Economia
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Por Fernanda Trisotto, Manoel Ventura e Thiago Bronzatto — Brasília

A ministra do Planejamento, Simone Tebet, não vê espaço para uma mudança na tabela do Imposto de Renda em 2023 sem afetar o Orçamento. Promessa de campanha do presidente Lula, a decisão de ampliar a faixa de isenção é política, mas depende de algum tipo de compensação, diz. Em entrevista ao GLOBO, ela pondera, no entanto, que há tempo para que esse tipo de promessa saia do papel.

― Se eu mexo na tabela de Imposto de Renda eu estou deixando de arrecadar. Eu tenho um orçamento para ser executado esse ano. Por isso que estou dizendo: eu posso fazer isso para o ano que vem, temos quatro anos para isso ― disse.

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Para ela, não há possibilidade de criar mais impostos, mas acomodar essa mudança exige uma decisão política a ser tomada pelo presidente Lula, e os ministros Rui Costa (Casa Civil) e Fernando Haddad (Fazenda). O aumento do salário mínimo para R$ 1.320 também está nessa esfera de decisão.

Durante a transição, o governo sinalizou esse valor, mas o aumento dos gastos com pagamentos do INSS fez a equipe econômica reavaliar a situação. Por enquanto, o piso está em R$ 1.302, mesmo valor proposto no ano passado.

Na entrevista, a ministra também fala sobre reforma tributária dos impostos de consumo, as perspectivas para a pasta e a defesa da democracia após os atos terroristas de oito de janeiro.

O Ministério do Planejamento foi recriado e mantém atribuições importantes, como o Orçamento Federal, e abarca novas pastas, como a de avaliação e monitoramento de políticas públicas. Quais seus planos para a pasta?

É preciso não reposicionar, mas entender o papel do ministério. É um ministério meio, porque somos a base, um suporte para todos os outros ministérios no que se refere a gastos públicos: o que gastar, como gastar e o que cortar se houver ilegalidades ou confronto direto com a legislação. Esse é o nosso papel em uma análise mais fria.

Nós queremos ampliar esse escopo e colocar o Ministério do Planejamento e Orçamento dentro de outras bases e parâmetros, baseado em experiências internacionais. De forma objetiva, o que eu quero deixar como ponto principal é isso: O orçamento não vai mais se resumir a fazer contas e o planejamento não vai apenas ser um faz de contas.

Eles vão ter de ter uma participação direta no Brasil que nós queremos, então voltando ao ponto inicial, nós estamos prontos para ser a base de suporte a todos os ministérios.

A senhora criou uma secretaria específica para o monitoramento e avaliação de políticas públicas, que vem sendo tratada como “cereja do bolo”. Como vai funcionar, na prática?

Não podemos só ficar com o controle posterior, de analisar legalidade, constitucionalidade, interesse público, eficácia de gastos públicos em análise posterior. Tem que ser uma análise anterior, e por isso que a cereja do bolo é essa secretaria de avaliação de gastos, que é o chamado spending review. Aí envolve estudos, análises, notas técnicas, avaliação das políticas públicas — o que pode continuar, melhorar, se podemos sugerir possíveis extinções de políticas públicas que não são eficientes.

Vamos aproveitar a experiência do IBGE e do Ipea, para tentar concentrar todos os dados administrativos em um sistema para que eles possam ser usados por toda a máquina pública. Num primeiro momento, a visão é de atender o interesse público e garantir serviços de qualidade. E num segundo momento a redução óbvia dos gastos públicos.

Não há crescimento sustentável e duradouro com déficit de mais de 2% do PIB. Isso cria uma incerteza de que o Brasil não tem capacidade de honrar seus compromissos. Os juros sobem, você tem inflação, não consegue fazer o país crescer, gerar empregos e renda.

A senhora fala que o Brasil não pode ter déficit de 2% do PIB. Isso ocorre logo depois de um pacote com poucas medidas de médio prazo. Quando a equipe econômica vai apresentar e ter um plano para garantir o superávit e estabilização da dívida?

O ministro Fernando Haddad (Fazenda) deixou claro que o objetivo, naquele momento, do Ministério da Fazenda, era apresentar uma visão de pequeno e médio prazo já começando a diminuição do déficit permanente. A maioria das propostas têm ações de curto prazo, mas algumas delas têm impacto permanente. Se isso não for suficiente, palavras dele, outros programas de reestruturação fiscal poderão vir esse ano com participação do Planejamento.

O grande saldo positivo da apresentação foi sinalizar que há uma sinergia, uma convergência dos ministérios e governo federal da consciência de que é insustentável um déficit de mais de 2% do PIB. Aqui nós temos um foco que é, no mínimo, zerar o déficit fiscal de 2023. Mas, paralelo a isso, não temos nem praticamente 15 dias úteis, meu ministério nem existe ainda, vai existir a partir do dia 24 (de janeiro). Estamos trocando o pneu com o carro andando.

O que posso adiantar são três pontos que podem sinalizar a médio prazo. Primeiro é um novo programa de reestruturação fiscal, que poderá vir ainda neste semestre, se percebermos que o primeiro não está surtindo efeito.

O segundo é a nova âncora fiscal, o arcabouço fiscal que terá de ser entregue ao Congresso para substituir o teto até o meio do ano. E terceiro é a reforma tributária, que nós vamos fazer todo o empenho para votar ainda esse ano.

A discussão da reforma tributária se arrasta há décadas, E, apesar de ter avançado no Congresso, não há indícios de que vai sair do papel. O que o governo vai fazer para isso decolar?

Eu acompanho há três décadas essa questão. Eu estava na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), como presidente e depois membro, e ela só não saiu do papel por pura incompetência e má vontade do ministro Paulo Guedes (ex-ministro da Economia). Ele não colocou nenhum esforço para que ela fosse votada porque para ele não interessava a reforma tributária sob a ótica do consumo e sim sobre a ótica da renda.

Ele queria aprovar a lei complementar que mexia na tabela do Imposto de Renda, o que é louvável, mas tem que compensar essa perda de arrecadação com, na cabeça dele, a criação de um imposto digital, que era onde ele queria chegar, que era a chamada CPMF.

A reforma tributária que está pronta depois de dois anos de audiência pública, aval de 27 governadores, ela simplesmente não saiu do lugar porque não tivemos a vontade do governo federal de outrora para aprovação. Tínhamos número na CCJ e no Plenário. O que temos de diferente agora é que já temos uma reforma no meio do caminho, um ministro da Fazenda que escolheu a pessoa certa para estar na secretaria, que é o Bernard Appy.

E, se houver, e vai haver, articulação política do Executivo com o Congresso Nacional, eu vejo pela primeira vez uma luz no fim do túnel. Eu vejo, e é agora ou nunca, da reforma tributária ser aprovada ainda no ano de 2023. Se começa pelo Senado ou Câmara e será remodelada é uma decisão do presidente da República, da Casa Civil e do ministro Haddad.

Eu me coloco como uma soldado para estar no Senado conversando e dizendo sobre a importância dela. Qualquer reforma é melhor do que o arcabouço que temos agora.

A reforma desagrada a alguns setores. Como lidar com a pressão?

Essa mesma reforma já tinha meu apoio como senadora. Como a base é do Bernard Appy, acredito que a decisão política do governo vai ser muito parecida com o que está no Senado, com possibilidade clara de fazer ajustes. Na nossa parte, só cabe dar o suporte técnico, fazer os levantamentos quando formos convocados. Estamos prontos para trabalhar em equipe porque a reforma é fundamental para dar oportunidade para o Brasil voltar a crescer.

Uma reforma que diminua o tributo do consumo beneficia os mais pobres, que é o que Lula quer, colocar o pobre no orçamento.

E com relação à renda, existe perspectiva de rever a tabela ou reajustá-la, já que é uma promessa de campanha de Lula? Quando é que vai haver mudança no Imposto de Renda?

É uma decisão política do presidente. Temos quatro anos de governo para implementar toda agenda de campanha do presidente Lula e é minha responsabilidade também de fazer com que todo programa de campanha caia dentro do Orçamento brasileiro, com muito rigor e muita austeridade e critério.

Se mexer na tabela do Imposto de Renda, nós não temos espaço fiscal hoje, enquanto o teto de gastos estiver aí e o novo arcabouço fiscal não vier. Se mexer na tabela do Imposto de Renda, isentando do Imposto de Renda uma camada classe média baixa, você vai ter que criar espaço fiscal de outro lado. Nós não podemos criar impostos, o Brasil não comporta mais. Então isso vai ser colocado na conta em uma análise política da Casa Civil e Fazenda.

Mas o teto não interfere no Imposto de Renda...

Se eu mexo na tabela de Imposto de Renda eu estou deixando de arrecadar. Eu tenho um Orçamento para ser executado esse ano. Por isso que estou dizendo: eu posso fazer isso para o ano que vem, temos quatro anos para isso. Você diminui a receita ao mexer na tabela. Tem que compensar com alguma coisa, e isso depende de uma decisão política. Pode ser lucros e dividendos? É uma decisão política que no ministério nos cabe apenas o assessoramento.

O salário mínimo vai subir para R$ 1.320?

Essa é uma decisão política do presidente. Primeiro que a equipe econômica nunca havia falado em R$ 1.320.

Isso foi falado durante a transição…

Nós deixamos espaço fiscal para R$ 1.320. A questão é que até o fim do ano, milhares de pessoas que estavam na fila da aposentadoria absorveram esse espaço fiscal que se tinha. Por conta disso, hoje não temos espaço fiscal para R$ 1.320.

Nesse momento, se houver uma decisão do presidente para que esse valor passe de 1.302, para R$ 1.310, 1.320, pelas regras atuais, nós temos que tirar gastos discricionários de outros ministérios. É possível fazendo esses ajustes. Essa é uma decisão política.

A Secretaria de Orçamento Federal está refazendo os cálculos sobre o salário mínimo?

Até hoje, nós não fomos requisitados para refazer cálculos. Se essa decisão for tomada, nós vamos apresentar. A única coisa que eu tenho de informação é que o espaço fiscal deixado pelo Congresso Nacional foi consumido.

A senhora vai dar preferência para a carreira?

De preferência de carreira e com paridade de gênero. Em relação à diversidade e raça, da mesma forma. Eu convidei cinco pessoas, três disseram não uma aceitou e uma está analisando. Nós queremos colocar a cara do Brasil no Ministério do Planejamento.

O plano do governo é cortar R$ 50 bilhões em gastos logo depois de aprovar uma PEC aumentando gastos. Não é um paradoxo?

Não vejo um paradoxo na medida em que a PEC veio para cobrir políticas públicas essenciais. Ela vai cobrir Bolsa Família, e nisso a gente está falando de gente passando fome, o programa Minha Casa, Minha Vida, etc. A política fez o seu dever e agora é a nossa vez, da política econômica, de zerar esse déficit fiscal.

A gente passou um decreto para que todos pudessem reavaliar os restos a pagar e reavaliar cada contrato firmado no governo Bolsonaro. Porque ele aumentou o gasto público e diminuiu recursos em algumas áreas. Só de restos a pagar são R$ 100 bilhões. Grande parte deles precisa ser revisto. A unidade gestora poderá desbloquear (e pagar) ou rever.

O mais importante: sendo todo o programa for executado, nós zeramos o déficit. Se não ocorrer todo ele, um novo programa de estruturação poderá vir. Ao lado de um novo arcabouço e da reforma tributária, são sinalizações dada para o setor produtivo e os investidores do Brasil. Garantindo previsibilidade e segurança jurídica, segurança socioambiental, para que eles possam acelerar os investimentos no Brasil.

Com relação ao IBGE, tem prazo para finalização do Censo e indicação para assumir a presidência da instituição?

Essa semana vou conversar com a equipe do IBGE e até sexta-feira a minha ideia é ter um nome para o IBGE e o Ipea.

A senhora tem uma ampla experiência no Congresso e também atuou na CPI da Covid. A senhora pretende de alguma forma atuar também ajudando o governo na CPI dos atos antidemocráticos?

A defesa da democracia faz parte da minha vida desde os meus 15 anos. No domingo passado (dos ataques) foi o sinal que eu precisava ter depois de muita oração, da dúvida se eu deveria aceitar o ministério, uma pasta econômica, onde a gente tem algumas divergências. Eu pensei “nossa, a frente ampla precisava e precisa estar no governo do presidente Lula”. Um governo que tem, entre outras coisas, entre seus atributos, a defesa da democracia.

Duas coisas me unem ao presidente Lula. Primeiro, nós temos um presidente que tem alma, isso supera qualquer outra divergência que eu possa ter na pauta econômica com a equipe dele. E nós temos dois pontos de convergência que são infinitamente maiores do que nos separam.

Que é a luta pela democracia a proteção de cada brasileiro através da cidadania. Isso faz com que eu me sinta muito confortável de estar nesse governo, em que pese qualquer divergência que eu possa ter hoje ou eventualmente no futuro.

A senhora se colocou à disposição para ajudar o governo em relação à CPI?

O meu papel hoje é muito mais com a equipe econômica. Mas não há economia com democracia. A democracia é o grande guarda-chuva para nos dar todos os outros direitos. Foi a palavra de ordem do presidente da República: deixar clara a nossa defesa da democracia. A democracia não está em risco. As instituições são mais fortes do que nunca.

Demonstração cabal, com a presença de 27 governadores, com o Congresso Nacional votando imediatamente a intervenção. Agora, nós não podemos nos descuidar nos lobos solitários. Porque o presidente Bolsonaro teve a capacidade de extrair o que há de pior de uma parte ínfima, muito pequena, da população brasileira.

Durante a campanha a senhora bateu muito na manutenção do teto de gastos. E o ministro da Fazenda já deixou claro que ele defende a revisão. A senhora pretende continuar defendendo essa visão ou vai se alinhar à diretriz da Fazenda?

Uma vez que o presidente Lula ganhou a eleição e ele diz que é contra o teto de gastos, essa discussão é página virada. Por duas razões. O que eu sustento é que nós tenhamos um novo arcabouço fiscal no primeiro semestre deste ano. E o teto de gastos já foi extinto. Não há mais o que se falar em teto de gastos. Nós não começamos ainda a discutir o novo arcabouço fiscal, vamos ser chamados, vou ouvir todos os especialistas com relação ao assunto.

Nós do Ministério do Planejamento vamos estar acompanhando, mas o capitão desse time é o ministro Haddad e o ministério da Fazenda. Vamos dar todo o suporte para que o ministério da Fazenda encontre um novo arcabouço fiscal factível e que possa alcançar o seu objetivo de diminuir os gastos públicos, aqueles que não são relevantes, que não são voltados para políticas públicas essenciais, para que nós possamos controlar a dívida pública.

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