Economia
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Por Janaína Figueiredo — Buenos Aires

Há alguns dias, o pequeno empresário argentino Gustavo Lazzari, dono do frigorífico Cárdenas, em Buenos Aires, recebeu a visita de seu gerente bancário. Depois de alguns minutos de conversa, Lazzari perguntou ao gerente por que ele tinha vindo, afinal, o banco que representa não tinha nada a oferecer em matéria de financiamento.

A cena reflete a realidade de um país onde pessoas físicas e jurídicas vivem praticamente sem acesso ao crédito e os bancos são cada vez menos relevantes.

Em meio à hiperinflação e com uma taxa de juros anual que o banco central do país elevou de 91% para 97% na semana passada, cada vez mais argentinos recorrem a mercados financeiros informais — e ilegais —, numa espécie de sistema bancário paralelo que vai da venda de cheques (em extinção no Brasil) ao câmbio clandestino. O acesso se dá principalmente nas famosas cuevas (cavernas), encontradas em cada bairro da capital.

Gustavo Lazzari, dono de um frigorífico em Buenos Aires, diz ter dificuldade de acesso ao crédito dos bancos e se financia com a venda de cheques — Foto: Janaína Figueiredo
Gustavo Lazzari, dono de um frigorífico em Buenos Aires, diz ter dificuldade de acesso ao crédito dos bancos e se financia com a venda de cheques — Foto: Janaína Figueiredo

Uma cueva pode funcionar nos fundos de uma loja de bolsas e sapatos em plena Avenida Corrientes, no Centro, ao lado de uma casa de câmbio legal com policiais na porta, no segundo andar de um supermercado de um bairro agitado como o de Flores, numa suposta agência para empenhar joias e comprar ouro no de Belgrano (como indica o cartaz na porta), ou dentro de uma banca de jornal na Florida, corredor de pedestres da área central. Nelas, argentinos negociam cheques, dólares, euros, reais e até criptomoedas.

No Centro, há também os “arbolitos” (arvorezinhas), pessoas que ficam nas principais ruas frequentadas por turistas oferecendo câmbio.

Cheques perdem até 15% do valor

Para encontrar uma cueva basta perguntar a qualquer um no comércio de uma região. A cueva da sapataria da Corrientes, por exemplo, é conhecida por todos que trabalham por ali. Na porta, uma moça oferece dólares a quem passa. No interior da loja, uma cortina entreaberta separa o mercado formal de bolsas e calçados, da financeira clandestina, instalada nos fundos.

As pessoas entram e saem sem constrangimento algum, numa nação onde ninguém pode comprar mais que US$ 200 mensais no mercado oficial, pagando 30% do chamado Imposto País e 35% de tributos que podem ser descontados do Imposto de Renda e Patrimonial do ano seguinte. Há também cuevas virtuais, que operam por apps como WhatsApp.

Com juros de quase 100% e inflação de 109% anuais, as cuevas se tornaram uma saída para quem precisa de capital de giro. Elas compram cheques recebidos por empresários e cobram uma comissão que reduz em 5% a 15% o montante a ser recebido. Um argentino contou ao GLOBO que entrou numa cueva com um cheque de 400 mil pesos e saiu com 360 mil pesos em cédulas, um desconto de 10%.

Há ainda mercados formais, como na Bolsa de Valores, onde pequenas e médias empresas podem transformar cheques pré-datados para 15 ou 30 dias — uma eternidade num país cujos preços subiram, em média, 8,4% só em abril, o dobro da inflação anual brasileira — em liquidez imediata com descontos menores, mas com critérios mais rígidos.

— Na Bolsa, conseguimos vender cheques perdendo 5% do valor, aproximadamente. Venda de cheque é nosso principal crédito — diz Lazzari.

Com a desvalorização galopante do peso, os argentinos fazem malabarismos para financiar suas vidas e seus negócios. Para quem nem consegue acesso aos bancos, muitas cuevas emprestam, mas os juros, em muitos casos, superam a taxa do banco central.

Nas redondezas das estações de trem de Buenos Aires, pequenas agências de financiamento oferecem créditos imediatos a setores populares, com juros de até 20% ao dia. São usados, por exemplo, por vendedores ambulantes e motoristas de táxi e de aplicativos, que alugam carros e não têm renda fixa para comprovar. Essa taxa diária é mais alta que a básica anual no Brasil, de 13,75%.

Informalidade é a norma

Andrés Borenstein, economista-chefe da Econviews, lembra que a Argentina nunca teve um sistema financeiro das dimensões do brasileiro. Nos melhores anos em que esteve vigente a conversibilidade — que atrelou o peso ao dólar, entre 1991 e 2002 —, o estoque de crédito disponível chegou a 24% do PIB. Hoje, é de apenas 7%. Os argentinos não têm acesso a financiamento de imóveis ou automóveis, e as poucas linhas para empresas — com juros entre 65% e 80% anuais, ainda abaixo da inflação — exigem condições difíceis de cumprir.

— Os bancos reclamam do excesso de recursos destinados a financiar o Estado e prefeririam conceder empréstimos a empresas, mas a demanda é baixa, pelas próprias condições da economia e do mercado — diz Borenstein.

O financiamento dos bancos ao governo argentino está alcançando níveis preocupantes. O sistema financeiro local absorve mensalmente as chamadas Leliqs (bônus do Tesouro em pesos), que surgiram após a desvalorização do peso de 2002, e que atualmente atingem um estoque estimado em 14 trilhões de pesos (cerca de R$ 300 bilhões). Essa é a dívida do país com seus bancos.

— Enquanto o Estado pagar juros abaixo da inflação, não temos um problema. As Leliqs representam hoje em torno de 10% do PIB — diz Borenstein.

‘Difícil um brasileiro entender’

Para outros economistas, no entanto, é preocupante o que chamam de “bola de neve das Leliqs”. O problema, acrescenta Miguel Boggiano, CEO da consultoria Carta Financeira, é que os bancos financiam quase unicamente o Estado e fecham as portas para a iniciativa privada. Há algumas linhas de crédito subsidiadas pelo governo para empresas em bancos públicos, mas cada vez mais limitadas.

— Na prática, o que acontece é que todas as aplicações de renda fixa da economia acabam se transformando em financiamento do Estado, esse é o negócio dos bancos hoje. Nenhuma empresa quer ser financiada com taxas de juros tão altas — explica Boggiano.

Com tantas crises em série, os argentinos aprenderam a viver à margem dos bancos, naturalizando os mercados clandestinos. Para os empresários, é mais um obstáculo para investir e produzir num país sem previsibilidade, diz um gerente de uma grande companhia, que pede anonimato. Para as empresas que dependem da insumos de fora, as restrições às importações são uma enorme dor de cabeça, relacionada à escassez de dólares no país.

— Bancos como o Província de Buenos Aires ou o Banco de la Nación Argentina oferecem financiamento com juros entre 75% e 80% ao ano. São taxas negativas, abaixo da inflação anual. Mas as exigências são muitas, e, em alguns casos, pede-se que o dinheiro seja reinvestido no país — diz Leonardo Moroziuk, vice-presidente da Câmara de Comércio Indústria e Serviços Argentino-brasileira (Cambras), reconhecendo que “para um brasileiro é difícil entender o que se vive na Argentina”.

Valor de uma nota de dólar é incerto

Ainda que o câmbio paralelo seja disseminado na Argentina, traz algum risco para turistas estrangeiros — Foto: Sarah Pabst/Bloomberg
Ainda que o câmbio paralelo seja disseminado na Argentina, traz algum risco para turistas estrangeiros — Foto: Sarah Pabst/Bloomberg

No câmbio paralelo das cuevas argentinas, nem toda nota de dólar tem o mesmo valor. Para quem estiver pensando em trocar cédulas americanas nas casas de câmbio clandestinas portenhas, algumas dicas são importantes. As notas mais bem pagas em pesos são as de US$ 100, que estampam o rosto de Benjamin Franklin (1706-1790) em dimensão grande, as mais novas. Se tiver aquela listra azul quase transparente, melhor ainda. Já a cédula de US$ 100 com Franklin em tamanho menor, mais antiga, sofre desconto.

Na última sexta-feira, quem tinha a nota do rosto grande obtinha no mercado paralelo ou blue 480 pesos por dólar — cotação que pode sofrer leves variações entre uma cueva e outra. Já a cédula da face menor era cotada a 460 pesos por dólar. Quem troca essas notas mais antigas costuma perder cerca de 20 pesos por dólar. E não tem para quem reclamar.

Notas de valor inferior (US$ 10, US$ 20 e US$ 50), também valem menos. A regra não escrita é seguida por todas as cuevas e arbolitos, os cambistas das ruas. Questionado sobre o motivo, um respondeu:

— Assim operamos todos. Se eu não fizer o desconto depois vou perder dinheiro. Bem-vinda à Argentina”.

Risco para turistas

Ainda que o câmbio paralelo seja disseminado na Argentina, traz algum risco para turistas estrangeiros, que não têm tanta familiaridade com a moeda local e podem cair em golpes, como receber notas falsas.

Para maior segurança, ainda que as taxas sejam menos favoráveis, a recomendação é usar casas de câmbio legalizadas, financeiras que transferem dinheiro de fora para lá, ou trocar informalmente em estabelecimentos mais confiáveis para os turistas, como os hotéis.

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