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Economia

'No Brasil, as pessoas mais talentosas estão em funções sem relação com inovação ou produção', diz Ricardo Paes de Barros

Para o economista-chefe do Instituto Ayrton Senna, a baixa produtividade brasileira não é causada pela educação
Ricardo Paes de Barros, economista-chefe do Instituto Ayrton Sena e professor do Insper Foto: IVAN FRANCHET
Ricardo Paes de Barros, economista-chefe do Instituto Ayrton Sena e professor do Insper Foto: IVAN FRANCHET

RIO - Ricardo Paes de Barros, economista-chefe do Instituto Ayrton Senna e professor do Insper, é um dos mais respeitados pesquisadores sobre pobreza e desigualdade, e diz que a baixa produtividade brasileira não é causada pela educação. Ao contrário. Diz que o Brasil investiu muito no setor e não conseguiu que esse esforço se traduzisse no aumento da produtividade, como outros países, como Coreia do Sul e China. E cita o ambiente de negócios como um dos fatores que explicam o desempenho fraco do país.

Por que o aumento da escolaridade nas últimas décadas não se refletiu em maior produtividade?

O crescimento da produtividade no Brasil é a metade do crescimento da África. É muito baixo. E por muitos anos. Um dos grandes fatores é o ambiente de negócios. O crescimento econômico vem se você aproveitar a oportunidade. Se há um ambiente onde não se consegue abrir uma empresa, não se consegue fechar uma empresa e ainda tem que entender a legislação tributária, a trabalhista... Um ambiente de negócios muito ruim faz com que você cresça pouco. No Brasil, as pessoas mais talentosas estão, muitas vezes, em áreas que não têm nada a ver com inovação e produção. A pessoa é alocada no setor tributário, está cuidando da questão trabalhista, ou está tentando ver como está o mercado financeiro. As empresas tentam reduzir o prejuízo não ganhando mercado ou inovando, ficam aumentando a produtividade e lucratividade reduzindo custo trabalhista, vendo qual a maneira melhor de  pagar menos imposto, muito confuso. Fica vendo como gerenciar recursos financeiros.

Como é essa relação em outros países?

Se você for para outro país, os mais talentosos vão estar inovando, gerando um novo produto, melhorando a produtividade. As empresas em geral deveriam aumentar sua lucratividade investindo em inovação, numa maneira de produzir a um custo menor. Então, se o Brasil desloca seus talentos para essas coisas não produtivas, não é surpreendente que não aumente a produtividade. O Brasil também investiu muito pouco em infraestrutura. A produtividade tem tudo a ver com a qualidade da infraestrutura.  Mas a escolaridade aumentou... O Brasil tem produção científica per capita muito parecida com a China, mas o número de patentes é muito pequeno. Tivemos um crescimento fantástico na produção científica, textos, artigos publicados nas principais revistas científicas mundiais. O fomento à pesquisa científica feita por CNPq, Capes, Finep e Fapesp, Faperj teve um resultado fantástico. Produzimos uma quantidade enorme de doutores e mestres. As únicas metas do Plano Nacional de Educação que estamos cumprindo é na pós-graduação. Mas não conseguimos traduzir isso em inovação. O Brasil é um dos países do mundo que mais cresceu em publicações científicas e um dos que menos cresceu em patentes. Não transforma conhecimento científico em inovação, em prática. A nossa universidade não conversa muito bem com o sistema produtivo. E o setor produtivo tem um certo preconceito contra a universidade. Acha que dali não vai sair nada muito útil.

Houve uma mudança no mapa da vanguarda na educação no Brasil. Com estados do Nordeste ganhando a liderança. Quais as lições desses estados?

O Brasil teve uma mudança marcante nesse quesito. Há dez anos, claramente a vanguarda educacional brasileira estava no Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Minas Gerais, São Paulo. Esses estados todos perderam essa vanguarda. No ensino médio, Pernambuco, Espírito Santo e Goiás melhoraram de uma maneira muito acelerada. Ceará melhorou muito, mais na educação fundamental do que no ensino médio. O que caracterizou todos esses estados foi a continuidade de políticas estaduais de educação.

Qual chama mais atenção?

Pernambuco é mais impressionante, porque houve mudanças políticas, e a política educacional foi mantida. Isso mostra que, se um estado estabelece uma política educacional estável e bem bolada, o estado avança. Se o Rio de Janeiro tivesse mantido a política do Risolia (ex-secretário estadual de Educação do governo Sergio Cabral, Wilson Risolia), talvez o Rio de Janeiro estivesse muito bem agora. É o caso mais exótico, porque você teve a continuidade praticamente do mesmo governo. Eu acho que todos os estados que avançaram tinham uma coisa em comum: estavam convencidos de que estavam mal, tinham problemas na educação. Um dos grandes problemas de São Paulo, Santa Catarina, Minas Gerais e Rio Grande do Sul é que não achavam que tinham um grande problema. Os estados tradicionais deixaram de inovar.

Quais são so reflexos nos indicadores educacionais da crise no Ministério da Educação?

Nosso diagnóstico não consegue ver isso, mas, especulando, o que o MEC fizer tem um reflexo grande na educação superior. Tem o Enem na mão e vários outros sistemas de entrada na universidade. Mas na educação básica, há relativamente pouco recurso nas mãos do MEC. A maior parte dos recursos para educação básica vem do Fundeb, que vai compulsoriamente para estados e municípios. O MEC administra programas de alimentação, livro didático, transporte escolar, mas o dinheiro vai direto para a escola. É logico que ele pode contingenciar, complicar um pouco a história, mas não tem muita interveniência do MEC. Logo, na verdade, município ou estado bem organizado não vai ser muito influenciado.

Mas as grandes decisões, do ponto de vista normativo, têm impacto?

Sim. Muito grande. Um ano atrás, estava muito na mão do governo federal, a nova base curricular e novo ensino médio. Hoje, já tem essa diretriz. Agora tem que implementar. O Fundeb está sendo renegociado, mas tem pouco a ver com o MEC, tem a ver com o Congresso. É claro que você ter uma grande liderança no MEC ajuda muito a educação brasileira. Seria muito bom que o MEC tivesse um bom guia para implantação da base, detalhado, oferecesse assistência técnica para implantação do novo ensino médio. Mas se não  tiver, não impede que o estado implemente direitinho. Nesse momento, o MEC está mais ou menos organizado, não é o pior dos mundos. Embora tudo que a gente queira é um MEC iluminado, que vai dar a liderança educacional que a gente tanto precisa. Sem minimizar a importância da liderança do MEC, eu diria que é importante que o Inep continue funcionando bem, porque sem Inep não tem Enem, não tem Prova Brasil, avaliação nacional do analfabetismo e aí nós vamos perder as nossas bússolas todas. O MEC, como regulador da política educacional, se ele ficar quietinho não vai atrapalhar muito.