Economia
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Por Fernanda Trisotto — Brasília

O aumento no número de famílias e do valor que elas recebem pela transferência de renda não são as únicas diferenças entre o Auxílio Brasil e o Bolsa Família. Os programas voltados à população pobre e extremamente pobre do Brasil têm pouco em comum, além da definição da linha de pobreza.

Para Cecília Machado, economista-chefe do BOCOM BBM e professora da FGV, as mudanças nos dois programas foram marginais, mas a calibragem bem distinta:

— A principal diferença foi a regra do (piso) mínimo, que foi bem ruim porque tirou toda focalização do Bolsa Família.

O orçamento do programa cresceu, e muito: pulou de cerca de R$ 30 bilhões do Bolsa Família para mais de R$ 100 bilhões anuais, valor que pode chegar a R$ 175 bilhões caso o novo governo concretize os planos de pagar um piso de R$ 600 para as famílias, além de um adicional de R$ 150 por criança de até seis anos.

Esse movimento vai consolidar a expansão de orçamento na transferência de renda às custas da focalização do programa: sai de cena a ação “barata”, em termos de PIB, com pagamento de benefícios diferentes para diferentes composições familiares, para um programa mais caro e menos eficaz, que ainda incentiva a divisão artificial de famílias:

— Os R$ 150 das crianças melhora um pouco a focalização mas não resolve o incentivo à fragmentação famíliar para efeito de cadastro. De fato, os dados do CadÚnico revelam que desde a instituição do Auxílio Brasil o tamanho médio das famílias cadastradas cai de 3,01 em novembro de 2021 para 2,59 em outubro de 2022 — diz o economista Marcelo Neri, diretor da FGV Social.

As principais diferenças entre os programas

Mais orçamento, menos foco

O pagamento de benefícios sociais à população mais vulnerável alcançou novo patamar quando o Bolsa Família foi lançado pelo PT em 2003, a partir da unificação de programas de transferência de renda como o bolsa escola e o auxílio-gás, criados no governo de Fernando Henrique Cardoso.

Atualizar o programa era um movimento natural, mas o governo de Jair Bolsonaro, ao imprimir sua marca no Auxílio Brasil, introduziu um novo desenho mais custoso porque foi inspirado em uma ação extraordinária, o Auxílio Emergencial pago a vulneráveis durante a pandemia de Covid-19.

Ainda no governo Bolsonaro, antes do início da pandemia, em março de 2020, o Bolsa Família era pago a 13 milhões de famílias que recebiam, em média, R$ 191 por mês. A previsão do orçamento naquele ano, em valores atualizados pela inflação, era de R$ 36 bilhões.

Com a pandemia e o pagamento de três versões do Auxílio Emergencial, que começou em R$ 600 e terminou com um valor variável entre R$ 150 e R$ 375, o governo decidiu redesenhar a ação e criou o Auxílio Brasil.

Em outubro de 2022, o programa pagou benefícios a 21,1 milhões de famílias, que receberam, em média R$ 609 mensais. Para 2023, o governo havia reservado R$ 105 bilhões no Orçamento, o suficiente para pagar um benefício médio de R$ 400 a esse número de famílias.

Benefícios com limite e condicionalidade

O Bolsa Família era composto de um benefício básico, que equivalia a linha de pobreza, e outros variáveis, de acordo com a composição familiar: número de filhos e mulheres gestantes e lactantes, por exemplo. Ainda havia um benefício calculado individualmente, voltado para as famílias mais vulneráveis.

Enquanto o programa existiu, ele fazia pagamentos a famílias extremamente pobres (renda per capita de R$ 89) e pobres (renda per capita entre R$ 89,01 e R$ 178). O benefício básico era de R$ 89. Já os variáveis eram de R$ 41 (para crianças de 0 a 15 anos, gestantes e lactantes), com limite de até cinco pagamentos, e de R$ 48 (para jovens de 16 e 17 anos), limitado a dois por família. O benefício de superação da pobreza era calculado a parte.

Para receber esses benefícios, era preciso fazer acompanhamento de saúde na rede pública, manter a caderneta de vacinação das crianças atualizada e ter frequência escolar acima de 85%.

Pessoas enfrentam longas filas para tentar se increver no CadÚnico e receber o Auxilio Brasil — Foto: Fabiano Rocha/Agência O Globo
Pessoas enfrentam longas filas para tentar se increver no CadÚnico e receber o Auxilio Brasil — Foto: Fabiano Rocha/Agência O Globo

No Auxílio Brasil, as linhas de pobreza foram atualizadas: são consideradas extremamente pobres as famílias com renda per capita de até R$ 105 e pobres as que recebem entre R$ 105,01 e R$ 210 por pessoa.

O desenho do programa até previa pagamento de valores para famílias com crianças e gestantes, mas imperou o benefício mínimo para todas as famílias, independentemente da composição: começou em R$ 400 e agora está em R$ 600, ampliado em julho com a aprovação atabalhoada da proposta de emenda à Constituição (PEC) Eleitoral, que permitiu o aumento só até dezembro.

Para receber o benefício, são cobradas vacinação e acompanhamento nutricional de crianças até 7 anos e pré-natal de gestantes e a frequência escolar entre 60% e 75%, a depender da faixa etária. Por causa da pandemia, houve flexibilização desses pontos e da atualização das inscrições no Cadastro Único, que foram retomadas agora.

O economista Marcelo Neri, da FGV Social, defende o monitoramento das condicionalidades do programa:

— Condicionar significa não só cobrar das famílias mas acompanhar, apoiar e se importar com educação e saúde. A própria filosofia bolsonarista de liberdade de escolha de vacina e de home schooling vai contra as condicionalidades.

Dissolução das famílias

Como o Bolsa Família pagava uma cesta de benefícios que dependiam da composição familiar, um adulto extremamente pobre poderia receber um pagamento básico, mas o repasse ampliava de acordo com a composição familiar.

Ao estabelecer um pagamento mínimo, independentemente do número de famílias, o Auxílio Brasil acabou estimulando a divisão artificial de famílias.

A quantidade de pessoas que moram sozinhas e recebem a transferência de renda cresceu 172% sob a gestão Bolsonaro: saltou de 1,8 milhão no Bolsa Família para 4,9 milhões no Auxílio Brasil. Já o número de famílias beneficiadas com duas ou mais pessoas cresceu 25%: de 12,2 milhões para 15,3 milhões.

Para Cecília Machado, economista-chefe do BOCOM BBM e professora da FGV, o pagamento mínimo parece ótimo, mas é péssimo, porque elimina a capacidade de pagamento diferenciado a quem mais precisa:

— Esse é um ponto importante porque parece que o governo novo quer manter isso, o que é muito ruim para a focalização e muito ruim porque estimula família unipessoal. A pobreza deixa de ser medida em termos per capita e prejudica justamente as crianças pobres.

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