A Eneva, empresa de produção de gás natural e geração de eletricidade, propôs à Vibra, dona da rede de postos com a marca BR, da Petrobras, uma fusão dos negócios. A operação criaria uma gigante de energia, com valor de mercado de quase R$ 50 bilhões, a terceira maior companhia do setor, atrás apenas da Petrobras e da Eletrobras.
A proposta está em carta enviada pela Eneva ao Conselho de Administração da Vibra, divulgada ao mercado na noite de domingo. Também na noite de domingo, a Vibra comunicou ao mercado que recebeu a carta e que “analisará o conteúdo da proposta de forma detalhada, considerando sobretudo o interesse de seus acionistas e que suas operações seguirão seu curso normal durante o período de análise”.
Como a Vibra também atua na distribuição de combustível para empresas – indústrias que usam o insumo em seus processos produtivos –, a combinação dos negócios daria à Eneva um novo canal comercial para sua produção.
Origem foi empresa de Eike
A Eneva tem origem na MPX, empresa de geração de energia do antigo Império X, do empresário Eike Batista. A alemã E.ON teve participação no negócio, ainda em sociedade com o Eike, mas, atualmente, a companhia tem o capital pulverizado, ou seja, não tem um controlador. Os acionistas de referência são o banco BTG Pactual (22%); a Cambuhy (20%), gestora da família Moreira Salles; e as gestoras Dynamo (11%), Atmos e Partners Alpha, com cerca de 5% cada.
As usinas da Eneva têm capacidade instalada de 5.500 megawatts (MW) – 40% da Usina Hidrelétrica de Itaipu. A maior parte (4.600 MW) são térmicas a gás, responsáveis por 14% da geração de eletricidade com essa fonte no país, segundo a empresa. A Eneva também produz 9,5 milhões de metros cúbicos de gás por dia – é a maior produtora, após a Petrobras, ainda conforme a companhia.
As ações ordinárias da Eneva (ENEV3, com direito a voto) caíram 2,52%, negociadas a R$ 12,74. Os ativos chegaram a operar em alta pela manhã, mas o movimento perdeu força. Já as ações ON da Vibra (VBBR3) cederam 2,43%, cotadas a R$ 21,69.
Vibra mudou de nome após saída da Petrobras
Já a Vibra ganhou esse nome após a privatização da BR Distribuidora. A Petrobras vendeu sua subsidiária de distribuição, responsável por operar a rede de postos de combustível – a maior do país –, em duas fases. Na primeira, reforçou a segregação do negócio numa empresa à parte e abriu seu o capital na Bolsa. Num segundo momento, se desfez completamente da participação remanescente que ficou detendo da companhia aberta.
Após a saída da Petrobras da composição acionária da empresa, ela também ficou com o capital pulverizado e mudou o nome. Hoje, há três acionistas de referência, com uma participação maior: a gestora Dynamo (10%); o fundo Samambaia (8,6%), do investidor e ex-deputado federal Ronaldo Cézar Coelho; e da americana BlackRock (5%), tida como a maior gestora de recursos do mundo.
Além de 8 mil postos de combustível com sua bandeira espalhados por todo o país, a empresa tem a rede de lojas de conveniência BR Mania e fornece combustíveis diversos a empresas. Também vende combustível de aviação e lubrificantes.
Fusão de iguais
Na carta, a Eneva propõe uma “fusão de iguais”, ou seja, os acionistas de cada companhia teriam a metade das ações da futura gigante de energia, se a operação se concretizar.
A companhia resultado da fusão seguiria com o capital pulverizado. Teria um Conselho de Administração formado por nove membros independentes. A Eneva sugere na carta, como nome para liderar o conselho, Sérgio Rial, ex-presidente do Santander, que renunciou ao cargo de presidente da Americanas após anunciar que descobriu a fraude contábil que levou a varejista à recuperação judicial.
Para a diretoria executiva, seria contratado um novo presidente para a companhia combinada. Seguiriam nos cargos os presidentes da Eneva, Lino Cançado, agora como presidente da “vertical de Energia”, e da Vibra, Ernesto Pousada, como presidente da “vertical de Distribuição de Combustíveis”.
Maior na distribuição de combustíveis e na geração termoelétrica
A carta também desfia uma série de argumentos a favor da fusão. “A Combinação de Negócios deverá criar ganhos de escala e proporcionar grande criação de valor para a companhia na sua estrutura de capital, bem como a redução de seus spreads e alongamento dos prazos médios de captações de financiamentos a mercado”, diz o texto.
Entre os argumentos estão o tamanho da nova empresa – “maior distribuidora de combustíveis do Brasil” e “maior plataforma de geração termoelétrica” –, a liquidez das ações – com negociação de R$ 300 milhões por dia na Bolsa –, a redução do “risco percebido” das companhias, e “otimização” da alocação de capital e a “geração de valor comercial”.
No último ponto, “a Eneva traz expertise de comercialização de gás e de energia elétrica, que pode ser combinada ao acesso a mais de 30 milhões de clientes finais da Vibra”, diz um trecho da carta. O texto lembra que entre os clientes finais da Vibra estão 18 mil empresas.
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Conforme a Eneva, essa carteira de clientes teria potencial para consumir gás natural, seja da produção da empresa brasileira, seja da importação do GNL (gás liquefeito), pelo terminal que ela opera em Sergipe. A carta cita o potencial de “distribuição via rodoviária para clientes não atendidos pelos gasodutos de transporte e que utilizam óleo combustível em seus processos industriais”.
Apoio dos acionistas
Entre os investidores que são acionistas das empresas, a gestora Dynamo e o banco BTG Pactual apoiam o negócio, segundo duas fontes ouvidas sob condição do anonimato. O BTG Pactual, além de acionista da Eneva, assessora a companhia na operação, conforme informado na carta de domingo.
Na Eneva, a Cambuhy também teria se posicionado favoravelmente à fusão, segundo as fontes ouvidas pelo GLOBO. Na prática, o Conselho de Administração da Eneva já tem o apoio da maioria dos acionistas da companhia para fazer a operação.
No lado da Vibra, a Dynamo apoia a fusão, mas, segundo uma das fontes ouvidas pelo GLOBO, não tratou do assunto com os demais sócios. Com o capital mais pulverizado do que o da Eneva, a Vibra tende a concentrar as decisões nas mãos do Conselho de Administração – e os acionistas minoritários tendem a seguir sua recomendação.
Vibra tem conselheiros renomados
O conselho da Vibra é formado por executivos de renome no mercado. Rial é o presidente. Entre os membros estão Walter Schalka, ex-presidente da Suzano, Fabio Schvartsman, que foi presidente da Vale, e Nildemar Secches, que foi do comando da Perdigão e, depois, da BRF.
Segundo uma das fontes que pediu anonimato, a proposta não pegou nenhum dos conselheiros das duas companhias de surpresa, porque o assunto já vinha sendo debatido entre os executivos.
Por isso, não haveria motivos para uma decisão demorar mais do que o prazo de 15 dias informado na carta enviada pela Eneva no domingo. Alguma negociação poderia resultar apenas em ajustes nos termos de troca entre as ações atuais e os papéis da futura companhia, disse a fonte.
BTG Pactual vende usinas
O BTG Pactual, além de apoiar a operação, também tem a intenção de aproveitar a fusão para concentrar seus investimentos em geração de energia na futura companhia resultante da fusão. Segundo a carta de domingo, o banco de investimentos informou ao Conselho de Administração da Eneva que pretende “ofertar seu portfólio de ativos de geração térmica, para ser potencialmente incorporado pela Companhia Combinada”.
O BTG tem quatro usinas de geração termelétrica, que ele próprio avalia em R$ 2,5 bilhões, controladas diretamente pelo banco ou por fundos operadores pela instituição financeira. Conforme um executivo a par das negociações, a ideia de vender essas usinas para a futura gigante de energia faria sentido tanto para o banco, que deixaria esses ativos sob a mesma operação, quanto para a nova companhia, que ganharia mais escala e receitas.