Economia
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Por Janaína Figueiredo — Buenos Aires

Mais de 20 tipos de câmbio diferentes. Regras para importar que mudam quase que diariamente. Inflação que se aproxima de 80% ao ano. Dificuldades até para comprar palmito, abacaxi ou atum. A rotina de consumidores e empresas na Argentina neste 2022 é, ao mesmo tempo, uma sensação de déjà-vu das crises financeiras de 20 anos atrás – o corralito de 2001 e 2002 – com pitadas da hiperinflação do fim da década de 1980.

Para Ariel Quintela, dono de uma distribuidora de alimentos que tem dez funcionários, entre eles seu filho mais velho, Matias, os problemas são diários. Ultimamente, sua distribuidora não consegue palmito, abacaxi, champignon e atum. Também faltam insumos para alguns molhos que usam restaurantes e bares que sua empresa abastece.

— Nosso maior problema é a inflação, mas também a escassez de produtos. Se quebrar uma máquina então, esquece, é um drama. Não temos as peças necessárias para fazer os consertos — desabafa Quintela, que convive, ainda, com o fantasma de que seus filhos decidam, em algum momento, rumar para outro país. — Acontece o tempo todo com os jovens e é muito triste — admite o empresário.

Faltam produtos, sobram cotações de câmbio

Faltam produtos, sobram cotações de câmbio. A lista de regras para comprar ou vender dólares no país não para de crescer e chega ser caricata. Recentemente, o governo criou o dólar Coldplay, para quem contrata bandas estrangeiras e o dólar Catar, em referência à Copa do Mundo, para os turistas que compram pacotes no exterior.

Há ainda o dólar soja, pago pelos exportadores de commodities, e o dólar tecno, para quem precisa importar insumos tecnológicos.

Todas essas cotações só têm algo em comum: são sempre superiores ao câmbio oficial. Seja por cobrança de taxas ou impostos, quem precisar enviar recursos ao exterior acaba sendo onerado. É uma tentativa desesperada do governo de evitar uma desvalorização adicional do peso num momento em que o Banco Central da Argentina está com suas reservas internacionais praticamente zeradas.

— Temos uma variedade de problemas que não existe em nenhum outro lugar do mundo. O Estado arrecada 165 tributos, temos mais de 25 tipos de câmbio e uma burocracia capaz de enlouquecer qualquer um. Para você ter uma ideia, um frango, a partir do momento em que nasce, passa por 130 trâmites até se tornar um frango à milanesa e ser consumido — explica o economista Gustavo Lazzari, dono de uma empresa de frigoríficos.

Mas nem o número de cotações existentes para o dólar é uma certeza no país, explica Lazzari.

— Se formos olhar a realidade, existem muitas mais cotações. Temos, por exemplo, o dólar narco, que é o que se cobra aos narcotraficantes para legalizar o dinheiro da venda de drogas. Pelo que me informei, cobram o dólar blue (um dos paralelos mais usados) mais taxa de 3% — conta Lazzari.

Dono de uma empresa de frigoríficos, o economista Gustavo Lazzari ressalta: o Estado arrecada 165 tributos, temos mais de 25 tipos de câmbio e uma burocracia capaz de enlouquecer qualquer um — Foto: Arquivo pessoal
Dono de uma empresa de frigoríficos, o economista Gustavo Lazzari ressalta: o Estado arrecada 165 tributos, temos mais de 25 tipos de câmbio e uma burocracia capaz de enlouquecer qualquer um — Foto: Arquivo pessoal

A equipe econômica comandada pelo ministro Sergio Massa tem duas premissas essenciais: não deixar o peso se desvalorizar ainda mais e cortar só o mínimo necessário o atual patamar de gastos do Estado.

'Remendos' na economia

O objetivo é evitar que a aliança entre peronistas e kirchneristas seja derrotada nas eleições presidenciais de 2023. Por isso, a equipe de Massa está só “colocando remendos” na economia, apontam analistas locais.

Para grandes empresas que operam no país, há a proibição de remeter lucros ao exterior. As pequenas empresas sofrem com falta de financiamento bancário, praticamente inexistente hoje no país, o pagamento de dezenas de impostos e a dificuldade de obter insumos. Para os consumidores, as barreiras às importações tornam a vida um verdadeiro inferno.

A Argentina é uma grande produtora de alimentos, mas o abacaxi vem do Brasil, Peru e Bolívia; o atum, em sua grande maioria, da Tailândia, e os cogumelos da China. Com as novas regras do Banco Central local, os importadores demoram até 180 dias para pagar seus fornecedores externos, e as autorizações são lentas e seletivas. Quem investe no país, comentam fontes argentinas, têm amplos benefícios para conseguir divisas.

A cozinheira Clara Fernández, que trabalha sozinha em sua casa e conta com a ajuda de sua mãe, Silvia, para distribuir seus produtos, vive numa montanha-russa. Clara não precisa de dólares, mas sofre com aumentos semanais em produtos básicos como farinha, açúcar e ovos.

— Faço produtos sem glúten e a matéria prima aumentou 80% em dois meses. Também tenho dificuldades para conseguir insumos para fazer as embalagens — comenta Clara, que recebe reclamações de clientes pelos contidos reajustes que faz para não afetar suas vendas.

— Fazer as compras me angustia cada dia mais — diz a cozinheira.

A cozinheira Clara Fernández, que trabalha em casa, não precisa de dólares, mas sofre com aumentos semanais em produtos básicos como farinha, açúcar e ovos — Foto: Arquivo pessoal
A cozinheira Clara Fernández, que trabalha em casa, não precisa de dólares, mas sofre com aumentos semanais em produtos básicos como farinha, açúcar e ovos — Foto: Arquivo pessoal

Na opinião do economista Fernando Marengo, economista chefe da BlackTORO Global Investment e Arriazu Macroanalistas, “o principal problema da Argentina é a falta de confiança”.

— O setor público não tem financiamento, a emissão de pesos gera distorções, as pessoas querem se livrar dos pesos, o mercado cambial tem restrições, enfim… tudo se explica pela falta de confiança no país e em sua moeda — frisa Marengo.

Ele lembra que 60% do que se produz no país requer insumos importados. Ou seja, as barreiras aplicadas pelo governo para conter a fuga de divisas é um verdadeiro tiro no pé. Os controles de preços não funcionam e prova disso é que a inflação está descontrolada, e muitos acreditam que, na vida real, já superou 100%:

— Nos últimos 70 anos, a taxa de inflação, em média, do país foi de 65% ao ano. Se excluirmos os períodos hiperinflacionários, cai para 45%. Em todo esse tempo, tivemos apenas 12 anos de inflação de um dígito — aponta o economista.

Para lidar com os perrengues diários, os argentinos não têm o respaldo de um sistema financeiro robusto: ele representa apenas 15% do PIB do país (no Brasil chega a cerca de 60%).

— O dinheiro que não está nos bancos está em casa, literalmente debaixo do colchão — diz Marengo.

Sem viagens ao exterior

Com uma moeda que vale cada vez menos e a proibição de pagar passagens aéreas e pacotes em parcelas, cada vez são menos os argentinos que conseguem viajar para o exterior. O Brasil, para muitos acostumados a passear pela Europa e os Estados Unidos, se tornou um destino mais atraente, mas também caro.

— Já nem falamos mais sobre esse assunto, viajar só dentro do país e olhe lá — afirma Quintela

Agências de viagens de Buenos Aires admitem que o volume de vendas caiu e os destinos mudaram. São poucas as pessoas que têm capacidade de pagar passagens para uma família inteira sem parcelar.

A próxima grande crise argentina parece, lembrando um dos livros do escritor colombiano Gabriel Garcia Márquez, a crônica de um colapso anunciado.

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