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Economia Negócios

Santos Dumont: 'Se não tiver edital que proteja o Rio, não entrem na licitação', diz Paes, em recado a investidores

Prefeito vai discutir com o TCU modelo de concessão proposto pelo governo federal, que ele avalia como prejudicial ao Galeão e à economia da cidade e do Estado do Rio
O prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, critica modelo de licitação do Santos Dumont  Foto: Fábio Rossi / Agência O Globo
O prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, critica modelo de licitação do Santos Dumont  Foto: Fábio Rossi / Agência O Globo

RIO - Enquanto não estiver garantida uma restrição ao número de voos no Santos Dumont, a Prefeitura do Rio vai manter uma representação no Tribunal de Contas da União contra o edital de leilão do aeroporto.

O objetivo é evitar o esvaziamento do Galeão, o aeroporto internacional da cidade, que tem papel relevante não só no turismo, como na conectividade (ligações diretas de voos com outros destinos) e no abastecimento da indústria com o transporte de cargas.

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O prefeito afirma que já tem audiência virtual marcada com o ministro Walton Rodrigues hoje para discutir o assunto. Ele não descarta a via judicial para evitar maior expansão do terminal no Centro do Rio e diz que se os interesses da cidade não forem protegidos nas regras do leilão, o investidor que arrematar o aeroporto “não terá vida fácil”.

Confira a seguir os principais trechos da entrevista do prefeito ao GLOBO.

Avião na pista do Aeroporto Santos Dumont, no Centro do Rio Foto: Marcelo Régua/22-8-2019 / Agência O Globo
Avião na pista do Aeroporto Santos Dumont, no Centro do Rio Foto: Marcelo Régua/22-8-2019 / Agência O Globo

O governo federal decidiu leiloar o Santos Dumont em separado. A prefeitura vai manter a representação no Tribunal de Contas da União (TCU) contra o edital?

Primeiro, essa decisão a gente tem que comemorar. Ela mostra o quanto tivemos ouvidos surdos durante pelo menos um ano por parte do Ministério da Infraestrutura.

Sempre tivemos como resposta um completo desprezo pelas afirmações, comentários ou questões que levantávamos. Esse movimento do governo federal é para ser aplaudido. Recuar não é problema, não é vergonha. É demonstração de que se está aberto ao diálogo.

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Quero agradecer ao governo federal e ao ministro Tarcísio (de Freitas, da Infraestrutura) por ter, mesmo tardiamente, mostrado capacidade de diálogo. Já havia esse sinal com a criação do grupo de trabalho. Quero crer, e as atitudes do governo federal agora demonstram que não é uma coisa deliberada para destruir o Galeão e sim viabilizar o Galeão.

Era muito mais uma visão equivocada do que se pretende para Galeão e Santos Dumont. Agora, a questão de fundo é que, com as nossas características, momento econômico e até a geografia do Rio, tem que pensar o conjunto.

O Galeão tem importância estratégica e econômica para a cidade. Deve ser priorizado. O Santos Dumont é charmosinho, tem lindo visual. É muito fofo, mas não pode ser o que norteia as decisões.

O Rio vai à Justiça se não houver restrição ao aumento de voos?

A prefeitura vai manter a representação junto ao TCU, esperando que as coisas possam ser resolvidas em um fórum de discussão que não precise de ação judicial, embargo ambiental, de medidas ao TCU. Mas fica a mensagem clara de que iremos ao limite do limite para impedir esse crime contra o Rio.

E qual seria o limite?

O limite do limite é um recado muito claro aos (investidores) privados que, se não tiver um edital que proteja os interesses do Rio de Janeiro, o recado que deixo é que não entrem nessa concessão e nessa licitação porque a vida deles não vai ser fácil com a Prefeitura do Rio. Tenho certeza de que a Câmara de Vereadores, a Assembleia Legislativa e o governo do estado também não darão vida fácil.

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Dar vida fácil a qualquer (concessionário) privado que defenda um modelo que não atenda os interesses do Rio seria entregar os interesses da cidade. O limite é esse... de eu dizer um absurdo aqui. Olha, dou um jeito de tornar o acesso do Santos Dumont um inferno de quem quiser ir para lá.

Claro que estou falando aqui de forma figurada, mas é um pouco isso. Recorrer às ferramentas possíveis e imagináveis: ambiental, trânsito, sob o ponto de vista legal, institucional.

Sigo o diálogo, mas tendo em vista a experiência do último ano, é a forma que a gente encontra para fazer valer os interesses do Rio. Agora, acreditando que esse grupo de trabalho vai chegar a um consenso.

O senhor já disse em rede social que a licitação parecia ter sido dirigida antes da decisão de leiloar o Santos Dumont isoladamente. Por quê?

Porque na hora que bota na conta esses aeroportos de Minas Gerais, prejudica o Galeão e favorece Confins (MG). Não estou acusando ninguém. É uma suposição. Mas a própria manifestação e desejo de Guarulhos, Confins e Brasília de participar do grupo de trabalho...

Eles sabiam que ia prejudicar o Galeão. Não quero condenar o privado porque está ali defendendo o interesse dele. Mas é uma prova de que o governo não pode defender interesses privados.

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Vender o aeroporto isoladamente vai aumentar o interesse do investidor?

A Prefeitura do Rio é mais do que amigável ao investimento privado, a PPPs (parcerias público-privadas), concessões. A prefeitura já fez várias na minha administração. Desde que as regras estejam bem estabelecidas, claras, para que não se prejudique o Galeão, acho ótimo.

O senhor vai participar do grupo de trabalho que revisa as regras da licitação?

Prefiro que seja conduzido pelo secretário (de Desenvolvimento Econômico), Chicão Bulhões, mas se necessário for, participarei.

Se o modelo original da licitação for mantido, qual o impacto para o Rio?

O grande prejuízo que a gente já observa, além dos diretos, é a diminuição do número de turistas. As pessoas deixam de vir pela dificuldade de voos. E o terminal de cargas tem papel fundamental, está acoplado aos interesses dos voos internacionais para o Rio. Fora o hub (centro de distribuição de voos) doméstico, que é necessário para atrair voos internacionais.

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Tem impacto direto na economia, nos produtos e na negociação do terminal de cargas e e turistas. E, lamento informar, o Rio continua sendo o principal local para recepção de turistas estrangeiros.

O senhor fez uma série de críticas ao modelo. Vê motivação política para favorecer outros estados no edital do governo federal?

Falei objetivamente. Acho legítimo, maravilhoso ele (Tarcísio de Freitas) concorrer ao governo de São Paulo. Mas ele não pode usar o cargo de ministro da Infraestrutura, posição na qual tem que atender interesses de todo o Brasil, para fazer sua campanha.

É uma das suspeitas que levantei. Respeito, admiro o trabalho, mas não use a função para defender uma unidade da federação que, por acaso, ele quer ser candidato a governador.

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Como tem sido a interlocução com o governo federal?

Esse governo Bolsonaro é muito ideológico e partidário. Ou você é capacho ou é meio maltratado. Mas estou confortável na minha posição de maltratado. A mim não tem problema.

Só não maltrate a minha cidade. A gente tem que ser republicano nessas horas. Tem de tratar bem todos os níveis de governo, independentemente da posição eleitoral.

O Galeão já sente algum impacto desse debate?

Há um excesso de voos no Santos Dumont que prejudica o Galeão. A gente precisa começar a discutir como melhorar.