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Por que é tão difícil escolher o presidente da Petrobras? Entenda as leis e estatutos que blindam o processo

'A União não tem tanto poder quanto aparenta ter', diz especialista. Regras impedem escolhas indiscriminadas
Petrobras: troca no comando é teste para governança da estatal, segundo analistas Foto: Agência Petrobras
Petrobras: troca no comando é teste para governança da estatal, segundo analistas Foto: Agência Petrobras

RIO - A tumultuada troca no comando da Petrobras será um teste de governança para a companhia, avaliam especialistas. O presidente Jair Bolsonaro decidiu afastar o general Joaquim Silva e Luna do comando da estatal, mas ainda não encontrou um substituto. Afinal, por que é difícil emplacar um nome para a presidência da empresa atualmente?

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Como companhia de capital misto, a estatal está sujeita a diversas regulações, além das trazidas em seu próprio estatuto. A Lei das Estatais, a política energética do país e a Lei das S.A. são alguns dos regramentos que a Petrobras precisa observar.

Essa interseção de regras está na origem dos debates recorrentes sobre ingerência política e privatização da companhia.

O consultor Adriano Pires desistiu da indicação, após o executivo Rodolfo Landim ter anunciado que não iria mais aceitar a indicação para a presidência do Conselho de Administração da empresa. Em ambos os casos, pesaram na decisão os conflitos de interesse com o setor privado.

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— Está havendo interferência na gestão da Petrobras? Sim. E isso está previsto. Está nas regras de governança. A estrutura não nega isso, mas impede que aconteçam escolhas indiscriminadas — pondera Hélio França, professor de Estratégia Financeira do IBMEC.

Assembleia de acionistas

E acrescenta:

— O debate deste momento são os requisitos de integridade dos indicados. São eles o problema. Não quer dizer que a pessoa está fazendo algo errado, mas pode ter um conflito de interesse com a vaga e ser impedido.

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O Conselho de Administração da estatal e a diretoria da companhia são escolhidos em assembleia de acionistas, numa composição que soma indicações do governo, de acionistas e funcionários. Todas elas, porém, devem passar pelo crivo do Comitê de Pessoas, que avalia a competência legal, profissional e de integridade dos indicados.

O Comitê de Pessoas da Petrobras, responsável por avaliar a adequação dos indicados a vagas no Conselho e na diretoria executiva da companhia, contava com pareceres contrários à aprovação do economista Adriano Pires para o comando da estatal e de Rodolfo Landim, presidente do Flamengo, para a presidência do board , afirmaram fontes do governo ao GLOBO.

Com isso, os executivos informaram ao governo terem desistido dos cargos para os quais foram indicados.

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André Antunes Soares de Camargo, sócio do TozziniFreire Advogados na área de Governança Corporativa, frisa que “não é fácil indicar hoje o presidente da Petrobras”:

— É preciso provar se a pessoa preenche todos os requisitos exigidos. A União não tem tanto poder quanto aparenta ter. Tecnicamente falando, a estrutura foi modificada para não ter interferência política, com uma blindagem de governança do bloco controlador. O que tem de se debater é se é esse nível de governança que a sociedade brasileira quer.

Lei das Estatais e estatuto da Petrobras

A Lei das Estatais, que começou a vigorar em 2016, após a Operação Lava-Jato, trouxe uma nova referência em administração de empresas públicas, incluindo regras de governança. Também o estatuto da Petrobras foi revisto, tendo passado por novos ajustes no fim de novembro.

— Saímos de um modelo de alta intervenção (do governo nas estatais) para um de quase zero. Para governança, isso não é ruim. A Petrobras nunca teve tanto lucro. O debate que volta sempre a mesa sobre privatização também depende de decidir se a estatal deve ser usada para políticas públicas ou não. Parece que o modelo atual precisa de ajustes — diz Camargo.

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O tema é confuso sobretudo quando se discute se a União pode colocar o interesse nacional e do consumidor como prioritário em detrimento ao dos acionistas, destaca Fernanda Barroso, diretora geral da Kroll para a América Latina.

Lei prevê proteger interesse do consumidor

A lei de política energética tem como objetivos preservar o interesse nacional, promover a livre concorrência, atrair investimentos na produção de energia, mas também proteger os interesses do consumidor quanto a preço, qualidade e oferta de produtos, explica Fernanda Barroso, diretora geral da Kroll para a América Latina.

— Ou seja, a Petrobras pode ser usada para proteger o interesse do consumidor, está previsto. Mas isso é complicado do ponto de vista da concorrência. E a estatal precisa, por exemplo, vender refinarias. Saiu a RLAM, vendida ao Mubadala. As outras estão sendo vistas por investidores nacionais e estrangeiros.

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O estatuto da Petrobras prevê que, se a União decidir por uma operação focada em atender o interesse público, os projetos devem ser avaliados, ter impactos técnicos e econômicos mensurados. E, caso não seja compatível às condições de mercado adequadas ao setor privado, a estatal tem de garantir a compensação da diferença gerada pelo que ela está praticando e a realidade do mercado a cada exercício fiscal.

Como é composto o comando da Petrobras:

  • O Conselho de Administração da Petrobras deve ter entre sete e 11 membros, eleitos em assembleia de acionistas da companhia. A próxima será em 13 de abril. Ao menos 40% deles devem ser independentes, ou seja, não terem vínculo com a estatal. As exceções são o membro escolhido como presidente do board e o membro eleito pelos empregados da petroleira.
  • Para atender a essa exigência de membros independentes, a União escolhe seus indicados a partir de uma lista tríplice elaborada por uma empresa especializada. Lembrando que todo e qualquer membro do Conselho ou da diretoria executiva passa pela avaliação do Comitê de Pessoas.
  • Os acionistas minoritários têm direito a eleger um representante no Conselho, assim como os detentores de ações preferenciais somando em conjunto ao menos 10% do capital social da Petrobras. Outro entra por voto dos funcionários.

  • A União pode indicar a soma desses indicados mais um.

  • A diretoria executiva, incluindo o presidente da companhia, também é escolhida em assembleia de acionistas.

  • Entre as exigências dos executivos indicados aos cargos como membros independentes estão não ter vínculo com a estatal ou empresa estatal do mesmo conglomerado, não ter vínculo familiar com o presidente, ministros ou de administrador da Petrobras ou outra vinculada a ela.

  • Do ponto de vista legal, os indicados não podem ter processos judiciais ou administrativos com decisão desfavorável a eles, além dependências comerciais ou financeiras, por exemplo.