A presidente do Conselho Nacional de Segurança dos Transportes dos EUA (NTSB), Jennifer Homendy, interrogou executivos da Boeing sobre o motivo pelo qual a fabricante de aviões não agiu para sanar falhas de qualidade em suas fábricas antes do grave incidente ocorrido com um de seus jatos no início deste ano, que aprofundou o inferno astral da fabricante americana de aviões.
Os problemas “já são conhecidos há anos”, disse a líder da agência que regula os transportes nos EUA a jornalistas no primeiro dia de audiências sobre o que causou a perda de um grande painel da fuselagem de um Boeing 737 Max 9 quase novo da Alaska Air Lines em pleno voo, aterrorizando passageiros com a abertura em pleno voo.
— Por que é necessário um tragédia séria, que poderia ter sido muito mais grave, para que mudanças ocorram? — afirmou.
'Aviões chegavam danificados todos os dias'
O NTSB divulgou milhares de páginas de informações no início da audiência sobre o acidente de 5 de janeiro, que envolveu um jato da Alaska Airlines. Entrevistas com trabalhadores da Boeing mostram uma força de trabalho estressada e ciente de que fuselagens do 737 Max chegavam da fornecedora Spirit AeroSystems com defeitos.
Um funcionário disse aos investigadores que “os aviões chegam danificados todos os dias”, enquanto outro mencionou problemas com “estruturas, revestimentos, buracos abertos”.
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Embora ninguém tenha se ferido gravemente no acidente, o episódio mergulhou a Boeing em uma crise ainda mais profunda que já vivia, na esteira de uma série de acidentes com jatos da mesma linha. O resultado foi uma reestruturação gerencial na companhia e uma revisão abrangente da cultura de segurança da empresa.
'Longo caminho a percorrer na segurança'
A Boeing tem tentado mostrar como a empresa aprendeu com o episódio, enquanto tenta se recuperar da crise que drenou bilhões de dólares de seu balanço patrimonial e afetou o preço das ações. As ações da Boeing perderam mais de um terço de seu valor este ano, e a empresa queimou mais de US$ 1 bilhão em caixa a cada mês devido à redução da produção.
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Homendy, a líder do NTSB, adotou uma postura rígida, e as interações entre os oficiais da agência e a empresa têm sido tensas nos últimos meses. Na audiência, Elizabeth Lund, vice-presidente sênior de qualidade da Boeing, afirmou na audiência que a fabricante está apenas começando a aumentar novamente sua taxa de produção de aeronaves, que havia caído drasticamente após o acidente.
No entanto, Homendy afirmou que a Boeing ainda “tem um longo caminho a percorrer — apenas com base no que eu vi — em termos de cultura de segurança.” Ela também advertiu os representantes da empresa diante do discurso focado no que estão fazendo para mudar em vez de dar detalhes sobre o que aconteceu antes das mudanças.
— Isso aqui não é uma campanha de relações públicas para a Boeing — afirmou a chefe da agência reguladora após Lund destacar as melhorias feitas pela empresa após o acidente. — O que é muito confuso para muitas pessoas que estão assistindo e ouvindo é o que estava acontecendo na época. Esta é uma investigação sobre o que aconteceu em 5 de janeiro.
A Boeing ainda está lutando para deixar o acidente para trás. Anunciou um novo CEO na semana passada e concordou em comprar a Spirit para ter maior controle sobre sua fabricação de componentes. A empresa também se declarou culpada de uma acusação de conspiração pelos promotores dos EUA, relacionada a dois acidentes anteriores com o 737 Max.
Investigação foi enriquecida por denúncias de funcionários
Os investigadores do incidente de janeiro rapidamente identificaram que faltavam quatro parafusos para manter o painel que caiu no lugar. Em uma reviravolta, um informante anônimo publicou um relato on-line detalhado do que aconteceu, documentando as falhas que levaram o jato a sair da fábrica sem os parafusos.
Um relatório preliminar divulgado pelo NTSB corroborou partes desse relato. O relatório encontrou evidências sugerindo que o plugue da porta foi removido antes de sair da instalação para consertar rebites danificados e então reinstalado sem ser devidamente fixado.
A Boeing alegou que estava sem a documentação formal sobre a remoção do painel, uma grave violação dos seus protocolos de fabricação. Na ausência de documentação, a equipe que preparou o avião para entrega não sabia que os parafusos estavam faltando, e os inspetores de qualidade não teriam sabido para verificar o trabalho, afirmou Lund.
Homendy expressou preocupação ao falar com os jornalistas sobre informações que o NTSB recebeu por escrito de funcionários da Boeing que podem ter desempenhado um papel na remoção do plugue da porta, observando que todas parecem terminar com um comentário sobre a falta de conhecimento do ocorrido. O NTSB não teve chance de entrevistar o gerente responsável pelo plugue da porta, que está de licença médica.
Boeing reforçou esforços para evitar falhas
Desde o acidente, a fabricante reduziu drasticamente o ritmo de trabalho em suas fábricas, enquanto requalifica mecânicos e gerentes. Intensificou as inspeções, inclusive na Spirit, para lidar com defeitos e peças faltantes que levam ao chamado “trabalho viajado”, onde tarefas são concluídas fora da sequência normal.
Lund afirmou na audiência que engenheiros da Boeing estão trabalhando em mudanças de design que impediriam o fechamento do plug da porta até que esteja firmemente fixado. Ela espera que essas mudanças possam ser implementadas dentro de um ano e, em seguida, estarem disponíveis para retrofit na frota uma vez que o design seja certificado.
A Boeing também incentivou os funcionários a apresentar preocupações de segurança através de um programa interno chamado “Speak Up” (algo como "denuncie").
No entanto, Lloyd Catlin, um representante sindical da categoria de operários da empresa, disse na audiência que o sindicato que representa milhares de trabalhadores da Boeing ainda não confia totalmente no programa:
— Está em suas fases iniciais. Ainda precisa de reforço.