Economia
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Por Janaína Figueiredo — Buenos Aires

A forte desvalorização do peso argentino em relação ao dólar - nesta semana, a cotação da divisa americana chegou a quase 500 pesos – provocou uma verdadeira invasão de turistas brasileiros, uruguaios, paraguaios, chilenos, colombianos, bolivianos e venezuelanos à Argentina.

Enquanto os turistas estrangeiros fazem a festa em hotéis, restaurantes e comércios de Buenos Aires, os argentinos tentam se desfazer dos pesos o mais rapidamente possível, pelo temor, cada vez mais forte, de uma escalada de preços que possa arrastar o país para uma nova hiperinflação — a última foi em 1989.

O peso barato frente ao real e na comparação com as principais divisas dos países vizinhos tem feito a festa dos turistas em áreas turísticas como Bariloche, El Calafate e Ushuaia. E também em regiões da fronteira, onde brasileiros, uruguaios, paraguaios, chilenos e bolivianos atravessam diariamente para abastecer seus carros e fazer compras.

No Uruguai, informou o jornal El País, são organizadas excursões para compras na Argentina. Na província de Misiones, que faz fronteira com o Brasil e com o Paraguai, representantes da Câmara de Postos de Gasolina estimam que os preços de combustíveis na região estão 40% abaixo dos cobrados no Brasil, e 50% mais baratos do que custa encher um tanque no Paraguai.

A avalanche de carros dos países limítrofes levou os governos regionais a estabelecerem um limite de venda de 20 litros de combustível por pessoa.

Na capital, a presença estrangeira é cada dia mais expressiva. Na famosa rua Florida, os turistas latino-americanos estão por todos os lados, comprando tudo o que encontram a preços mais em conta do que em seus países.

Malas extras para levar vinhos

Para os brasileiros, o produto do momento é, sem dúvida, o vinho. Garrafas de marcas conhecidas no Brasil como Catena Zapata se conseguem em Buenos Aires por menos da metade do preço cobrado em supermercados brasileiros, conta a engenheira química carioca Teresa Borges, recém-chegada da província de Mendoza, onde visitou vinícolas com um grupo de amigos.

Já no primeiro dia na capital argentina, o grupo foi fazer compras no shopping Galerias Pacífico, no centro da cidade, onde conseguiu perfumes a preços muito em conta para um brasileiro.

— Quando o dólar bateu 500 pesos foi uma loucura. Fazíamos as contas e não conseguíamos acreditar. O táxi do aeroporto metropolitano até o hotel custou apenas R$ 35 — comenta a secretária Cida Amazonas, que, como seus amigos, pretende voltar ao Rio com a mala carregada de garrafas de vinho.

No total, cada turista pode levar 18 garrafas, das quais 12 devem ser despachadas.

— Já compramos malas extras. Trouxemos vinhos de Mendoza e aqui em Buenos Aires vamos comprar mais. Os restaurantes também estão muito baratos, vamos jantar no Don Julio — disse Teresa, ao lado de seu filho, Thiago Borges, que pedia insistentemente para comprar um casaco de couro argentino.

Com o peso desvalorizado, brasileiros e venezuelanos estão 'fazendo a festa' das compras na Argentina  — Foto: Janaína Figueiredo/Agência O Globo
Com o peso desvalorizado, brasileiros e venezuelanos estão 'fazendo a festa' das compras na Argentina — Foto: Janaína Figueiredo/Agência O Globo

A venezuelana Victoria Rojas, que mora atualmente na Colômbia, veio a Buenos Aires visitar familiares que emigraram para a Argentina e passear.

— Os preços estão realmente muito baixos, sobretudo o transporte e a gastronomia — relatou Victoria, enquanto passeia com seus filhos pelo centro da capital argentina.

No primeiro trimestre de 2023, dados oficiais indicam que 1,9 milhão de turistas estrangeiros entraram ao país, quase o dobro do 1 milhão que visitaram a Argentina no mesmo período de 2022. Entre janeiro e março, os turistas estrangeiros injetaram US$ 1,5 bilhão na economia argentina.

— Estamos sobrevivendo graças ao turismo — desabafa a vendedora de calçados Julieta Fernández, que trabalha numa loja da rua Florida.

Ela disse atender diariamente muitos turistas latino-americanos, e destaca o elevado nível de consumo das mulheres uruguaias.

— Tivemos uma cliente que comprou seis pares de sapatos, porque disse que os preços eram muito mais baratos do que no Uruguai. Ela trocou US$ 5 mil quando chegou em Buenos Aires e depois não sabia o que fazer com tanto dinheiro, nem onde guardar tantas notas — comenta Julieta.

Impacto nas eleições

Já em clima de campanha eleitoral, candidatos da oposição que disputarão as presidenciais de outubro deste ano aproveitam o caos para turbinar suas propostas.

Na semana em que o dólar bateu um novo recorde, Javier Milei, líder do partido de extrema direita Avança Liberdade, lançou um livro no qual explica aos argentinos como pretende dolarizar a economia e, assim, conter uma taxa de inflação que já supera 100% ao ano — e pode chegar a 8% apenas em maio. Milei é um dos candidatos que mais cresce nas pesquisas, num país no qual o peso se transformou numa moeda tóxica.

As variações abruptas no mercado cambial estão deixando a economia argentina em estado de semi paralisia, já que o preço da grande maioria dos produtos e bens que circulam no país é determinado em função do dólar.

Alguns fenômenos ocorrem em paralelo. Por um lado, a escassez de divisas está limitando de forma expressiva as importações, o que faz com que comerciantes, diante da incerteza sobre quando poderão repor mercadoria, prefiram estocar produtos, não vender em pesos e acabar ficando no prejuízo.

No mercado imobiliário, corretores estimam que mais de 50% dos aluguéis em Buenos Aires são negociados em dólares, o que deixa os inquilinos argentinos em enorme desvantagem. Conseguir orçamentos para consertos ou produtos que dependem da importação é cada vez mais difícil, porque os fornecedores não sabem como calcular o custo de um serviço em pesos.

A sensação no país, disse Dario Epstein, diretor da empresa de consultoria econômica Research for Trader, é de que “o peso se derrete em nossas mãos”.

— Conto uma situação que vivi recentemente. Meu cachorro ficou doente e quando fui comprar o remédio a veterinária me disse que não tinha como me dizer o preço. Ela me deu o remédio, e me disse que pagasse depois, quando as coisas estivessem mais claras. Como muitos comerciantes, ela não quis aceitar pesos que provavelmente não seriam suficientes para repor aquele medicamento — explica Epstein, que todos os dias é consultado sobre qual será, finalmente, o teto do dólar na Argentina.

— A discussão sobre a dolarização é válida, porque ela daria certeza e estabilidade ao país em matéria de preços. Falar em hiperinflação é alarmista, mas já temos a base para que isso aconteça — frisa o economista.

Metade da mensalidade escolar ‘perdida’

A crise argentina está se tornando vertiginosa. Um exemplo prático: uma família que tenha trocado US$ 500 segunda-feira feira passada obteve 30 mil pesos a menos do que quem o fez no dia seguinte. Esse montante equivale a 50% da mensalidade cobrada por algumas escolas particulares de Buenos Aires.

Os argentinos acordam todos os dias sem saber os preços com os quais deverão lidar na economia, em geral. Tudo muda semana a semana, e o governo não oferece respostas contundentes a um drama que afeta, principalmente, as famílias de mais baixa renda.

O ministro da Economia, Sergio Massa, a esta altura praticamente descartado como possível candidato do governo nas eleições, redobrou os controles no mercado de câmbio, ampliou os acordos financeiros do país com a China, passando a pagar importações chinesas em yuan, e está tentando renegociar o entendimento com o Fundo Monetário Internacional (FMI).

Mas nas ruas, os problemas para os argentinos são cada vez piores. A crise econômica cada dia mais profunda da Argentina leva candidatos como Milei a dizerem diariamente que “os argentinos não querem mais o peso”. Economistas como Epstein estimam que novas desvalorizações devem ocorrer nas próximas semanas, apesar dos esforços da Casa Rosada de conter a disparada do dólar e as consequentes corridas à moeda americana, às quais os argentinos estão, há décadas, acostumados.

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