Puxada por alimentos e refeições fora de casa, a inflação acelerou de 0,47% em maio para 0,67% em junho, segundo dados do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) divulgados pelo IBGE nesta sexta-feira. A pesquisa mostra que os preços seguem pressionados ao consumidor: em 12 meses, o índice ficou em 11,89%. Há dez meses o índice permanece no patamar de dois dígitos, algo que não ocorria desde 2003, quando o indicador ficou nesse patamar por 13 meses seguidos.
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Segundo o IBGE, é a maior variação para o mês de junho desde 2018, quando subiu 1,26%. O resultado veio ligeiramente abaixo do esperado. Economistas projetavam alta de 0,71% no mês, segundo mediana do Valor Data.
Processo de desinflação’ mais lento
Economistas avaliam que a redução do ICMS sobre combustíveis e energia elétrica deve diminuir os preços desses itens no curto prazo, e muitos esperam deflação no IPCA de julho por conta disso. Por outro lado, o processo de “desinflação”, ou seja, da diminuição da alta dos preços no indicador, será mais lento do que se esperava.
Isso porque, com a aprovação da PEC eleitoral no Senado - que prevê ampliação de Auxílio Brasil e ajuda para caminhoneiros -, o governo gastará cerca de R$ 41,2 bilhões. Boa parte destes recursos serão injetados na economia, o que tende a manter os preços pressionados. Maior gasto fiscal em ano eleitoral e retorno da carga tributária em 2023 implicam em dólar mais alto e aumento das expectativas para a inflação no ano que vem.
Além disso, a divulgação do IPCA nesta sexta-feira mostrou que segue elevada a média dos núcleos e serviços subjacentes, indicador que o Banco Central acompanha para calibrar a política monetária para conter a inflação, e que veio acima do consenso mercado.
O Itaú Unibanco reduziu a projeção para o IPCA de 2022 nesta sexta-feira, de 7,5% para 7,2%, e manteve a expectativa de 5,6% para o ano que vem.
— A desinflação fica mais lenta com o retorno do imposto federal ano que vem e também com o próprio processo de inflação, uma vez que está alta, disseminada e espalha para os serviços, o que acaba levando à inércia inflacionária — explica Júlia Passabom, economista do banco.
Maior pressão sobre o Banco Central
Com o aumento do risco fiscal diante da elevação dos gastos do governo, é a política monetária que tem feito o dever de casa para conter a inflação, segundo os economistas. Na medida em que o governo amplia o gasto no momento em que a demanda está mais aquecida pela reabertura e retomada dos postos de trabalho, recai ainda mais pressão sobre o Banco Central, que pode não conseguir entregar nem mesmo o teto da meta de inflação para 2023, de 4,75%.
Vitor Martello, economista-chefe da Parcitas Investimentos, avalia que o dado do IPCA desta sexta-feira reforça a urgência de o BC elevar a taxa Selic para 13,75% ao ano.
— Num ambiente de riscos, não vejo espaço para fechar a porta na comunicação. O BC tenta entregar na meta e o fiscal vai na contramão. Num cenário pior, a inflação do ano que vem pode ir até para 5,5% ou 6%, por isso o BC não pode baixar a guarda — diz Martello, que espera IPCA de 5,2% no ano que vem, e lembra que no período inflacionário de 2015, o processo de desinflação contou não só com a política monetária, mas também com a ala política e o fiscal.
Preços dos alimentos seguem pesando no bolso; leite sobe 10,72%
Todos os nove grupos investigados pela pesquisa ficaram no campo positivo. A alta do indicador foi influenciada principalmente pelo aumento de 0,8% no grupo Alimentação e bebidas, que tem peso de 21,26% no índice geral. Os preços dos alimentos para consumo fora do domicílio subiram 1,26%, com destaque para a refeição (0,95%) e o lanche (2,21%).
— Assim como outros serviços que tiveram a demanda reprimida na pandemia, há também uma retomada na busca pela refeição fora de casa. Isso é refletido nos preços — explica o gerente da pesquisa, Pedro Kislanov.
Também subiram os preços do leite longa vida e do feijão-carioca, com altas de 10,72% e 9,74%, respectivamente. Somente o leite teve um impacto de 0,09 ponto percentual no mês. Com isso, os alimentos para consumo no domicílio subiram 0,63%. Por outro lado, houve queda em itens como a cenoura, cebola, batata-inglesa e o tomate.
Outro fator que influenciou o resultado em junho foi o aumento do plano de saúde, que subiu 2,99% em junho e teve o maior impacto individual no índice do mês, contribuindo com 0,10 ponto percentual. O aumento está associado ao reajuste de até 15,5% nos planos individuais, autorizado pela ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) em maio. Com o movimento de alta dos preços, o grupo de saúde e cuidados pessoais subiu 1,24%.
Preço das passagens aéreas acumula alta de 122,40% no ano
Já o grupo Transportes registrou alta de 0,57%, indicando um recuo frente ao mês anterior (1,34%). A desaceleração se deu em função da queda de 1,20% nos preços dos combustíveis. Segundo o IBGE, o efeito da redução das alíquotas de ICMS possivelmente já aparece no IPCA.
O governo de São Paulo, por exemplo, reduziu o ICMS na gasolina no dia 27 de junho, com efeitos retroativos ao dia 23 do mês. Como o período de referência da pesquisa do IPCA se encerrou no dia 29, o levantamento já captou certa redução dos preços. Em junho, os preços da gasolina caíram 0,72%, enquanto os do etanol recuaram 6,41% e os do óleo diesel subiram 3,82%.
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A maior variação registrada pelo grupo, por outro lado, veio dos preços das passagens aéreas, que subiram 11,32% no mês e acumulam alta de 122,40% no ano. O ônibus urbano também teve aumento no preço, com alta de 0,72% no mês.
— Ainda houve reajustes nas tarifas de ônibus urbano e ônibus intermunicipais em alguns locais, como Salvador e Aracaju — ressalta Kislanov, ao explicar a alta do grupo Transportes.
O grupo Vestuário, por sua vez, subiu 1,67% Os destaques foram as roupas masculinas e femininas, que subiram 2,19% e 2%, respectivamente. Os preços das roupas infantis e dos calçados e acessórios também pressionaram.
— Esse grupo tem registrado alta mês após mês. Uma das explicações é o aumento de preços das matérias-primas, principalmente do algodão. Há também a influência indireta de outros fatores, como a alta dos combustíveis — diz o pesquisador.
Perspectivas
Economistas vinham revisando para baixo as projeções para a inflação deste ano em função da desoneração de impostos federais sobre combustíveis e a fixação de teto de 17% para a cobrança do ICMS sobre o produto.
Só que a aprovação da PEC Eleitoral, que prevê mais R$ 200 no Auxílio Brasil a 18 milhões de famílias, ajuda a caminhoneiros e taxistas, além de vale-gás, devem anular o efeito baixista da redução sobre os preços dos combustíveis e pressionar a inflação deste e do próximo ano, segundo analistas.
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Isso porque as medidas de estímulo aprovadas tendem a se tornar um gasto extra para as famílias, pressionando ainda mais os preços de produtos e serviços já inflacionados. Outro impacto da PEC se dá sob efeito indireto: com o excesso de gastos pelo governo, a percepção de risco fiscal aumenta e afasta investidores, o que faz o dólar subir. Sua valorização afeta os custos das empresas, que acaba sendo repassado para os preços internos voltados ao consumidor.
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O ano de 2022 será o segundo consecutivo em que o Banco Central não conseguirá cumprir a meta de inflação. Este ano, a meta de inflação é de 3,5%, com intervalo de 1,5 ponto percentual. O BC admitiu em junho a alta probabilidade de descumprimento não só da meta, mas do teto da meta (5%).