Os desafios que terão de ser enfrentados pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a partir de janeiro são discutidos agora em mais uma edição da série de debates "E agora, Brasil?", promovida pelos jornais O GLOBO e Valor Econômico, com patrocínio do Sistema Comércio, através da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) e de suas federações.
Participaram do debate de hoje, em Brasília, quatro integrantes da equipe de transição: Rui Costa, governador da Bahia; Wellington Dias, ex-governador do Piauí e senador eleito pelo PT; Marina Silva, ex-ministra do Meio Ambiente e deputada federal eleita pela Rede; e Nelson Barbosa, ex-ministro do Planejamento e da Fazenda.
Confira aqui a íntegra do debate em vídeo:
Sob a mediação dos colunistas do GLOBO Míriam Leitão e Merval Pereira, os participantes discutiram as mudanças defendidas pela equipe do presidente eleito no Orçamento da União para o ano que vem.
A tramitação de uma proposta de emenda à Constituição, a chamada "PEC da Transição", para abrir espaço no Orçamento da União em 2023 para o cumprimento de promessas da campanha mobiliza forças políticas no Congresso antes mesmo da posse do novo presidente e da nova configuração do Legislativo.
Logo no início, Wellington Dias lembrou que é a primeira vez que um presidente eleito precisa de maioria qualificada na Câmara e no Senado para aprovar uma emenda constitucional ainda antes da posse.
-- É um desafio gigante -- definiu.
Não estão em jogo somente emergências sociais como a retomada do Bolsa Família mantendo os R$ 600 mensais do atual Auxílio Brasil, o aumento real do salário mínimo e a recomposição de verbas para programas essenciais como os de distribuição de remédios e merenda escolar. O impacto da PEC sobre a situação fiscal do país e os efeitos colaterais sobre a economia também permeiam as negociações com os parlamentares.
Nelson Barbosa repetiu sua defesa de que é preciso alterar o Orçamento de 2023 enviado pelo governo atual ao Congresso para abrir espaço para gastos importantes para atender urgências sociais. Ele minimizou risco de desorganização fiscal estimando que as despesas federais terminarão o ano em 18,5% do PIB e a proposta orçamentária até agora significaria 17,1%.
-- Se expandirmos até 18,5% será o mesmo gasto de 2022, não é expansionista nem contracionista -- defendeu o economista, ressaltando que não significa que o valor final de espaço aberto pela PEC tenha que ser este.
Ele continuou:
— O que está se pedindo ao Congresso Nacional é um espaço fiscal mínimo para governar para todos. Não tem recursos para investir em saúdes, para combater os efeitos da Covid, para reduzir a fila do SUS. A merenda escolar não é ajustada há vários anos. O orçamento de 2023 é claramente insuficiente. É preciso criar o espaço fiscal adicional, e o Congresso está debatendo isso. A transição requer sim uma autorização para que se aumente o gasto além do que foi programado em 2023, isso não é incompatível com a estabilidade fiscal e monetária do país.
PT não tem 'Posto Ipiranga'
Barbosa ressaltou que o partido “discute tudo” e não tem uma referência individual para suas políticas:
— O PT não tem Posto Ipiranga, o PT não tem uma referência para uma ou outra política. O PT discute tudo. Na época da campanha, eu brinquei que ao invés de ter um Posto Ipiranga, a gente tem uma rede de postos BR. Só na campanha eram mais de 100 economistas discutindo — afirmou, referindo-se ao apelido dado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) ao seu ministro da Economia, Paulo Guedes, a quem delegou a política econômica.
Rui Costa lembrou da necessidade de redesenhar o papel do Legislativo na construção do Orçamento da União, superando distorções como o chamado orçamento secreto, composto por emendas parlamentares assinadas pelo relator sem transparência sobre a indicação dos recursos.
Marina Silva relatou que a equipe de transição encontrou uma situação muito difícil no sistema de proteção do meio ambiente no país, com a desestruturação de órgãos importantes como o Ibama e o ICMBio:
-- Foi uma política de terra arrasada, que resulta em um descontrole do desmatamento.
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Fazem parte do que tem sido discutido no grupo formado pelo presidente, sob olhar atento da sociedade, a definição de novos marcos fiscais, o desenho de uma estratégia de desenvolvimento capaz de compatibilizar crescimento econômico, avanços sociais e proteção do meio ambiente e o estabelecimento de uma nova relação entre Executivo, Legislativo e Judiciário.
Os convidados abordaram ainda o desafio de garantir o Estado Democrático de Direito e a necessidade de reposicionar o lugar das Forças Armadas no desenho institucional previsto pela Constituição.
Dias afirmou que é preciso ter uma estrutura separada do Ministério da Justiça dedicada ao combate à violência e ao desenvolvimento de estratégias para combater o crime. A opinião contraria o entendimento do aliado Flávio Dino (PSB), apontado como favorito para liderar a área em uma pasta unificada.
— Não é razoável que se jogue nas costas dos estados a responsabilidade de um tema que é impossível de se resolver só pelos estados. A pessoa que comanda o primeiro comando da capital no Piauí, por exemplo, está presa em Campinas, em São Paulo, para se ter uma ideia. Isso é uma realidade no país. Defendo, e o Fórum dos Governadores também defende, que tenhamos uma área para cuidar com total prioridade do tema da segurança. Eu entendo que sim (é preciso de um ministério à parte) — defendeu Dias.
Ele lembrou que quando era governador do Piauí levou o pleito, com o apoio de Rui Costa, ex-governador da Bahia, ao então presidente Michel Temer.
Marina destacou a importância do compromisso de Lula de estabelecer uma política ambiental transversal, que toque todas as áreas do novo governo. Ela afirmou que, até agora, o cenário encontrado pela equipe de transição no sistema de proteção ambiental do país é de "terra arrasada".
A ex-ministra também citou a situação do Ibama e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), que cuida da gestão das unidades de conservação.
— O Ibama, que trata de licenciamento e fiscalização, está completamente desestruturado. O ICMBio, que cuida da gestão de unidades de conservação, é a mesma coisa. Uma retirada do serviço florestal do Meio Ambiente para a Agricultura e a Agência Nacional Águas para o Desenvolvimento Regional. É uma política de terra arrasada que faz com que a gente tenha o descontrole do desmatamento.