As campanhas de Lula e de Jair Bolsonaro estudam meios de ampliar despesas em 2023, mas sem abrir mão do discurso de responsabilidade fiscal. A três semanas do segundo turno, nenhum dos candidatos apontou o que deve ser o substituto do teto de gastos, a regra fiscal instituída em 2016, que funciona como uma trava ao aumento do dispêndio público.
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O tema é a principal preocupação de economistas e do mercado financeiro a respeito do próximo governo. Embora não haja definição em relação à nova âncora fiscal, as candidaturas começam a dar pistas do que podem ser suas propostas.
Um ponto de consenso é a necessidade de aprovar uma licença para gastar mais em 2023, independentemente da regra fiscal adotada. A avaliação é que um waiver seria necessário logo no início do próximo ano para garantir o pagamento de R$ 600 do Auxílio Brasil.
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O mercado espera que essa licença não passe de R$ 70 bilhões, mesmo considerando a perspectiva de um reajuste salarial de servidores. Nos bastidores, o limite é considerado improvável.
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Luiz Inácio Lula da Silva (PT) trabalha com modelos de regras que privilegiam investimentos e com crescimento real de gastos no médio prazo, além de buscar superávit primário (receitas menos despesas, exceto gastos com juros). Já a equipe de Bolsonaro (PL) tem em mente a criação de exceções ao teto a depender de novas receitas — como as privatizações —, além de avaliar aumento de gasto acima da inflação nos próximos anos.
Nesse cenário, uma das possibilidades seria atrelar o avanço ao crescimento do PIB.
A campanha de Lula ainda não divulgou o que o mercado considera a pista principal sobre os rumos da política fiscal: a composição da equipe econômica. Bolsonaro, por sua vez, não garante a manutenção de Paulo Guedes à frente do Ministério da Economia, embora ele venha trabalhando na campanha.
Na quinta-feira, chegou a publicar um meme em que contrapunha o apoio de pais do Plano Real a Lula ao fato de contar com Guedes.
Exceções à regra
A regra do teto de gastos impede o crescimento das despesas acima da inflação, mas tem sido alterada constantemente desde a sua criação. Lula já disse que vai abolir a regra, e Bolsonaro tem discutido alterações a partir do próximo ano.
Na avaliação do mercado, alguns pontos são cruciais. Um deles é um sinal de previsibilidade em relação ao comportamento da dívida pública como proporção do PIB ao longo do tempo. Dívida alta significa juros mais altos, mais incerteza e menos crescimento. As duas candidaturas indicam que o tópico será levado em conta, sem especificar como isso será feito.
Como resume o ex-diretor do Banco Central Tony Volpon, mesmo com candidaturas opostas, há convergência nas lacunas nas propostas.
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— Lula diz abertamente que vai tirar o teto de gastos, mas não fala o que vai colocar no lugar, nem quem vai ser o ministro da Fazenda, o que seria uma dica importante. Acredito que ele seja responsável fiscalmente, mas seria bom se desse alguma diretriz do que pode ser feito — diz Volpon. — Já Bolsonaro vem abrindo várias concessões, embora Guedes seja a favor do teto. Quando tem regra e tudo é exceção, significa que a regra não está valendo. Parece que os dois candidatos estão enterrando o teto de gastos.
Em entrevista na quinta-feira, Lula repetiu declarações contra a regra fiscal:
— Para mim, responsabilidade fiscal não tem que estar numa lei, tem que estar na responsabilidade do dirigente. Eu sou contra o teto de gastos.
Na mesma entrevista, salientou que seu governo não será formado apenas por integrantes do PT, mas também por quadros fora do partido:
—É loucura alguém imaginar que você pode anunciar um time antes. Se tenho dez economistas aqui e indico um, vou conquistar um e perder nove.
No PT, há quem defenda regra baseada em um limite ou trava para o gasto e quem avalie que o melhor critério é o saldo positivo das contas públicas, a meta de resultado. Em tese, na segunda hipótese fica mais fácil gastar mais.
Nas discussões internas, uma alternativa seria adotar um intervalo para o saldo positivo das contas públicas, com crescimento real do gasto. Seria próximo do que é feito nas metas de inflação, com mínimos e máximos.
Os invisíveis do Auxílio Brasil
Nesse quadro, existiriam metas específicas também para crescimento de gasto com investimento, saúde, educação, folha de pagamento, entre outros.
Em nota divulgada na quinta-feira, a campanha reforça compromisso com credibilidade fiscal e diz que o formato da nova regra dependerá das condições fiscais que o eventual novo governo pode encontrar e da negociação com o Congresso.
Defesa da previsibilidade
O governo e a campanha de Jair Bolsonaro discutem duas frentes para alterar o teto de gastos. No Ministério da Economia, a área técnica tem dois modelos em discussão. Um deles, do Tesouro Nacional, prevê o crescimento das despesas acima da inflação conforme a trajetória da dívida. Outro modelo, da assessoria de Guedes, admite um crescimento de gastos de acordo com o crescimento do PIB.
— Poderíamos investir mais, se não tivéssemos esse impedimento constitucional — disse Bolsonaro, defendendo mudanças na regra.
Bolsonaro também avalia criar exceções ao teto para ampliar gastos com social e investimentos de acordo com receitas extraordinárias. No caso das obras, o governo já chama o mecanismo de Fundo de Investimentos Públicos, ou FIP. A ideia consiste em vender estatais e ativos, além de realizar concessões e usar dividendos para pagar gastos como o Auxílio Brasil e obras públicas.
Na quarta-feira, o presidente evitou responder de forma direta se Paulo Guedes continuaria à frente da pasta em um eventual segundo mandato. Após a imprensa insistir na pergunta, o candidato à reeleição encerrou a entrevista.
— O Paulo Guedes é exemplo de gestão no momento mais difícil da história do Brasil. Não perdemos emprego em 2020 e 2021, muito pelo contrário. Todo mundo pensava que em 2020 a gente ia cair 10% (em termos de PIB) e caímos 4%. (Guedes) tomou medidas fantásticas — disse Bolsonaro, ao ser indagado sobre a permanência do ministro.
Para economistas, é preciso prudência na hora de flexibilizar regras fiscais.
— Regras muito flexíveis, que passam só por meta de superávit primário, não funcionam. É preciso ter uma regra de gastos também, caso contrário existe a tentação de fazer um ajuste para ampliar a arrecadação com aumento de tributos. E disso a gente não precisa — afirma o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, lembrando que a carga tributária do país ano passado chegou a quase 34% do PIB.
Juliana Damasceno, especialista em contas públicas da Tendências Consultoria, diz que previsibilidade é fundamental para manter a credibilidade e evitar que o custo seja repassado à sociedade:
— É preciso pensar como cortar despesas ou achar novas fontes de financiamento para as despesas permanentes. Sem isso, o que acontece é insegurança jurídica. E o descontrole fiscal acaba atingindo os mais pobres em forma de mais inflação.