operações previstas no plano não foram adiante devido à incerteza em relação ao balanço, que foi adiado várias vezes.
No último dia 16 de novembro, a empresa revelou as perdas que teve nos anos de 2021 e 2022. Ao todo, foram R$ 19 bilhões em prejuízo. Ter o tamanho real do rombo da companhia é fator-chave para destravar a venda de ativos da empresa, como a rede Hortifruti Natural da Terra, que foi suspensa pela própria varejista.
Outro processo que está parado é a venda da Uni.co, dona das marcas Puket, Imaginarium e Lovebrand. Para uma fonte, sem o tamanho real da empresa, os interessados vinham jogado o preço do ativo para baixo.
Após revelar o tamanho do prejuízo, faltava o acordo com os principais credores. Ele prevê injeção de R$ 24 bilhões na companhia, sendo metade feita pelos principais bancos credores, entre eles Santander e Bradesco.