Ao lado da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva criticou nesta segunda-feira a aprovação de leis do bloco que podem limitar as exportações do Brasil. Em declaração à imprensa no Palácio do Planalto, Lula também criticou trecho do acordo entre Mercosul e União Europeia (UE) que trata de "compras governamentais" — mais uma sinalização de que só haverá avanço nas tratativas com revisão de pontos do pacto negociado nas últimas décadas.
O trecho que desagrada Lula permite que empresas europeias e brasileiras recebam o mesmo tratamento em compras realizadas pelo governo federal. Desde que o petista assumiu o cargo, o governo brasileiro aponta este trecho do acordo como um obstáculo à reindustrialização do país, já que empresas europeias poderiam disputar processos licitatórios para vender bens ao poder público. O governo entende que a concorrência poderá enfraquecer o desenvolvimento de negócios locais.
— Reiterei o desejo do meu governo de construir uma agenda bilateral positiva. Com cooperação ativa, podemos abrir horizontes benéficos em diversas áreas. Por isso, o Brasil manterá o poder de conduzir as políticas de fomento industrial por meio do instrumento das compras públicas. Unir capacidades em matéria de pesquisa, conhecimento e inovação é igualmente decisivo como resposta ao desafio de gerar empregos e distribuir renda — disse Lula.
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No início do ano, o acordo estava em fase de revisão técnica. Como informou O GLOBO, com a abertura da negociação do mérito do acordo, como deseja Lula, o risco é que haja prejuízo de anos para um desfecho.
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Ao lado de Lula, contudo, Ursala von der Leyer afirmou que espera a conclusão do pacto comercial até o fim do ano.
— Acreditamos que é chegada a hora de concluir o acordo União Europeia-Mercosul. Temos a ambição de terminá-lo o quanto antes, o mais tardar até o final do ano. Eu acredito que há grandes vantagens para ambos os lados. Porque o acordo vai criar condições corretas para que flua o investimento. Vai respaldar a reindustrialização do Brasil, vai ajudar a reintegrar as nossas cadeias de suprimento e aumentar a competitividade das nossas indústrias globalmente — afirmou a comissária.
No encontro, Lula também reclamou da aprovação de leis pelo Parlamento Europeu, que poderiam ser prejudiciais às exportações brasileiras.
— Expus à presidente Van Der Leyen as preocupações do Brasil com o instrumento adicional ao acordo apresentado pela União Europeia em março deste ano, que amplia as obrigações do Brasil e as torna objeto de sanções em caso de descumprimento. A premissa que deve existir entre parceiros estratégicos é a da confiança mútua e não de desconfiança e sanções. Em paralelo, a União Europeia aprovou leis próprias com efeitos extraterritoriais e que modificam o equilíbrio do Acordo. Essas iniciativas representam restrições potenciais às exportações agrícolas e industriais do Brasil — disse Lula.
Em abril, o Parlamento Europeu aprovou por ampla maioria uma lei que fecha a porta para importação de produtos originários de áreas desmatadas após dezembro de 2020. Na lista, estão itens como carne, soja, madeira e café. Para especialistas, a nova legislação pode reduzir a competitividade das exportações brasileiras, pois o cumprimento das regras representará um custo para as empresas.
O posicionamento de Lula em relação a compras governamentais, reafirmado nesta segunda-feira, ao lado da presidente da Comissão Europeia, demonstra uma guinada em relação ao governo do ex-presidente Jair Bolsonaro. Em 2021, dois anos depois de concordar em dar o mesmo tratamento a empresas brasileiras e europeias em licitações públicas, o Brasil apresentou interesse em aderir a um acordo nesse sentido no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC). Existe a expectativa de um recuo de Lula também na esfera multilateral.
Na visão do governo Lula, antes de beneficiar empresas de países desenvolvidos, como os europeus, nas compras governamentais, é preciso atender a firmas nacionais, especialmente as de micro, pequeno e médio portes. Um ponto em comum entre Bolsonaro e Lula, segundo um interlocutor, é que existem áreas estratégicas que precisam ficar de fora de um acordo desse porte, como saúde e defesa. E isso deve ficar bem claro na retomada das negociações de um tratado entre Mercosul e União Europeia.
Outro ponto criticado por Lula foi a aprovação de leis na União Europeia com efeitos em países que não fazem parte do bloco. Com base nessa nova legislação, que proíbe a compra de produtos oriundos de áreas desmatadas, os europeus querem anexar um documento extra ao acordo que permite sanções a outros mercados, que têm suas próprias leis, que é o caso do Brasil, onde vigora o Código Florestal.