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Economia

No pós-pandemia, Brasil terá dados defasados do Censo que dificultarão políticas públicas de saúde

Ameaça à pesquisa pode dificultar desde planejamento de vacinação e leitos de UTI até planejamento para outras epidemias
Censo de 2021 está sob risco após cortes feitos pelo Congresso Foto: Arquivo
Censo de 2021 está sob risco após cortes feitos pelo Congresso Foto: Arquivo

RIO - A incerteza sobre a realização do Censo Demográfico, diante do corte de 96,5% do orçamento , aprovado nesta quinta-feira, para a pesquisa, tem preocupado especialistas da área da saúde que dependem das informações para realizar estudos científicos.

O risco, alertam eles, é de um apagão estatístico diante da mais grave crise sanitária experimentada. Como consequência, a defasagem do Censo, que já dura onze anos, pode minar políticas públicas para os próximos anos.

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Nesta quinta-feira, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) pediu que a corte determine a retomada da realização do Censo imediatamente. Segundo informou a colunista do GLOBO, Bela Megale , o pedido foi feito com base em uma reportagem publicada no jornal , que mostra que o atraso no censo vai prejudicar repasse de recursos a municípios.

A pesquisa é considerada a mais completa realizada no Brasil, com informações detalhadas sobre a população e as condições de moradia em mais de 5,5 mil municípios.

Na prática, dados demográficos do Censo são utilizados por médicos e pesquisadores para elaborar indicadores e planejar intervenções na área da saúde. Os dados demográficos costumam ser usados como denominador de taxas como expectativa de vida, fecundidade, incidência e prevalência de doenças e proporção de leitos hospitalares por população.

Esta não é a primeira vez que o IBGE sofre com a falta de recursos do governo federal para realizar pesquisas. Outros estudos mais recentes foram adiados ou suspensos, como a contagem da população brasileira em 2015, que foi adiada para 2016 e depois cancelada. A última contagem foi realizada no Censo de 2010.

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O Censo Agropecuário também já deixou de ser realizado por conta de cortes orçamentários da União. O de 2010 não foi realizado, e o de 2015 só foi a campo em 2017.

"Uma sociedade sem informação", diz especialista

O sociólogo José Eustáquio Diniz Alves, mestre em economia e doutor em demografia, lembra que o Brasil já passou pelo adiamento do Censo de 1990, atrasando estudos e prejudicando séries históricas.

Ele destaca, porém, que o cenário atual de adiamento da pesquisa somado à redução de verba e crise sanitária tornam ainda mais grave a ausência das estatísticas:

— Somos uma sociedade da informação e cada vez mais as pessoas precisam dela. Plataformas como Google, Facebook, Waze, que utilizam big data, se não tiverem o tamanho correto de uma população ficam prejudicadas porque não têm como calibrar. Não ter o Censo nesse momento atual é mais grave do que no passado.

Veja: Atraso no Censo vai prejudicar repasse de recursos a municípios

A pesquisadora Lígia Bahia, especialista em saúde pública da UFRJ, destaca que, diante da defasagem do Censo, dados de abrangência nacional que só são coletados pela pesquisa já devem ter se alterado em função da pandemia.

— A expectativa de vida no Brasil terá que ser ajustada porque certamente perdemos um pouco. A própria dinâmica da população, inclusive no que se refere às taxas de fecundidade, pode ter se alterado.

Ela também vê com preocupação os números disponíveis sobre coberturas vacinais no país. O risco, aponta, é que autoridades planejem políticas públicas no escuro:

— Podíamos ter um ajuste muito mais “perfeito” entre as necessidades e os recursos destinados.

Falta de planejamento para as próximas epidemias

A pesquisadora Margareth Portela, uma das coordenadoras do Observatório Covid-19 da Fiocruz, lembra que as informações do Censo são cruciais para tomadas de decisões, que impactam desde a distribuição de recursos hospitalares de acordo com as características de cada município até o planejamento de vacinação:

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— Na epidemiologia, você não faz nada sem saber de qual população você está tratando. Quantos leitos de UTI eu tenho para dez ou cem mil habitantes? Como fazer isso sem uma contagem? Isso importa para pesquisa e para o gestor no campo de saúde, para entender se o recurso é suficiente ou se há uma escassez grande.

Para o pesquisador do Instituto de Medicina Social da UERJ, Mario Roberto Dal Poz, que trabalha analisando recursos humanos na área da saúde, o Censo permite a criação de políticas de saúde tendo em vista não apenas o repasse de recursos financeiros, mas o capital humano disponível e necessário para determinados programas.

A tendência, aponta, é sofrermos com a falta de planejamento para próximas epidemias no país, em razão da ausência de estatísticas:

— O Censo é o padrão ouro de informação do país. Estamos diante de uma situação, que é a pandemia, que não foi a primeira e nem será a última a exigir preparo. Já temos a escassez de profissionais tanto em áreas geográficas como em áreas de trabalho. Não ter o Censo é tomar decisões olhando para ontem, criando políticas que não serão válidas para o amanhã.