Azul e Gol anunciaram um acordo de cooperação comercial que vai conectar suas malhas aéreas no Brasil, por meio de um codeshare (compartilhamento de voos). Os papéis da Azul chegaram a disparar mais de 10% com a notícia e encerraram a sessão em alta de 5,18%, a R$ 10,36. Os da Gol saltaram 11,9%, a R$ 1,41.
Analistas de mercado viram no acordo de cooperação uma espécie de teste para uma possível fusão entre as duas companhias adiante, o que não é citado pelas empresas. Especialistas do setor aéreo, porém, avaliam que a mudança no modelo de operação deveria ter sido submetida ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), órgão regulador da concorrência.
A Gol está em recuperação judicial nos Estados Unidos, e nos últimos meses a Azul chegou a iniciar conversas para discutir eventual união de negócios. O presidente da companhia, John Rodgerson, já disse no passado que acreditava na consolidação do setor.
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A parceria anunciada pelas empresas inclui rotas domésticas exclusivas, ou seja, operadas por apenas uma das companhias. Assim, em um exemplo hipotético, o cliente pode planejar uma viagem do Rio para Campina Grande, na Paraíba, por exemplo, e voar do Rio a São Paulo com a Gol e de São Paulo a Campina Grande com a Azul.
Sem impacto no preço
O acordo também envolve os programas de fidelidade, permitindo que membros do Azul Fidelidade e do Smiles acumulem pontos ou milhas no programa de sua escolha ao comprar trechos incluídos no codeshare. A parceria começa a valer no fim de junho, quando a oferta estará disponível nos canais de venda das empresas.
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Comunicado das companhias afirma que, juntas, elas têm cerca de 1.500 decolagens diárias. O acordo criaria mais de 2.700 oportunidades de viagens com apenas uma conexão.
Mas analistas avaliam que isso não trará redução no preço dos bilhetes.
— Não há nenhuma garantia de redução no preço dos voos. Esse valor é influenciado por diversos fatores, como custo do querosene de aviação, flutuações na demanda e turismo mais ou menos aquecido. A principal vantagem seria a maior capilaridade de rotas no mercado nacional, que ainda é bastante concentrado em termos de destinos atendidos — afirmou Marcus Quintella, diretor da FGV Transportes.
Para Ricardo Fenelon, advogado, sócio do Fenelon Barretto Rost, a vantagem do codeshare é oferecer mais voos sem precisar elevar custos com novos tripulantes e frotas.
Segundo especialistas, o compartilhamento de voos trará mais eficiência operacional, o que deve elevar a geração de receita no mercado doméstico. Quando surgiram os primeiros rumores sobre a possibilidade de compra da Gol pela Azul, o mercado reagiu mal. As duas empresas têm endividamento em torno de R$ 21 bilhões.
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Agora, porém, a leitura foi positiva, com a interpretação de que a Azul pode fazer um test-drive para uma possível aquisição adiante.
O período de vigência do acordo daria tempo para a Gol apresentar seu plano de recuperação nos EUA, no âmbito do Chapter 11, similar à recuperação judicial no Brasil. Além disso, a Azul fez uma reorganização de dívida, e qualquer proposta de aquisição poderia estar sujeita a acordo com arrendadores de aeronaves ou ao crivo dos credores.
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Especialistas ponderam, porém, que o acordo de compartilhamento deveria ter sido submetido ao Cade. Atualmente, a Latam tem uma fatia de 40% do mercado doméstico, enquanto a Azul responde por 29,5%, e a Gol, por 29,9%.
Para o ex-conselheiro do Cade Cleveland Prates, as empresas devem apresentar todos os atos que tenham algum potencial de restringir a concorrência e se abster de tomar qualquer atitude até a aprovação final pelo Tribunal do Cade.
— Esse tipo de acordo pode afetar a precificação por rotas e, pelo divulgado, há efeitos sobre os programas de fidelidade, fator que também pesa no aspecto concorrencial — afirma Prates, professor de Economia do curso de Direito da FGV.
Ele disse à coluna Capital que o acordo desestimula a competição entre as empresas, que deixam de ter interesse em operar a rota da outra.
Governo foi avisado antes
Segundo um alto executivo da Gol, o acordo não é uma prévia de eventual aquisição, inclusive porque esta não seria a preferência do governo. O caminho mais acertado para a União, disse ele, seria a Gol seguir operando de forma independente após superar a crise.
O governo foi avisado previamente do acordo. Em uma rede social, o ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho, disse que a pasta e a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) vão acompanhar eventuais consequências “buscando sempre melhores serviços e condições para o consumidor brasileiro”.
“Esse tipo de acordo comercial já ocorre entre outras companhias aéreas nacionais e internacionais ao redor do mundo. Nós esperamos que possa ampliar a conectividade entre os diversos destinos brasileiros, gerando maior complementaridade na malha nacional, oferecendo mais opções de voos para os brasileiros”, escreveu.
Para os analistas do Itaú BBA, o acordo pode desbloquear receita para a Azul. “Considerando que a Azul voa sozinha em mais de 80% de suas rotas, a combinação de negócios poderia desbloquear sinergias substanciais de receita, além das economias de custo para a empresa combinada”, diz relatório.
Ygor Araújo, analista Setor de Bens Industriais da Genial Investimentos, avalia que o codeshare pode ser uma forma de testar sinergias operacionais, tendo em vista uma possível fusão:
— Até é um teste para a Azul “mais saudável”, porque não está assumindo nenhum risco de colocar os passivos da Gol para dentro.
Victor Mizuski, analista do Bradesco BBI, ressalta que uma fusão só aconteceria caso a Gol reestruturasse suas dívidas:
— Do lado da Azul, ela tem como investidora a United Airlines, e a Gol tem a American Airlines. Então uma nova empresa combinada teria parcerias muito estratégicas.