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Países cortam imposto e dão desconto para conter alta de combustíveis. Veja medidas

Guerra na Ucrânia elevou preço do petróleo a quase US$ 140. No Brasil, projetos que visam a conter preços de gasolina e diesel devem ser votados nesta semana
Países cortam imposto e dão desconto para conter alta de combustíveis Foto: Isaac Fontana / Agência O Globo

RIO -  A guerra entre Rússia e Ucrânia elevou ainda mais as cotações do petróleo no mercado internacional, aumentando a pressão sobre governos para conter o impacto nos preços dos combustíveis. As medidas — a maior parte adotada antes da eclosão do conflito — vão de cortes de impostos e descontos nas contas de luz a subsídios para distribuidoras e consumidores.

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No Brasil, as discussões tendem a crescer nesta semana, com a possibilidade de votação de dois projetos para conter a alta da gasolina, do diesel e do gás. Para especialistas, porém, há risco de se criar uma má solução, tendo em vista o calor dos acontecimentos e o fato de 2022 ser um ano eleitoral, o que eleva a pressão por resultados de curto prazo.

Ontem o barril de petróleo encostou em US$ 140, após notícia de que EUA e União Europeia estudam embargo ao óleo russo. O valor representa um salto em relação a março de 2020, quando a pandemia derrubou a demanda e a commodity era negociada na faixa dos US$ 20 o barril, o menor nível em quase duas décadas.

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Com a retomada da economia mundial em 2021, a demanda voltou a crescer e não foi acompanhada pela oferta, o que já pressionava os preços.

Diante desse cenário, alguns países adotaram medidas para minimizar o impacto para a população. No Japão, por exemplo, o governo decidiu, em janeiro, conceder temporariamente um subsídio de 3,4 ienes por litro a distribuidoras de combustíveis toda vez que o preço da gasolina ultrapassar determinado patamar. Em Portugal, o subsídio é direto ao cidadão, limitado € 5 por mês.

— Há movimentos para redução de preços em vários países, que tendem a ganhar mais força com a guerra. As medidas adotadas são temporárias e não significam abandono da política de preços— diz Alexandre Szklo, professor do Programa de Planejamento Energético da Coppe.

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No Brasil, há dois projetos em tramitação no Congresso, ambos relatados pelo senador Jean Paul Prates (PT-RN), que visam a reduzir o preço dos combustíveis. O que mais preocupa especialistas é o PL 1.472, que cria uma conta de estabilização e critérios para definição dos preços: cotações médias do mercado internacional, custo internos de produção e de importação.

Risco de retrocesso

Este último ponto, que tem passado despercebido em muitos debates, é apontado como uma intervenção no mercado por analistas do setor, o que afastaria o Brasil do grupo de países que têm uma política de preço livre, como EUA, nações europeias como Reino Unido e França, e emergentes como Peru e Chile.

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— A Lei do Petróleo diz que o preço é livre na refinaria, na distribuidora e na revenda. Ao estabelecer critérios para definição do preço subentende-se a criação de uma fórmula. É um retrocesso. O maior risco neste momento é o de se aprovar uma solução ruim, pois os políticos estão sob pressão — diz Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infraestrutura.

Para Felipe Feres, presidente da Comissão de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis da OAB/RJ, o PL introduz o controle de preços, o que seria inconstitucional:

— A constituição diz que somos economia de mercado.

No mesmo PL 1.472, há a proposta de uma conta estabilização, espécie de fundo cujos recursos seriam usados para evitar subidas nos preços em casos de flutuações na cotação do petróleo. O ponto mais polêmico do PL era a criação de um imposto sobre a exportação de petróleo bruto, que custearia esse fundo. Mas o senador Prates já concordou em excluir o trecho do seu relatório.

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Desoneração temporária

Países como Chile e Peru, que importam muito petróleo, adotam esse mecanismo para suavizar oscilações abruptas. O Brasil exporta petróleo, mas importa diesel e gasolina, Por isso, alguns analistas defendem o projeto. O problema é como financiar a conta.

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Pelo PL, ela seria sustentada por dividendos da Petrobras distribuídos à União, bônus de assinatura arrecadados nos leilões de petróleo, assim como royalties e participações especiais (PEs). Pires avalia que, se o texto for mantido, seria necessário alterar a Constituição, pois mudaria as regras de destinação dos royalties e PEs.

Os especialistas lembram que três fatores influenciam os preços de gasolina e diesel: o preço do petróleo, os tributos e as margens das empresas. Em economias de mercado, resta aos governos mexer na tributação. É o que pretende o PLP 11, que muda o cálculo do ICMS sobre os combustíveis.

Há 30 anos no país, a rede de fast food McDonald's fechou temporariamente as cerca de 850 lanchonetes espalhadas pela Rússia como resposta a invasão da Ucrânia. A empresa continuará pagando o salário dos 62 mil funcionários enquanto as lojas estiverem fechadas. Foto: - / AFP
Coca-Cola suspendeu os negócios na Rússia e acrescentou que continuará a monitorar e avaliar a situação no país à medida que as circunstâncias evoluem. Foto: Hermes de Paula / Agência O Globo
A PepsiCo suspenderá toda a publicidade e a venda de suas marcas de bebidas. Mas continuará a vender produtos essenciais, como leite e comida para bebês. Foto: Bloomberg
Marcas de luxo, como Chanel, Prada, Hérmes e Louis Vuitton, fecham lojas na Rússia; Zara informou o fechamento temporário de todas as suas lojas no país e a interrupção das vendas on-line Foto: Fabio Rossi/Agência O Globo
Após invasão da Ucrânia, Starbucks anunciou que estava interrompendo suas operações no país de Vladimir Putin Foto: Reuters
Depois de suspender o lançamento de filmes na Rússia, a Disney vai pausar todos os seus negócios no país. Apesar dessa decisão, continuará empregando os trabalhadores russos. Foto: AFP
Goldman Sachs é o primeiro grande banco de Wall Street a abandonar a Rússia. Foto: Scott Eells / Photographer: Scott Eells/Bloomb
Já o HSBC encerrou as relações com uma série de bancos russos, incluindo o segundo maior, o VTB. O banco tem pouca exposição direta na Rússia, com cerca de 200 funcionários e receita anual de US$ 15 milhões no país Foto: ISAAC LAWRENCE / AFP
A sul-coreana Samsung anunciou a suspensão das remessas de produtos para a Rússia, alegando problemas logísticos Foto: Hermes de Paula / Agência O Globo
As operadoras de cartões de crédito americanas anunciaram a suspensão de algumas das atividades em seus sitemas de pagamento na Rússia para se ajustarem às sanções impostas ao país Foto: Daniel Acker / Bloomberg
A PayPal é uma das empresas de serviços financeiros a se distanciar do país por causa do ataque à Ucrânia Foto: DADO RUVIC / Reuters
A Shell deixará todas as suas operações na Rússia, incluindo a unidade Sakhalin 2 LNG, na qual detém uma participação de 27,5%. Já a francesa Total suspendeu capital para novos investimentos na Rússia, mas não anunciou intenção de deixar o país. Foto: BEN STANSALL / AFP
A Harley-Davidson suspendeu seus negócios e remessas de suas motos para a Rússia, mas não detalhou o tamanho de suas operações no país Foto: Sergei Karpukhin / REUTERS
A Microsoft disse que removeria os aplicativos móveis da estatal RT da loja de aplicativos do Windows e proibiria anúncios na mídia patrocinada pelo Estado russo. Foto: Akio Kon / Bloomberg
O Google, da Alphabet, bloqueou aplicativos móveis conectados às emissoras russas RT e Sputnik de sua loja Play, em linha com um movimento anterior para remover as editoras estatais russas de seus recursos relacionados a notícias. Foto: Bloomberg
Montadora sueca decidiu suspender as remessas de carros para o mercado russo até novo aviso. Foto: Bob Strong / REUTERS
A Boeing anunciou que está suspendendo as principais operações em Moscou e restringindo temporariamente o acesso de funcionários e parceiros na Rússia Foto: Simon Dawson / Bloomberg
Já a Airbus suspendeu os serviços de suporte às companhias aéreas russas, bem como o fornecimento de peças de reposição para o país Foto: Maxim Shemetov / Reuters / 10-6-2018
A Nike tornou indisponíveis as compras de mercadorias em seu site e aplicativo na Rússia, pois não pode garantir a entrega de mercadorias aos clientes no país Foto: Reprodução/Youtube/Nike
A Apple interrompeu todas as vendas de produtos na Rússia Foto: Jeenah Moon / Bloomberg
A montadora alemã suspendeu a produção local na Rússia e também as exportações para o país Foto: Hermes de Paula / Agência O Globo
A Ford, que em 2021 vendeu cerca de 21 mil carros na Rússia, também suspendeu as atividades no país. E anunciou a doação de US$ 100 mil para o Fundo de Ajuda Global da Ucrânia Foto: Reuters
A montadora japonesa Mazda também está suspendendo as remessas de peças para uma fábrica na Rússia Foto: Divulgação
A Daimler Truck congelou suas atividades comerciais na Rússia, incluindo a cooperação com a fabricante de caminhões russa Kamaz. Não serão produzidos mais caminhões sob a essa parceria Foto: Jeff Kowalsky
A empresa de energia dinamarquesa Orsted parou de fornecer carvão e biomassa russos para suas usinas, mas continuará comprando até 2 bilhões de metros cúbicos de gás natural da Gazprom por ano sob um contrato de longo prazo. Foto: Phil Noble / REUTERS
A operadora de telecomunicações sueca Ericsson está suspendendo suas entregas para a Rússia enquanto avalia o impacto potencial das sanções em seus negócios no país Foto: Olof Swahnberg / REUTERS
A maior empresa de leasing de aeronaves do mundo vai rescindir contratos com companhias aéreas russas. Em valores, a empresa tem 5% de sua frota alugadas para a Rússia Foto: Divulgação
A fabricante de pneus finlandesa Nokian Tires está transferindo a produção de algumas de suas principais linhas de produtos da Rússia para a Finlândia e os Estados Unidos. A Nokian produz aproximadamente 80% de sua capacidade anual de 20 milhões de pneus na Rússia Foto: Divulgação
A Honda está interrompendo as exportações de carros e motocicletas para a Rússia Foto: Paulo Fridman / Bloomberg
A empresa vai interromper atividades na Rússia, inclusive em áreas de produção de petróleo. A Equinor, petrolífera controlada pelo governo norueguês, também decidiu deixar o país. Foto: ANDREW KELLY/REUTERS/23-11-2021
A gigante do petróleo britânica BP vai se desfazer de fatia de 20% de estatal russa de petróleo, em reação à invasão da Ucrânia Foto: Bloomberg
A Daimler Truck congelou suas atividades comerciais na Rússia, incluindo a cooperação com a fabricante de caminhões russa Kamaz Foto: Dhiraj Singh / Bloomberg
O grupo de transporte marítimo Maersk suspendeu as movimentações de contêineres de e para a Rússia, exceto para alimentos, artigos médicos e humanitários Foto: Phil Noble / Reuters

Na avaliação de Giovanni Loss, sócio do Mattos Filho para a área de petróleo e gás, a tendência é os países desonerarem os combustíveis, reduzindo o impacto na inflação:

—Se o fizerem, isso deve ser feito de forma temporária. E sem contrapartida de tributação sobre parte da cadeia ou outro setor. Um novo tributo espantaria investidores.

Foi o que fez a Bélgica, por exemplo, que reduziu o imposto sobre o valor agregado da energia de 21% para 6% entre março e julho. A Tailândia também diminuiu o imposto sobre o diesel por três meses.

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No caso do Brasil, a mudança no ICMS não é uma mudança temporária de taxas. É uma mudança na forma como tributar os combustíveis, o que deve reduzir a arrecadação dos governos estaduais, tornando sua aprovação mais complexa.

Para Alexandre Szklo, da Coppe, os dois projetos relatados pelo senador Jean Paul Prates não resolvem a questão dos preços dos combustíveis porque não atacam questões estruturais que contribuem para a alta dos preços.

De um lado, diz, o Brasil é dependente do modal rodoviário e tem uma frota de caminhões velha e pouco eficiente, que consome muito diesel. Como o país importa 25% do diesel que consome e não há perspectiva de investimento em expansão do refino, a pressão sobre o preço vai continuar, pois há uma dependência da importação.

- Temos a maior proporção de caminhões autônomos entre os países continentais. São veículos com média de idade de 12 anos, pouco eficientes no consumo de combustível. E nossa malha rodoviária é precária, levando-os a consumir ainda mais do que consumiriam se as estradas fossem de qualidade - afirma Szklo.

Do outro lado, diz, unificar o ICMS dos combustíveis é um movimento que deveria estar dentro de um quadro mais amplo de reforma tributária, pois é um imposto que não incide apenas no setor de petróleo e gás.

As diferentes políticas de preços

EUA

O governo mantém estoques de combustíveis ou exige que as empresas o façam. A Reserva Estratégica de Petróleo é usada em caso de choque inesperado no preço.

México

Desde 2017, preços de combustíveis refletem a cotação no mercado internacional, câmbio e custos logísticos de transporte de derivados. Há flutuação livre de preço.

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Chile

Há dois fundos de estabilização. Quando o valor do petróleo sobe, as receitas desses fundos são usadas para baixar preços de gasolina e diesel. Em 2104, entrou em vigor um mecanismo de tributação de combustível que suaviza a volatilidade de preços via ajuste semanal de um componente variável do imposto.

Emirados Árabes

Desde 2015, o preço do combustível é definido mensalmente por um comitê de autoridades, a partir de preços internacionais.

Argentina

O mercado de combustíveis não é regulado, mas é administrado pelo governo implicitamente via a estatal YPF, responsável por 55% dos embarques de gasolina e diesel.

Peru

Há imposto regulatório e fundo de subsídios. Quando o petróleo cai abaixo de determinado o nível, o preço dos combustíveis é elevado. Os recursos arrecadados formam uma reserva, usada para baixar o preço quando o petróleo sobe.