Economia
PUBLICIDADE

Por Raphaela Ribas e Renan Monteiro — Rio de Janeiro

O governo federal vai acabar com a regra que isenta de impostos as encomendas internacionais com valor inferior a US$ 50 (cerca de R$ 250), que atualmente vale para transações entre pessoas físicas, e vai tomar outras medidas para apertar o cerco aos produtos que vêm do exterior, vendidos em sites e portais de comércio eletrônico (marketplaces) sem pagar imposto.

  • No alvo estão principalmente o fluxo crescente de importados vendidos em plataformas digitais como as asiáticas Shopee, Shein e AliExpress, entre outras, que despontam com grande sucesso no país, incomodando empresas nacionais.
  • A Receita Federal suspeita de uso do benefício para pessoas físicas com o objetivo de revenda, declaração de valores menores que o preço real e outras estratégias.
  • Como a fiscalização de cada caso é difícil, o governo estuda abolir esta isenção.

Por que o governo vai começar a taxar a Shein, Shopee e AliExpress?

As medidas são parte do esforço do governo para elevar a arrecadação e viabilizar o novo arcabouço fiscal. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, espera arrecadar até R$ 8 bilhões com o combate ao que chama de "contrabando".

Com a forte repercussão do tema nas redes sociais, o Ministério da Fazenda informou em nota negando que se trata da criação de um imposto sobre compras de importados on-line, mas de um reforço na fiscalização da taxação que já é prevista.

Tire suas dúvidas sobre o que pode mudar nessas compras lendo a seguir respostas para as principais perguntas sobre o tema.

Como funciona a tributação atualmente?

Atualmente, é cobrada uma taxa de 60% sobre o valor de encomendas vindas do exterior que exceder US$ 50 (cerca de R$ 250). Porém, o governo admite que não há efetividade nessa cobrança.

O Ministério da Fazenda esclareceu hoje que a isenção para produtos de valor abaixo de US$ 50 nunca existiu para o comércio eletrônico. Ela se aplicava apenas ao envio de uma pessoa física para a outra, como no caso de um presente enviado por um amigo de outro país para um residente no Brasil.

"Esse benefício se aplica somente para envio de pessoa física para pessoa física. Se, com base nele, empresas estiverem fracionando as compras, e se fazendo passar por pessoas físicas, estão agindo ilegalmente", diz um trecho do comunicado da Fazenda. "Com as alterações anunciadas, não haverá qualquer mudança para quem, atualmente, compra e vende legalmente pela internet."

O tributarista Gabriel Quintanilha, professor convidado da FGV Direito Rio, Tributaristas, no entanto, diz que a isenção se aplica a transações comerciais entre pessoas físicas, desde que até o limite de US$ 50.

— A regra é simples. Se a venda é feita por pessoa jurídica, a compra é sempre tributada, não importa o valor. Se é de pessoa física para pessoa física, não há tributação até US$ 50 — explica. — O que acontece é que existe um volume enorme de mercadorias chegando do exterior e uma quantidade pequena de fiscais para monitorar tudo.

Quais são os indícios de sonegação identificados pelo governo?

Na prática, segundo técnicos da Receita e especialistas em varejo, vendas de importados são realizadas em nome de pessoas físicas por meio do sites de grandes empresas, os chamados marketplaces. As mercadorias são recebidas por pessoas físicas no Brasil, mas o objetivo é a revenda. Ou seja, comerciantes estão usando um benefício oferecido às pessoas físicas para fugir da taxação.

Auditores da Receita Federal suspeitam ainda que mercadorias entrem no país por meio do comércio eletrônico sem pagar impostos porque os vendedores estariam fornecendo informações falsas para sonegar tributos, como declarar o bem por um valor inferior ao que é de fato comercializado para ficar dentro do limite de US$ 50.

Se envolver uma relação comercial envolvendo pessoa jurídica, esse tipo de importação está sujeita a uma série de impostos que podem chegar a 90% do valor de uma mercadoria, quase dobrando o custo ao consumidor, na prática. Estão entre esses impostos ICMS, IPI e o imposto da importação de 60%, explica o professor de Finanças da ESPM Alexandre Ripamonti.

Como a fiscalização é difícil, o governo resolveu acabar com o benefício para pessoas físicas e eliminar essa brecha usada por comerciantes nos marketplaces que vendem importados.

— Estas empresas atuam somente como marketplace, e a venda pode ser feita no nome do fornecedor — diz Ripamonti. — A escala de envio é muito grande, e a Receita Federal não tem capacidade de fiscalizar tudo. Muita coisa passa. Essa fiscalização dos Correios auxilia, mas a solução é fazer com que estas empresas tenham sede e sejam tributadas antecipadamente no Brasil.

Na prática, o que vai mudar?

O governo federal pretende editar uma medida provisória para acabar com a isenção tributária de remessas com valor inferior a US$ 50 (cerca de R$ 250), atualmente em vigor para pessoas físicas sem transação comercial. Não haverá mais distinção de tratamento no envio de encomendas por e parar pessoas jurídicas ou físicas. Será cobrado o imposto de importação de 60% do valor do produto em todos os casos.

Por exemplo, ao comprar uma blusa vinda do exterior com preço de US$ 10 (cerca de R$ 50), excluindo-se o valor do frete, hoje em um portal de e-commerce como Shopee ou AliExpress não se paga imposto se, na ponta compradora e vendedora estiverem pessoas físicas. Hoje isso é possível porque vendedores estrangeiros anunciam seus produtos nos portais que têm versões brasileiras na internet.

O governo ainda não detalhou como será a nova regra, mas, de acordo com tributaristas, com o fim da isenção, entende-se que todas as faixas de preço estarão sujeitas à mesma regra, com taxação de 60% sobre o produto. Neste caso, a blusa passaria a custar para o consumidor final US$ 16. Ou seja, o preço final subiria de cerca de R$ 50 para R$ 80. Soma-se a isso o valor do frete, que não entra no cálculo aduaneiro.

Quando o fim da isenção entra em vigor?

Ainda não há uma data. Mas o governo planeja editar uma medida provisória para acabar com a isenção fiscal para a entrada de produtos vindos do exterior de até US$ 50 para pessoas físicas a partir de 1º de julho.

Fiz uma compra na Shein, Shopee ou AliExpress hoje ou estou esperando produto já encomendado, vou ser taxado?

Em tese, nunca houve isenção para produtos importados enviados de uma empresa no exterior, somente para transações entre duas pessoas físicas. Então a fiscalização da Receita pode taxar a compra. No entanto, a medida provisória que acaba com a isenção tributária para a remessa de uma pessoa física para a outra, até o limite de US$ 50, sem envolver pagamento ainda não foi editada e provavelmente só vai valer para compras feitas a partir da data em que ela entrar em vigor.

— Se a pessoa compra de um marktplace que só faz a intermediação de transações entre pessoas físicas, num limite de até US$ 50, não haveria tributação hoje. Porém, se for o caso de uma loja de e-commerce vendendo diretamente, mas informando tratar-se de produto vindo de pessoa física, trata-se de infração da lei, é crime sujeito à multa — explica Gabriel Quintanilha, professor convidado da FGV Direito Rio.

Tenho um parente no exterior, que me envia uma remessa com uma camiseta de US$ 12 de presente. Hoje eu preciso pagar imposto?

Não. Esta remessa está isenta de tributação e deve continuar assim. Se o presente exceder o limite de US$ 50, incide imposto, ainda que não haja relação de compra e venda. Se for uma transação comercial entre duas pessoas físicas, hoje há isenção até o limite de US$ 50. Após a medida provisória, essa possibilidade não existirá mais.

Comprei uma camiseta de US$ 12 de uma plataforma digital no exterior. Hoje eu devo pagar imposto? E como fica com a mudança?

Sim, porque é um transação comercial. Nada muda, a compra de uma empresa no exterior continua sujeita à tributação. A compra de uma pessoa física no exterior não é tributada hoje até US$ 50, mas passará a ser, segundo os planos do governo, explica

O imposto de importação de produtos vai mudar?

O Ministério da Fazenda nega aumento de alíquotas. Será feito um esforço concentrado de fiscalização para taxar o que hoje entra no país sem pagar impostos, diz a pasta:

"Com as alterações anunciadas, não haverá qualquer mudança para quem, atualmente, compra e vende legalmente pela internet. As mudanças vão beneficiar o consumidor que vai receber suas compras on-line mais rápido, com mais segurança e qualidade. Isso porque os produtos terão o processo de liberação agilizado, a partir das informações prestadas pelo vendedor legal, enquanto ainda estiverem em trânsito para o país."

Haverá outras medidas para endurecer a fiscalização de produtos comprados via e-commerce do exterior?

Sim. A partir de julho deste ano, a Receita Federal vai obrigar as transportadoras que trazem os produtos importados para o Brasil a encaminharem, com antecedência, 37 informações sobre a remessa (a mercadoria) e sobre o comprador.

Isso vai facilitar o rastreio de práticas como dividir uma compra de vários produtos que somam valor elevado por uma mesma pessoa em vários pacotes menores e de menor valor para driblar a tributação. Há a suspeita de que pessoas no Brasil comprem no exterior um grande volume de mercadorias para revendê-las internamente sem pagar imposto.

Para o tributarista José Guilherme Missagia, sócio do Daudt, Castro e Gallotti Olinto, a intenção do governo é coibir a evasão de tributos em operações comerciais que usam pessoas físicas como remetentes das mercadorias para escapar do imposto.

Uma instrução normativa de dezembro de 2022 estabelece que essas informações deverão ser repassadas para os Correios e as operadoras privadas, como Fedex e UPS, que informarão a Receita. Na prática, os dados sobre a compra eletrônica realizada por um determinado consumidor brasileiro nas lojas estrangeiras deverão ser enviados ao Fisco, com possibilidade de multa em caso de subfaturamento (valor declarado abaixo do real), dados incompletos ou incorretos. Veja como fica:

  • Remessas postais: as informações precisarão ser encaminhadas em até 48 horas antes do horário previsto para a chegada ao país do veículo transportador;
  • Remessas expressas: as informações precisarão ser encaminhadas 4 horas antes do horário previsto para a chegada ao país;
  • Lista de informações obrigatórias: código de rastreamento da remessa; valor do frete (US$); descrição completa do conteúdo da remessa; peso (Kg); nome completo do remetente e destinatário; data do pedido de compra etc.
  • Lista de informações não obrigatórias: nome do marketplace; ID do marketplace; estado/província/região (subdivisão do país); telefone do destinatário etc.

“Com a declaração antecipada, a mercadoria poderá chegar ao Brasil já liberada, podendo seguir diretamente para o consumidor. A Receita vai centrar sua fiscalização nas remessas de maior risco, em que nossos sistemas de gestão de riscos, alimentados pelas declarações antecipadas, apontem risco maior de inconsistências”, diz em nota o Ministério da Fazenda.

Não foi informado pelo governo se haverá novas instruções normativas ou outras medidas de reforço na fiscalização.

Por que as varejistas brasileiras apoiam as medidas do governo?

O advogado tributarista e professor de Direito da FGV Rio Gabriel Quintanilha explica que, além da concorrência com varejistas on-line asiáticas, as empresas nacionais enfrentam uma alta carga tributária no país. O imposto de um produto nacional pode corresponder a até 70% do seu valor, segundo ele.

Para o vice-presidente da Unafisco, Kleber Cabral, a Receita Federal não consegue avaliar cada caso adequadamente, aplica uma amostragem, com perda de arrecadação e prejuízo ao comércio varejista nacional, que sofre concorrência desleal dessas e-commerce:

— A ideia do governo é acabar com essa isenção, porque os sites chineses, principalmente, mas não apenas, praticam fraude, e se passam como se houvesse pessoas físicas enviando os produtos.

Pesquisa do Instituto para Desenvolvimento do Varejo (IDV) aponta 22% de evasão tributária do varejo no Brasil em 2020 ocorreu no canal digital, impulsionados pelas importações.

Nos últimos anos, varejistas on-line asiáticas se tornaram um sucesso de vendas no Brasil. Estima-se que a chinesa de moda Shein já seja responsável por um quarto das vendas on-line de vestuário no país. AliExpress e Shoppee se destacam numa ampla gama que vai dos eletrônicos às utilidades domésticas.

O Instituto para Desenvolvimento do Varejo (IDV), que reúne representantes de varejistas brasileiras, vem pressionando o governo para combater o que considera vantagens tributárias exploradas pelas rivais do chamado e-commerce cross-border. Conselheira do IDV, a empresária Luiza Trajano, presidente do Conselho de Administração do Magazine Luiza, criticou essa concorrência em um evento recente, como reportou a coluna Capital, do GLOBO.

— Não pagar imposto é um negócio da China. Isso vai tirar o emprego do Brasil. Estamos trabalhando para conscientizar o consumidor. Queremos ter as vantagens que os outros têm. O consumidor tem que se conscientizar que estamos dando um tiro no pé. Dá então para nós o que o outro tem (de vantagem) — criticou a empresária no South Summit, evento de tecnologia e inovação que reuniu 20 mil pessoas em Porto Alegre no mês passado.

O que dizem as empresas?

Procurada pelo GLOBO, a Shein informou que está comprometida em gerar valor para a indústria, os consumidores e a economia do Brasil e destacou que “as regras do 'de minimis' (tipo de isenção fiscal) são adotadas por muitos países com o objetivo de facilitar o comércio internacional e propulsionar o crescimento local”. A varejista de vestuário chinesa diz apoiar consolidação de regras no Brasil.

“Reconhecemos a importância em propor melhorias para as regras no Brasil de modo a fornecer segurança jurídica para os operadores e garantir que milhões de brasileiros possam continuar a ter acesso ao mercado mundial, bem como a artigos produzidos localmente”, afirmou a Shein em nota.

A Shein também reforçou que cumpre as leis e regulamentos locais do Brasil, e reiterou que "se esforça para estabelecer parcerias com diversos fornecedores e vendedores locais no mercado brasileiro".

A Shopee afirmou que as possíveis mudanças tributárias em compras internacionais não afetarão os consumidores da plataforma que compram dos mais de 3 milhões de vendedores brasileiros registrados no seu marketplace. Segundo a empresa, mais de 85% de suas vendas são de vendedores brasileiros e não do exterior.

"Diferente de outras plataformas que dependem da importação de produtos, o foco da Shopee consiste em conectar vendedores e consumidores locais e ajudar as empresas brasileiras a crescer e prosperar online", diz um trecho do comunicado enviado pela operação brasileira da companhia de Cingapura.

A empresa informou que opera como uma empresa nacional com escritórios em São Paulo, onde conta com mais de 1,5 mil colaboradores na equipe e atende a mais de 3 milhões de vendedores locais registrados.

“Inclusive, apoiamos o governo em qualquer mudança tributária que apoia o empreendedorismo brasileiro, pois também compartilhamos do mesmo propósito e queremos contribuir com o desenvolvimento do ecossistema local”, destacou a Shopee.

O Mercado Livre, que também comercializa produtos internacionais, informou ao GLOBO que está em operação no país há mais de 23 anos, reiterou que o segmento de compras internacionais representa uma pequena parte do volume anual de vendas no Brasil e que respeita integralmente a legislação tributária vigente.

A companhia argentina afirmou que “não se enquadra no questionamento levantado por parte do setor, defendendo que a observação das normas vigentes, a adoção de boas práticas, a qualidade da oferta e a experiência do usuário não dependem da nacionalidade de pessoas ou empresas”.

Também destacou o pagamento de impostos no Brasil. “Atualmente, além da sua contribuição fiscal direta, que aumentou 34% entre 2021 e 2022, superando a marca de R$ 3,5 bilhões no país, a companhia incentiva a formalização de milhares de vendedores do seu marketplace. (...) Além disso, a empresa monitora a natureza fiscal das transações realizadas dentro da plataforma, fazendo com que menos de 5% das vendas sejam realizadas por pessoas físicas, isentas de pagar tributos de acordo com o Código Tributário Nacional", diz a nota.

Procurado, o chinês AliExpress não respondeu até a última atualização desta reportagem.

Webstories
Mais recente Próxima Governo estuda desonerar PPPs da área social, diz ministro da Casa Civil
Mais do Globo

Agressão aconteceu durante partida entre Portugal e Eslovênia; Uefa condenou violência

Polícia alemã investiga vídeo em que torcedor é agredido por segurança da Eurocopa; veja

A Lua nesta quinta-feira (4) está em sua fase minguante; veja calendário das fases lunar para o mês de junho

Lua hoje: veja a fase lunar desta quinta-feira (4)

Procedimentos on-line automáticos e ineficácia de filtros levam a disparada na concessão de BPC e auxílio-doença

Revisão em benefícios da Previdência é essencial para controle de gastos

Centroavante atuou por 27 minutos na segunda etapa e deu ótima assistência para Bruno Henrique

Tite explica Pedro no banco de reservas na vitória do Flamengo contra o Atlético-MG: 'Não sou maluco, ele ia estourar'

Transparência e clareza ajudaram a dissipar dúvidas, facilitando a aceitação das mudanças propostas pelo Plano Real

Comunicação é estratégica na economia contemporânea

Esperamos que a regulamentação da reforma tributária siga princípios de desburocratização, simplificação e paridade

É importante reconhecer a importância da solidez fiscal

Influenciadora brigou com o pai que não aceitava bem o seu relacionamento com o antigo marido, com quem teve um filho, e se envolveu conflitos familiares por política

Filha de Leonardo, Jéssica Beatriz Costa já teve desentendimentos com o pai e João Guilherme; entenda

Demora na definição do vice da chapa republicana está ligada à possível substituição do democrata na disputa pela Casa Branca; favorita entre os nomes cogitados, a vice Kamala Harris pode atrair os 'eleitores nem-nem'

Análise: Silêncio de Donald Trump revela tanto quanto a arrastada cerimônia de adeus de Joe Biden

Sob liderança de Keir Starmer, sigla de esquerda aproximou-se do centro e chega à disputa com eleitorado consolidado; Sunak tenta manter ânimo governista, apesar de avanço da extrema direita

Reino Unido vai às urnas com Partido Conservador em crise e trabalhista favorito pela primeira vez em 14 anos

A abstinência sexual deles durou dias, meses ou até mesmo anos

Folgosi, Bieber e Baby: os famosos que afirmam já ter ficado sem sexo