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Economia Negócios

Para conquistar cliente, toda empresa agora quer fazer serviço de banco

Digitalização e tecnologia tornaram pagamento de contas, oferta de crédito e de cartões acessíveis a qualquer companhia
Na Natura, a empresa oferece conta digital com marca própria a consultoras e ajuda para gerir as finanças Foto: Hermes de Paula / Agência O Globo
Na Natura, a empresa oferece conta digital com marca própria a consultoras e ajuda para gerir as finanças Foto: Hermes de Paula / Agência O Globo

SAO PAULO — Imagine obter um empréstimo oferecido por um consultório médico para pagar uma cirurgia ou um procedimento estético. Ou ter a oferta de um seguro que custa R$ 1 quando estacionar por uma hora em uma rua. E assinar um provedor de internet e ter à disposição uma conta bancária digital e cartão pré-pago. Todas essas novidades já estão saindo do mundo das ideias e se tornando realidade para os brasileiros.

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O avanço das tecnologias e a digitalização dos serviços financeiros estão possibilitando que qualquer empresa, independentemente do ramo de atuação, ofereça serviços bancários, sem ter que, para isso, tonar-se banco. Na prática, dizem os especialistas, os serviços bancários estão virando commodities e se tornando um novo modelo de negócios para as companhias que não são do ramo.

— Essa tendência que se chama Bank as a Service (do inglês, banco como serviço) está crescendo muito no Brasil. As chamadas infratechs (start-ups que oferecem esse tipo de infraestrutura financeira) e os grandes bancos estão acelerando a oferta desses serviços — explica Bruno Diniz, sócio da consultoria de inovação Spiralem, focada em mercado financeiro.

Ele observa que, com o uso da nuvem para armazenar dados e novas infraestruturas tecnológicas, é possível que qualquer companhia se “plugue” num provedor de serviços financeiros. Diniz explica que, ao oferecer essa novidade, as empresas vinculam os benefícios à própria marca ou ao negócio, fidelizando ainda mais o cliente. O cardápio de serviços oferecido às companhias é grande. Vai desde pagamento de contas, crédito, cartões de débito e crédito, maquininhas de pagamento, seguros, Pix, Teds, Docs. Ou seja, quase tudo o que os bancos oferecem.

Sem regulação do BC

A vantagem para as empresas que não são instituições financeiras é que elas não precisam passar pelas regulações do Banco Central, já que os provedores têm as autorizações necessárias para a operação, além de regras de compliance, que devem ser respeitadas. Para o BC, na prática, as empresas que oferecem serviços financeiros, sem ser do setor, funcionam como instituições de pagamento.

— Novas normas do BC favoreceram a segregação da atividade bancária e de pagamentos. Por isso, as empresas que não são do setor financeiro puderam oferecer esses serviços, além de pequenos empréstimos, sem a sofisticação de grandes operações de crédito — diz Diego Perez, presidente da Associação Brasileira de Fintechs (ABFintechs), que lembra que, por isso, elas trazem risco limitado ao setor financeiro, o que é diferente da quebra de um grande banco.

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O empresário José Roberto Krakochansky, presidente fundador da Jazz, plataforma de serviços financeiros, fechou parceria para oferecer conta digital aos 250 mil taxistas da Wappa, que atendem empresas. Eles recebem a remuneração diariamente e têm benefícios como antecipação salarial. A Jazz tem um acordo com o Banco Arbi, instituição “agnóstica”, ou seja, cujos produtos não têm sua marca. A Jazz oferece a tecnologia, e o Arbi entra com os produtos financeiros, que levam a marca da empresa interessada.

— Nossos parceiros não precisam se preocupar com as questões regulatórias, totalmente atendidas pelo banco e podem focar totalmente nos seus negócios — diz Krakochansky.

‘Cashback’ e rendimento

Além disso, segundo Perez, da ABFitenchs, a tendência é que empresas que não sejam do setor financeiro ofereçam uma experiência melhor aos seus clientes, com opção de cashback (devolução de parte do dinheiro em compras), além de carteiras digitais que proporcionam rendimentos melhores que a caderneta de poupança. E elas também não precisam desenvolver tecnologia própria para oferecer esses serviços.

— Nós conhecemos tecnologia e os serviços financeiros. E as empresas conhecem seus clientes. Por isso, ao utilizar o bank as a service , elas podem oferecer os produtos que mais interessam — diz Antonio Soares, um dos fundadores da Dock, plataforma de serviços financeiros, com mais de 300 clientes, entre eles as varejistas Natura e Pernambucanas.

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No caso da Natura, a empresa oferece conta digital com marca própria às consultoras de beleza, e ajuda para gerir a vida financeira, permitindo transferências a outras contas bancárias do mesmo CPF, saques, depósitos e a compra de uma maquininha de cartão.

Potencial de US$ 16 bi

Pesquisa da Dock mostra que o mercado de bancos como serviço tem potencial para movimentar US$ 16 bilhões na América Latina nos próximos anos. A plataforma já comprou uma empresa de infraestrutura bancária no México e está abrindo escritórios nas principais capitais da região. Esta tendência também é uma forma de bancarizar pessoas e democratizar o acesso a serviços financeiros, diz Soares.

O tamanho do mercado está atraindo grandes bancos e empresas. O Itaú anunciou este mês joint venture (parceria) com a Totvs que terá como foco a distribuição de serviços financeiros integrados aos sistemas de gestão da empresa de tecnologia, voltados a clientes empresariais e sua cadeia de fornecedores, clientes e funcionários. O Itaú pagará R$ 1 bilhão para se tornar sócio de com 50% do negócio.

O Digio, banco digital do Bradesco, fez parceria ano passado com a Uber para oferecer a conta digital Uber Conta, para os motoristas do app receberem o pagamento no dia. Eles têm cashback em compras em lojas cadastradas no app. Quem usa o cartão Uber, da mesma conta, para abastecer tem descontos, disse a Uber.

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A multinacional brasileira de tecnologia Stefanini tem uma plataforma de oferta de serviços financeiros chamada Topaz. A Orbitall Payments, que faz parte dessa plataforma, tem como cliente o programa Abastece Aí,do grupo Ultra. O app permite que sejam feitos pagamentos e transferências, com cashback e participação em sorteios de prêmios semanais.

— Há uma nova arquitetura sendo construída no mercado de serviços financeiros para movimentar o dinheiro de forma mais flexível — diz Maurício Zaragoza, sócio e cofundador do FitBank, que desde 2015 vem oferecendo infraestrutura a serviços financeiros.

Tem 200 clientes em 18 setores da economia, de cosméticos ao agronegócio, e recebeu aporte do JP Morgan. Agora começa sua internacionalização e está chegando ao México, até o fim do ano.

O FitBank, por exemplo, estruturou o AgroPago, conhecido como o banco dos leiloeiros de gado. A plataforma funciona como internet banking, faz gestão de recebíveis, além de agregar informações dos animais, como cor e peso.

Carlos Eduardo Benítez, presidente e fundador da BMP Money Plus, plataforma digital de serviços financeiros que tem entre clientes Hyundai, Mercado Livre e a B2W, observa que, ao entrar no ramo financeiro, as empresas não precisam gastar para captar clientes, aliando sua credibilidade aos produtos. E conhecem melhor o comportamento dos consumidores:

— É possível fazer uma análise comportamental.