Economia
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Por Marcelo Ninio; Especial Para O Globo — Pequim

Em 2020, o Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC) lançou o estudo “Bases para uma Estratégia de Longo Prazo do Brasil para a China”, da diplomata e economista Tatiana Rosito. O intuito era oferecer uma visão clara dos objetivos que o país deveria perseguir em suas relações com a segunda maior economia do mundo. O estudo se tornou referência no assunto.

Agora Tatiana tem a oportunidade de ajudar o governo a transformar a teoria em prática, como secretária de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda. Sua nomeação foi vista como sinal de que a China terá, para o governo, um peso proporcional a sua importância como maior parceiro comercial do Brasil — o que será reforçado pela visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva àquele país, na semana que vem.

Fluente em mandarim, Tatiana já chefiou o escritório da Petrobras no país, serviu na Embaixada do Brasil em Pequim e, até 2022, era consultora do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB, na sigla em inglês).

Para o Itamaraty, o momento é de “relançar” as relações com a China. Em que sentido?

Por mais que as relações tenham prosseguido, e o comércio até aumentou durante a pandemia, houve uma queda enorme nos contatos interpessoais. É um relançamento também porque havia um governo em que as relações prosseguiram, mas com vários momentos difíceis, de contrariedade explícita com certas questões chinesas.

O presidente Lula tem uma imagem muito positiva aqui, há uma grande expectativa. Além disso, é um momento em que a China precisa de amigos como nunca. Ela continua a expandir as suas alianças, mas num campo mais limitado, por conta da rivalidade estratégica aberta com os EUA.

A China precisa reforçar laços com países que considera amigos, e o Brasil é fundamental nisso. Talvez não haja nenhum outro país do tamanho do Brasil em que isso seja mais verdadeiro, como grande fornecedor agrícola e de uma região importante para eles.

É comum ouvir de especialistas que temos uma “parceria estratégica” com a China, mas não uma estratégia por parte do Brasil. Como o governo vê isso?

Como eu disse no estudo de 2020, não é que faltasse uma estratégia para a China, faltava uma estratégia de país, e também de como a política externa se encaixava nela. Nossa diplomacia sempre andou de mãos dadas com a ideia de desenvolvimento. Acho que ficamos um pouco órfãos, em um período mais neoliberal, de instrumentos inclusivos.

Agora há a necessidade de uma estratégia mais clara de país, que se reflita na política externa. Uma coisa nova e interessante que está acontecendo é que os EUA e a Europa passaram a ter estratégias mais claras de política industrial e tecnológica, com investimentos maciços em novas indústrias, principalmente no crescimento verde.

Como o Brasil entra nisso?

O Brasil tem todo o potencial para ser um elo importante nessa cadeia. Cabe a nós instituir programas, como no que estamos chamando de reindustrialização verde. Uma coisa que se tem falado muito é como atrair hidrogênio verde. Para isso é preciso contar com muita energia de fontes renováveis.

E a partir daí é possível ter resultantes desse processo que podem levar a fabricar fertilizantes. Seria só para exportar? Não, é importante também mitigar o risco que o Brasil tem de ser um grande importador de um insumo que é fundamental para a nossa agricultura. Não quer dizer que vamos produzir 100% dos fertilizantes, mas o ideal é encadear as coisas.

Como isso se encaixa na política industrial? A ideia é que isso ocorra num lugar onde possa ser produzida energia renovável em abundância e os custos sejam baixos. O Brasil é um dos melhores lugares do mundo para isso. A ideia de reindustrialização verde é mais ampla, inclui veículos elétricos e placas solares, entre outras coisas.

Se a gente vai ampliar muito a geração de energia renovável, passa a fazer sentido talvez produzir o material da placa solar no Brasil, e não só montar. E aí podemos nos associar a empresas que já fazem isso, na China ou em outros países.

O Brasil pode ser competitivo, apesar dos gargalos?

Se pensarmos que o mundo caminha para a eletrificação, como na produção de veículos elétricos, e que a matriz brasileira é muito limpa, por definição torna-se atraente investir no Brasil. Claro que os desafios tradicionais não sumiram, em termos de logística, de infraestrutura e do custo Brasil.

Mas agora temos uma janela de oportunidade para não perder o bonde e buscar uma política industrial moderna, que possa se beneficiar das vantagens comparativas do Brasil. Deixamos uma onda passar quando os países do Leste Asiático cresceram com plataformas de importação/exportação e de conexão com o mundo. Agora nós podemos ser competitivos, precisamos agir para não perder a nova onda.

Que setores de infraestrutura no Brasil podem atrair investimentos chineses?

A China entrou em setores no Brasil em que ela tinha maior vantagem comparativa, como o elétrico. Esse é um caminho natural. Há outros setores em que eles têm vantagem, mas não chegaram tanto, talvez por ainda questões ligadas ao marco regulatório, sobretudo em ferrovias. Acho que ainda estão numa curva de aprendizado, mas há disposição em financiar.

Falta a gente se organizar melhor, com um portfólio de projetos estratégicos para eles e, sobretudo, ter um diálogo mais próximo.

O memorando de entendimento que assinaremos com a China é para criar mecanismos de diálogo, para que as entidades sejam capazes de tomar decisões sobre investimentos, de fazer uma avaliação de risco. Estamos ampliando a coordenação entre os ministérios, inclusive tendo em vista a presidência brasileira do G20.

Vai ser feito o que é bom para os dois lados. Um gargalo importante com que temos de trabalhar é o financiamento em moeda local. É um desafio para todo mundo, porque os projetos de infraestrutura em geral são de longo prazo, e a taxa cambial acaba sendo algo crítico. Temos esperança de que possa ser ampliado o financiamento dos bancos multilaterais em moeda local, em real.

Em seu estudo de 2020, o ambiente externo já é descrito como difícil, mas ainda havia dúvidas se a competição entre EUA e China seria benigna ou predatória. Já está claro?

Acho que já estamos no estágio de competição predatória. Isso torna o ambiente mais difícil. Não está na natureza da política externa nem nas relações econômicas do Brasil ter um alinhamento com um lado. O que está se buscando é trabalhar de forma construtiva, com equidistância, e continuar trabalhando com parceiros que são importantes para o Brasil, tanto EUA e Europa como a China.

Embora a China represente quase 30% das exportações brasileiras, há os outros 70%. No curto prazo, o que temos que prestar mais atenção é que está havendo dentro dessas políticas industriais americanas, um lado de reavaliação de todas as cadeias de suprimento deles. Essa rivalidade abre oportunidades, mas também traz dificuldades para nós.

É um momento de olharmos com lupa as políticas que estão sendo adotadas por grandes potências econômicas como os EUA e a UE, para ver como podemos aproveitar as oportunidades e agir rapidamente. Grande parte dessas oportunidades está ligada à transição energética.

Essa rivalidade pode forçar o Brasil a tomar um lado?

Há indústrias mais estratégicas e ligadas à segurança nacional, mas há outras áreas em que é possível continuar ampliando a relação da China, que é também um interesse do Brasil. Há espaço nessa agenda. Temos que nos organizar para aproveitar as oportunidades, e temos que ser rápidos. Eu acredito muito que essas coisas dependem de incentivos, e eles vão ser dados ou pelas vantagens comparativas ou por resultado de políticas, que podem ser acordos.

Por exemplo, uma área que ainda pode crescer muito aqui é a da proteína animal, em que há uma oportunidade enorme de associarmos a um consumo chinês cada vez mais sofisticado, com uma produção no Brasil sustentável, mas isso também precisa de uma previsibilidade do consumo.

Acho que temos de caminhar para acordos de mais longo prazo, talvez uma pré-certificação, como os EUA têm. A China tinha que dar pré-certificação para o Brasil, já que eles reconhecem a qualidade do sistema sanitário brasileiro. Assim teríamos um espaço muito maior para exportar com condições melhores de planejamento.

Qual a ideia por trás dos “títulos verdes” que o governo lançará em breve?

Acredito muito no financiamento verde. É a primeira vez que o Brasil lança esses títulos. Estamos preparando um arcabouço, com a ajuda de bancos, em que diremos a que áreas e projetos esses bônus verdes estarão atrelados. O Brasil nunca lançou um bônus soberano desse tipo.

Se somar tudo o que foi lançado por empresas brasileiras em green bonds dá algo pequeno, algo em torno de US$ 6 bilhões. O bônus verde lançado pelo Uruguai no ano passado, por exemplo, foi muito bem-sucedido, teve muito mais demanda que oferta. É algo que pode ter um enorme interesse para o Brasil, para canalizar financiamentos.

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