Economia
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Por Manoel Ventura — Brasília

O Senado aprovou nesta quinta-feira, em dois turnos, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) Eleitoral, aquela que viabiliza "bondades" do governo ao instituir até o fim do ano um estado de emergência no Brasil. O objetivo é liberar o governo para ampliar gastos e viabilizar a criação e a ampliação de uma série de benefícios sociais a três meses das eleições. O texto segue agora à análise da Câmara, onde a expectativa é que seja votado na próxima semana.

A aprovação dessa PEC, segundo juristas, abre um precedente perigoso e irreversível, pois pode permitir que qualquer pretexto seja utilizado tanto para driblar a lei eleitoral como para afrontar a Constituição, criando um "vale-tudo eleitoral. O drible na lei eleitoral pode comprometer a isonomia da disputa neste e em outros pleitos, alertam os especialistas.

No primeiro turno, a PEC foi aprovada por 72 votos a favor e 1 contrário. No segundo turno, por 67 votos a favor e 1 contrário. Apesar de a proposta ser considerada um "cheque em branco" para o presidente Jair Bolsonaro, que está em segundo lugar nas pesquisas eleitorais, a oposição votou a favor. Senadores até tentaram tirar o estado de emergência da PEC, mas votaram a favor assim mesmo. O único voto contra foi do senador José Serra (PSDB-SP).

Durante a votação, o custo total das medidas subiu de R$ 38,7 bilhões para a R$ 41,2 bilhões, com a inclusão de um benefício mensal de R$ 200 para taxistas e ampliação do programa Alimenta Brasil (veja os detalhes abaixo). Os auxílios foram desenhados pelo governo e são vistas pelo Palácio do Planalto como importantes para alavancar a campanha do presidente Jair Bolsonaro à reeleição.

Mesmo criticado por senadores da oposição e juristas, foi mantido no texto a instituição de um estado de emergência para driblar a lei eleitoral.

A legislação proíbe a concessão e a criação de benefícios no ano do pleito, o que só permitido em casos de calamidade ou emergência. Para contornar essa situação, o texto prevê, então, o estado de emergência relacionado ao preço dos combustíveis.

Durante as discussões, o senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), relator da PEC, fez alterações no texto para deixar o estado de emergência mais restrito e limitado às medidas que constam na própria proposta, sem brechas para expansão dos gastos e sem possibilidade de outras ações de Bolsonaro.

"Fica reconhecido, no ano de 2022, o estado de emergência decorrente da elevação extraordinária e imprevisível dos preços do petróleo, combustíveis e seus derivados e dos impactos sociais deles decorrentes", diz o texto da PEC. A ementa da PEC "reconhece o estado de emergência decorrente da elevação extraordinária e imprevisível dos preços do petróleo, combustíveis e seus derivados e dos impactos sociais deles decorrente".

Durante a análise da proposta, houve uma preocupação especialmente com um dos incisos do projeto. O risco, disseram, era criar um cheque em branco. Esse inciso dizia que, durante o estado de emergência, seria observada a "não aplicação de qualquer vedação ou restrição prevista em norma de qualquer natureza". Coelho tirou esse trecho.

A redação também foi alterada para deixar mais claro que o estado de emergência está limitada à crise causada pela alta no preço dos combustíveis.

— Deixamos claro que as medidas autorizadas pelo estado de emergência reconhecido serão somente aquelas do rol do artigo 3º (os benefícios que constam na PEC), sem possibilidade de novos programas com base nessa mesma motivação. Adicionalmente, restringimos o alcance também ao limite das despesas de que trata o próprio estado de emergência. Não resta dúvidas, pois, de que não haverá brecha ou espaço para novas medidas ou ampliação de gastos dessas mesmas medidas — disse Bezerra.

O texto da PEC diz que, "para enfretamento ou mitigação dos impactos decorrentes do estado de emergência reconhecido, as medidas implementadas, até os limites dos montantes previstos em uma única e exclusiva norma constitucional", será observado uma série de regras para restringir os gastos e as regras ao que está previsto no próprio texto (criação e ampliação de auxílios).

Serra justificou, nas redes sociais, seu voto. Disse que a proposta se trata de uma bomba fiscal: "Na verdade, o 'pacote de bondades' é eleitoreiro, só vai até dezembro de 2022 e compromete o futuro das contas públicas. Além disso, a perda de credibilidade fiscal vai estimular inflação, juros mais elevados e reduzir os investimentos necessários para a geração de emprego e renda, que é a mais importante política de combate à pobreza de que dispomos".

Senadores da oposição criticaram a instituição do estado de emergência, mas mesmo assim votaram a favor.

— Estado de emergência é uma coisa muito séria para ficar se decretando a cada momento. Evidentemente, porém, isso não pode pesar mais que os benefícios. Mas usar o estado de emergência é intolerável — disse Jean Paul Prates (PT-RN).

Alessandro Vieira (PSDB-SE) afirmou que a nova redação da PEC reduz os riscos.

— Hoje o texto que entregamos não permite excessos, arroubos, para além daqueles que estão permitidos no texto dessa PEC. Mas é preciso dizer que nos falta planejamento e compreensão do cenário global. A maior parte das preocupações que ocuparam a mídia não mais procedem — afirmou.

Zenaide Maia (PROS-RN) afirmou que vota a favor da PEC, mesmo com críticas:

— É claro que nós votamos a favor da PEC, porque quem tem fome, tem pressa. Essa PEC é uma maneira de burlar a lei eleitoral.

Benefícios a 90 dias da eleição

Programa Proposta Custo até dezembro
Auxílio Brasil Elevar o valor mínimo de R$ 400 para R$ 600 e zerar a filia R$ 26 bilhões
Vale-gás Passará a ser equivalente a um botijão de 13 kg a cada dois meses R$ 1 bilhão
Caminhoneiros Criar benefício de R$ 1.000/mês R$ 5,4 bilhões
Transporte Subsidiar gratuidade para maiores de 65 anos R$ 2,5 bilhões
Etanol Subsídos R$ 3,8 bilhões
Taxistas Benefício mensal de R$ 200 para taxistas R$ 2 bilhões
Alimenta Brasil Ampliação do programa R$ 500 milhões
Total R$ 41,2 bilhões

O texto da PEC destinava ainda até R$ 1,3 bilhão "para fazer a atualização tecnológica necessária à concessão desse benefício". Também destinava R$ 50 milhões para esse mesmo objetivo no caso do vale-gás. Os dois benefícios são pagos pela Caixa Econômica Federal. Senadores da oposição viam nesses dispositivos uma forma de gastar com publicidade e na troca dos cartões do programa, já que muitas famílias ainda têm cartões do Bolsa Família. Por isso, Bezerra mudou o texto para vedar o uso para qualquer tipo de publicidade institucional .

Apesar da PEC ser patrocinada pelo governo, a autoria formal do texto é de parlamentares. Mesmo contrariados, senadores votaram a favor do projeto. Bolsonaro comemorou a aprovação da medida.

— Então, Auxílio Brasil vai de R$ 400 para R$ 600, tem o auxílio caminhoneiro de R$ 1.000. Sei que é pouco, sei que caminhoneiro gasta bastante combustível, mas é uma ajuda que nós estamos dando aqui, e vamos dobrar também o valor do vale-gás. E vem mais coisa também sobre redução de impostos de combustíveis nesta PEC — disse.

Benefícios a taxistas

Durante a discussão da proposta, o governo cedeu e aceitou incluir um novo benefício na PEC. Foi estabelecido um benefício mensal de R$ 200 mensais para taxistas limitado a R$ 2 bilhões. Os motoristas de aplicativo não serão beneficiados. São considerados taxistas os profissionais que residam e trabalhem no Brasil, o que deve ser comprovado mediante apresentação do documento de permissão para prestação do serviço emitido pelas municipalidades.

— Os demais segmentos a gente pensa uma outra forma e um outro momento — disse o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). — O presidente Bolsonaro teve que entrar no circuito por causa de uma certa resistência no Ministério da Economia.

O senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR) criticou o benefício:

— Eu acho que nós vamos criar um problema muito sério. Nós vamos criar uma competição desleal no mercado de transporte. Isso é muito horrível. Claro que a situação não está fácil para ninguém, mas, também, se começarmos a criar, a fazer puxadinho, taxista, transporte escolar, os ribeirinhos que precisam do barco, e aí tem uma sequência enorme de pessoas que dependem do seu veículo para trabalhar, então, eu acho que nós não devíamos entrar na gasolina em hipótese alguma.

Os benefícios estabelecidos com a PEC serão pagos do teto de gastos e das demais regras ficais. Por isso, foi necessário aprovar uma mudança na Constituição.

Além de aumentar o benefício mínimo para R$ 600 (hoje são R$ 400), a proposta indica zerar a fila do Auxílio Brasil, o programa que substitui o Bolsa Família.

Hoje, são 1,6 milhão de famílias na fila do Auxílio Brasil. Ou seja, são pessoas que têm direito ao benefício, mas que não foram incluídos no programa por restrições orçamentárias. Atualmente, cerca de 18 milhões de famílias recebem o benefício.

Auxílio para caminhoneiro

Além do Auxílio Brasil, a PEC cria um auxílio para caminhoneiros autônomos de R$ 1.000 mensais, a um custo de R$ 5,4 bilhões até o fim do ano. Para atingir esse público, o governo usará um cadastro da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), atualizado até o fim de maio. O objetivo é que não haja uma corrida por novos cadastros.

Os dados da ANTT apontam que, até maio, havia 872.320 transportadores autônomos de cargas no país. São essas pessoas que serão beneficiadas com o Pix Caminhoneiro. Caberá ao Ministério da Economia definir o operador bancário responsável pela operacionalização dos pagamentos.

Haverá também uma compensação pela gratuidade a idosos no transporte público, com o intuito de evitar que as tarifas subam, a um valor de R$ 2,5 bilhões. Esse valor será destinado aos municípios e às empresas de transporte urbano.

Vale-gás

O senado incluiu uma compensação aos estados para reduzirem os impostos sobre o etanol, de maneira a deixar esse combustível com a mesma competitividade da gasolina. Isso custará R$ 3,8 bilhões.

Já a ampliação do vale-gás deve custar aproximadamente R$ 1 bilhão. Hoje, o vale-gás garante às famílias beneficiadas um valor de 50% do preço médio de revenda do botijão de GLP (hoje em R$ 53). Com a nova proposta, a União iria subsidiar 100% do preço a cada dois meses.

Todas essas medidas terão caráter emergencial e duração prevista até 31 de dezembro de 2022. A exceção é a fila do Auxílio Brasil — os beneficiários serão incluídos no programa permanentemente.

Bezerra disse que as medidas serão pagas com receitas extraordinárias, como a decorrente da privatização da Eletrobras, de R$ 26 bilhões, e dividendos de estatais (especialmente Petrobras e os bancos públicos), de R$ 20 bilhões a R$ 30 bilhões.

Inicialmente, a PEC previa uma compensação aos estados em troca de eles zerarem alíquota do ICMS sobre diesel e gás até o fim do ano. Essa ideia foi abandonada pelo Congresso, que passou a discutir criar benefícios diretamente à população a três meses da eleição.

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