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Um rival para Uber e 99? Motoristas de SP preparam aplicativo próprio para ter maior remuneração

Grupo de 150 mil se organiza em SP para criar o "Me Busca", com taxa fixa por corrida. Com alta da gasolina e do custo de manutenção dos carros, renda caiu
Trabalhadores de SP se organizaram para lançar um novo aplicativo de trnasporte Foto: Reprodução
Trabalhadores de SP se organizaram para lançar um novo aplicativo de trnasporte Foto: Reprodução

SÃO PAULO — O celular toca solicitando uma nova viagem. Valmir verifica a distância que o separa do passageiro, que espera em um ponto de São Paulo, e o rejeita. Em tom irônico, diz que virou matemático, pois se vê obrigado a fazer cálculos para terminar o dia com saldo positivo.

— Pelas altas da gasolina, tenho que fazer contas logo para escolher corridas rentáveis e não acabar dando uma carona para o passageiro — diz o homem de 56 anos, que há três trabalha para plataformas digitais de transporte na maior cidade na América Latina.

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A precarização do ofício está levando esses trabalhadores, que somam150 mil na cidade, a se organizarem para lançar um aplicativo, que eles dizem ser pioneiro, e concorrer com os gigantes Uber e 99.

Chamada "Me Busca", a plataforma criada por uma empresa brasileira e apoiada pela Associação de Motoboys e Motoristas de Aplicativos de São Paulo (Ammasp) é, segundo seus idealizadores, a primeira da região a surgir de uma iniciativa de autogestão. Embora já tenha havido um projeto anterior na Colômbia, sem sucesso.

— Queremos que os motoristas consigam todas as condições que as empresas não proporcionam: melhores remunerações, mais segurança e mais qualidade de trabalho— afirma à AFP Eduardo Lima, presidente da Ammasp.

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Antes mesmo de seu lançamento, previsto para março, o aplicativo já conta com milhares de adesões, e eles esperam que se espalhe pelo país.

Presidente da Associação dos Motoristas de Aplicativos de São Paulo (Amasp), Eduardo Lima, mostra o aplicativo de transporte "Me Busca" Foto: Florence Goisnard/AFP
Presidente da Associação dos Motoristas de Aplicativos de São Paulo (Amasp), Eduardo Lima, mostra o aplicativo de transporte "Me Busca" Foto: Florence Goisnard/AFP

Contas que não fecham

No Brasil, os combustíveis subiram em média 49% em 2021, aumentando os gastos dos motoristas, também afetados pela inflação geral de 10,06% e pela alta na manutenção dos veículos, como nos preços de peças e acessórios (11%).

Raniel de Queiroz, 42 anos, trabalha em uma empresa de tecnologia, mas às 18h desliga o computador e se senta ao volante por oito horas.

— O salário não acompanha o aumento de preços. Com a inflação, dirigir foi uma forma de ter uma renda a mais e poder me equalizar — diz.

No entanto, a relação com a plataforma "piorou e ficou mais injusta", diz Queiroz, que recentemente instalou gás em seu carro como combustível alternativo para ampliar sua margem.

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Embora as tarifas para os passageiros tenham aumentado 60,5% em 2021 na capital paulista, Valmir não sentiu no bolso:

— Estou trabalhando mais, geralmente 12 horas, 13 horas por dia, às vezes até 14 horas, para fazer o mesmo dinheiro — lamenta o motorista, que ganha entre R$ 250 e R$ 300 brutos por dia.

Taxas variáveis e fixas

Segundo Lima, da Ammasp, as plataformas retêm "entre 14% e 40%, mas chegam até a 60%" do valor da viagem.

— O Me Busca vai ter uma taxa fixa e o cálculo é que vai dar ganhos de R$ 2.000 a R$ 2.200 por mês trabalhando as mesmas 70 horas por semana — afirma.

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A Uber, que chegou ao Brasil em 2014 e conta com um milhão de trabalhadores, aplica um percentual variável desde 2018, quando modificou sua taxa fixa de 25%.

— O motorista parceiro sempre fica com a maior parte do valor pago pelo usuário — garantiram fontes da empresa à AFP.

Apps de transporte de passageiros anunciam reajuste de até 6,5% nos preços das viagens Foto: Hermes de Paula / Agência O Globo
Apps de transporte de passageiros anunciam reajuste de até 6,5% nos preços das viagens Foto: Hermes de Paula / Agência O Globo

Para motoristas que “dirigiram cerca de 40 horas” em São Paulo, a “média de ganhos semanais no último mês” foi estimada “em mais de R$ 1.500”, informou a Uber. A rentabilidade, porém, varia de acordo com o dia, horário e local.

No ano passado, o crescimento da demanda causou um "desequilíbrio temporário no mercado", explicou a empresa, que tenta resolver a questão com incentivos, como preços dinâmicos, para evitar cancelamentos que levaram à suspensão de 1.600 trabalhadores.

A 99 também destacou suas ações para atender as reivindicações: reajustes de "10% a 25%" nas remunerações em 2021, e aumentos de 8% por km rodado este ano em São Paulo, indicou um porta-voz

No entanto, os motoristas continuam descontentes.

— Estamos esperançosos. Estou torcendo para esse app dar certo, é o que mais quero. Se der, as empresas vão se arrepender de não terem escutado — diz Queiroz.