Economia
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Por Cássia Almeida, Beatriz Coutinho* e Nicolas Iory, O Globo — Rio e Sâo Paulo

O transporte individual ganhou mais espaço na vida dos brasileiros e nas ruas. Estudo de Rafael Pereira, do Ipea, juntamente com outros pesquisadores, mostra que o número de carros e motos no país cresceu 331%, multiplicando por quatro a frota nas vias entre 2001 e 2020, com maior força fora das grandes metrópoles. No Brasil não metropolitano, a alta foi de 374% .

No período, estima Pereira, subiu de 0,2 para 0,4 a proporção de veículos por habitante nas grandes cidades. Nas médias e pequenas, de 0,12 para 0,29.

O pesquisador diz que, mesmo na população de renda média ou baixa, a participação do transporte público vem diminuindo. O custo das passagens aumentou bem mais que o dos automóveis, sem avanço proporcional na qualidade, estimulando a compra de carros, que têm contado com incentivos públicos junto com os combustíveis.

Tarifas de transporte público dispararam

Trens da SuperVia, no Rio: transporte sobre trilhos é alvo de reclamações de superlotação e lentidão — Foto: Custódio Coimbra
Trens da SuperVia, no Rio: transporte sobre trilhos é alvo de reclamações de superlotação e lentidão — Foto: Custódio Coimbra

Enquanto as tarifas de ônibus e metrô subiram, respectivamente, 62% e 48% entre 2012 e 2019, o preço dos veículos, em média, aumentou 7% no período. E de 2001 até 2020, na pandemia, houve ganho na renda média da população, observa Pereira:

— Com aumento da renda, inevitavelmente você vai para o transporte que considera mais seguro e confortável.

Dez anos depois das manifestações de 2013, que se espalharam pelo país a partir dos protestos contra o aumento da passagem de ônibus em São Paulo, a situação da mobilidade urbana no Brasil piorou. Em uma década, o investimento público no setor caiu a menos da metade, de acordo com estudo do economista Claudio Frischtak, da Inter.B Consultoria.

Investimentos públicos e privados em mobilidade caíram no Brasil — Foto: Editoria de Arte
Investimentos públicos e privados em mobilidade caíram no Brasil — Foto: Editoria de Arte

Se, em 2013, os R$ 8,6 bilhões em recursos estatais aplicados em transporte público já não eram considerados suficientes, o montante de R$ 4,1 bilhões no ano passado ajudam a explicar por que milhares de trabalhadores perdem horas em trajetos desconfortáveis, prejudicando a economia como um todo.

Carro e combustível têm mais incentivo público

Edilson Dantas — Foto: Obras de mobilidade como linhas de metrô atrasam enquanto engarrafamentos só aumentam nas vias de SP
Edilson Dantas — Foto: Obras de mobilidade como linhas de metrô atrasam enquanto engarrafamentos só aumentam nas vias de SP

Enquanto isso, subsídios para automóveis e combustíveis só aumentam. Ainda no ano passado, antes do programa de incentivos fiscais para baratear carros lançado pelo governo federal na semana passada, o setor automotivo já tinha sido beneficiado com isenções tributárias da ordem de R$ 8,8 bilhões, mais que o dobro do investido pelo setor público em mobilidade nas cidades.

Só a desoneração dos impostos sobre combustíveis no último ano do governo de Jair Bolsonaro (mantida parcialmente neste primeiro do de Lula) representou R$ 29,8 bilhões a menos nos cofres públicos.

Os números divulgados na semana passada pelo Ministério do Planejamento indicam, portanto, que, só em 2022, o país investiu em transporte coletivo e de massa cerca de 10% do que concedeu de subsídios tributários para o uso do carro.

Transporte alternativo vira saída

Maria Nazaré prefere a van, mesmo mais cara, para ganhar tempo — Foto: Custódio Coimbra
Maria Nazaré prefere a van, mesmo mais cara, para ganhar tempo — Foto: Custódio Coimbra

Com a falta de modais de massa, o transporte alternativo cresce. A cuidadora Maria Nazaré Oliveira, de 45 anos, acorda quando ainda está escuro. Moradora de Queimados, na Baixada Fluminense, levanta às 4h para pegar o ônibus até o centro da sua cidade, que sai por volta de 4h50.

Ao desembarcar, corre para a fila da van, única condução ali que vai direto para Copacabana, na Zona Sul do Rio, onde trabalha. Há poucos assentos e a passagem é cara, R$ 23, mas sem a van ela teria que encarar ainda trem e metrô, com até duas horas a mais na viagem.

— Se não der para vir na segunda van, venho na terceira. O trem é uma lata de sardinha.

Maria Nazaré não pensa em se mudar para mais perto do trabalho. Gosta do verde do lugar pacato onde vive. Prefere que o transporte mude.

'Sinto que nunca descanso'

Ana Caroline pula de um modal para o outro quando precisa trabalhar e ir à faculdade, aumentando o seu cansaço na jornada dupla — Foto: Alexandre Cassiano
Ana Caroline pula de um modal para o outro quando precisa trabalhar e ir à faculdade, aumentando o seu cansaço na jornada dupla — Foto: Alexandre Cassiano

Antes das 5h, a professora de educação infantil e estudante de Letras na UFRJ Ana Caroline Fernandes, de 24 anos, já está no ônibus. É o início do percurso diário entre Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, e o trabalho, no Vidigal, comunidade da Zona Sul do Rio.

Ela desembarca no Centro da capital e segue para o metrô. Viaja até a estação de São Conrado e logo embarca em uma van para a Praça do Vidigal. Ali, ainda pega um mototáxi para chegar à creche onde trabalha. Leva cerca de 2h30 em dias “tranquilos”.

Ana Caroline vai do transporte de massa ao informal, como a garupa do mototáxi,  em até 12 conduções distintas num só dia — Foto: Alexandre Cassiano
Ana Caroline vai do transporte de massa ao informal, como a garupa do mototáxi, em até 12 conduções distintas num só dia — Foto: Alexandre Cassiano

Com o fim do expediente às 15h30, ela refaz o caminho, mas não chega antes das 19h em casa. O número de conduções em um dia aumenta de oito para 12 quando vai à faculdade, na Zona Norte do Rio, contando com o ônibus interno do campus, que é gratuito. Nesses dias, Ana só chega em casa às 23h40. Dorme apenas quatro horas. Não à toa, reserva os fins de semana só para estudar e dormir.

— Sinto que nunca descanso — conta.

Debate sobre subsídio do transporte avança

Roletas da Central do Brasil, no Rio: País investe menos da metade que há dez anos em mobilidade nas cidades  — Foto: Custódio Coimbra
Roletas da Central do Brasil, no Rio: País investe menos da metade que há dez anos em mobilidade nas cidades — Foto: Custódio Coimbra

Com demanda decrescente, agravada na pandemia, o transporte público vai se deteriorando mais. Como o sistema só se financia com as tarifas, a perda de passageiros aumenta a pressão por mais reajustes. Some-se a isso o impacto da alta recente da inflação.

— Nos últimos 20, 30 anos, houve redução no volume de passageiros e aumento no custo da tarifa. É uma tendência, uma espiral descontrolada. E a pandemia pôs gasolina nesse movimento, com queda abrupta e mais forte do número de passageiros. Com isso, há queda na qualidade e o tempo de deslocamento só aumenta -- diz Pereira, pesquisador do Ipea.

No período de isolamento da pandemia, muitas prefeituras represaram aumentos, e o Congresso aprovou emendas que destinaram recursos públicos ao setor. Desde então, cresce entre analistas a avaliação de que o transporte público precisa de subsídios para atender a todos e bem.

Segundo Rafael Calabria, coordenador do programa de Mobilidade Urbana do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), o debate tem avançado desde 2013. Para ele, não é adequado apoiar o sistema inteiro na tarifa, mas é preciso algum apoio:

—O setor já vinha em constante piora, e está claro que tem que mudar.

Ônibus da EPT, em Maricá, com tarifa zero  — Foto: Brenno Carvalho
Ônibus da EPT, em Maricá, com tarifa zero — Foto: Brenno Carvalho

Calabria mapeou as cidades no país que decidiram assumir toda a conta do transporte público, baseado principalmente em frotas de ônibus, e já estão oferecendo passe livre. São 73 municípios pequenos e médias. Apenas sete têm mais de cem mil habitantes. O maior é Caucaia, com 368 mil moradores, na região metropolitana de Fortaleza.

Maricá, na Região dos Lagos do Rio, terceiro maior da lista (168 mil habitantes), implantou o passe livre em 2014 e colheu efeitos positivos, diz Calabria:

— O que observamos é que aumenta o uso do transporte, incentiva as pessoas a se deslocarem na cidade e reduz o uso do carro. Aumenta em duas a quatro vezes o uso do ônibus. Houve casos de cidades costeiras como essa em que havia pessoas que nunca tinham ido à praia. Entendo que mais cidades devem ir nesse sentido.

Para Pereira, do Ipea, essas iniciativas ainda estão restritas a cidades menores que têm mais fontes de financiamento, como royalties do petróleo, caso de Maricá, ou com uma grande empresa instalada que gere recursos, como a Vale em Mariana, em Minas Gerais.

Para desarmar “a bomba-relógio” do transporte coletivo, Pereira diz que é preciso repensar regras de financiamento do setor, por meio de orçamentos das prefeituras ou da União. Ou um pouco de cada:

—Não existe um modelo muito claro, mas há clareza de que precisa ter subsídio. Poderia fazer a focalização com o bilhete único, mas nem todas as cidades têm condições de fazer a bilhetagem eletrônica.

Claudio Frischtak, da Inter.B Consultoria, lembra que a tendência global hoje em termos de planejamento urbano é a de cidades compactas, para diminuir o tempo de deslocamento. Para isso, é preciso ter um sistema de transporte consistente com esse conceito.

 Claudio Frischtak, da Inter.B Consultoria e especialista em infraestrutura — Foto: Fernando Lemos/Agência o Globo
Claudio Frischtak, da Inter.B Consultoria e especialista em infraestrutura — Foto: Fernando Lemos/Agência o Globo

— E, em nenhuma hipótese, deve-se subsidiar o transporte individual. Pode-se até impor penalidades, como o pedágio urbano (que cobra taxas para desestimular a circulação de carros em áreas centrais e estimular o uso de transporte coletivo). Mesmo que o subsídio seja para todos, é um incentivo para as pessoas deixarem o carro em casa.

Obra atrasada em SP evidencia problema

Obra atrasada do monotrilho em São Paulo — Foto: Edilson Dantas
Obra atrasada do monotrilho em São Paulo — Foto: Edilson Dantas

Além da falta de investimentos públicos, há a má distribuição dos recursos e o atraso nas obras. Um exemplo é a Linha 17-Ouro do Metrô de São Paulo, cujas obras que deveriam ter sido concluídas em 2013.

O atual governador do estado, Tarcísio de Freitas, promete concluir o monotrilho que vai conectar o Aeroporto de Congonhas à estação Morumbi, na Zona Sul da capital paulista. As oito estações do primeiro trecho estão sem previsão de entrega e os outros dois trechos, em “reprogramação”.

Em maio, o Metrô rescindiu o contrato de R$ 498 milhões com as construtoras Coesa e KPE, que formam o Consórcio Monotrilho Ouro. O governo paulista agora pode contratar uma das empresas que participaram da concorrência anterior, lançar uma nova licitação ou repassar a obra para a empresa que vai operar o monotrilho, a ViaMobilidade. Enquanto isso, os congestionamentos crescem nas ruas da maior cidade do país.

Pasta diz que há em curso obras de R$ 14,3 bi

Obras do BRT Transbrasil, no Rio, em dezembro de 2022: ritmo lento — Foto: Gabriel de Paiva
Obras do BRT Transbrasil, no Rio, em dezembro de 2022: ritmo lento — Foto: Gabriel de Paiva

O Ministério das Cidades informou que o governo Lula pretende impulsionar projetos de mobilidade no país com ações pautadas pela Política Nacional de Mobilidade Urbana, com a elaboração do Marco Legal do Transporte Coletivo.

Segundo a pasta, há uma carteira de investimentos em curso com recursos da União e do FGTS que somam R$ 14,3 bilhões, sendo que R$ 8,7 bilhões (60%) já foram executados. O BNDES informou que os desembolsos na área subiram de R$ 350 milhões em 2021 para R$ 5,4 bilhões, basicamente para a Linha 6 do metrô de São Paulo.

*Estagiária sob supervisão de Cássia Almeida

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