Economia
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Por Juliana Causin — São Paulo

A regulação brasileira do mercado de criptomoedas não vai eliminar por completo o risco de fraudes milionárias envolvendo moedas digitais. Mas as regras vão ajudar investidores a separar melhor as empresas sérias de "aventureiros". Essa é a visão de Reinaldo Rabelo, CEO do Mercado Bitcoin, maior corretora cripto da América Latina. Para ele, o marco legal pode ser um impulso para o setor fazer uma virada e "se tornar mais saudável do que problemático".

Sancionada no fim do ano passado, a legislação que impõe regras à operação das criptomoedas no Brasil entrou em vigor no último dia 20 de junho. O Banco Central será o regulador das exchanges, e ainda cabe à autoridade monetária definir detalhes da regulamentação.

Reinaldo Rabelo, CEO do Mercado Bitcoin — Foto: Edilson Dantas
Reinaldo Rabelo, CEO do Mercado Bitcoin — Foto: Edilson Dantas

Um dos pontos que ficou de fora na lei é o mecanismo de segregação patrimonial - ou seja, necessidade das corretoras dividirem o que é ativo da empresa e o que é ativo dos clientes. Para Rabelo, essa é uma exigência que poderia evitar, no Brasil, problemas como os que aconteceram nos EUA e abalaram o mercado, incluindo o colapso da FTX e os processos contra a Binance e a Coinbase, três das maiores corretoras de criptomoedas do mundo.

Rabelo admite que os casos minam a confiança de todo o mercado, mesmo para empresas sérias. Mas diz que "a jornada cripto ainda está no início", e aposta no potencial de crescimento da criptoeconomia, incluindo novos usos da tecnologia para o setor de meio de pagamentos.

Entre os planos da empresa para esse setor, estão o lançamento do "Pix Cripto" e um cartão, em parceria com a Mastercard, que irá permitir compras usando saldo de investimentos em criptomoedas. Tecnicamente, não significa que o pagamento será 100% com Bitcoin, por exemplo. Mas, do ponto de vista prático, é isso que vai acontecer, diz Rabelo.

Ao GLOBO, o CEO do Mercado Bitcoin fala ainda sobre a expectativa para inclusão de soluções criptos no Real Digital, piloto do BC qual a empresa faz parte; do novo braço do MB voltado para o investimento em startups e do ciclo de baixas recente pelo qual passaram os ativos digitais.

Qual é a sua avaliação sobre a regulação do mercado de criptomoedas, que passou a valer em junho?

Eu sempre gosto de regulação, porque eu acho que ela ajuda a criar um ambiente em que todo mundo se sente mais confortável, do lado das empresas, para empreender e competir e, do lado dos consumidores, para usar os serviços. Cria uma estabilidade. Evidentemente, esse tipo de regulação só faz sentido quando o mercado se torna relevante - seja porque muita gente está acessando, porque há um aumento nos casos de fraudes ou porque entrou em contato com temas institucionais.

No caso das criptomoedas, esses três movimentos aconteceram. O número de investidores aumentou, muitos problemas surgiram com empresas que trabalham à margem da lei e o Banco Central passou a testar a criação de um Real Digital.

A lei aprovada é principiológica e os parâmetros ainda vão ser definidos pelo BC, então temos que esperar por isso. O lado positivo, que eu vejo, é que o BC criou parâmetros para o funcionamento dos bancos digitais, as fintechs, e isso impulsionou o mercado. Se ele adotar uma postura parecida agora, o mesmo deve acontecer com o mercado de criptomoedas.

Um dos pontos que você já criticou foi a ausência, na regulação, da obrigatoriedade de segregação patrimonial. Quais são os riscos da lei não trazer esse ponto?

A segregação patrimonial diz que os ativos da empresa não devem se confundir com os ativos dos clientes. Isso serve tanto para proteção de uma situação como a da FTX (corretora americana que colapsou no fim do ano passado), mas também para o caso de uma eventual falência dessas empresas. Nesse caso, o cliente precisa ter a garantia de que aquele dinheiro não vai para a massa falida.

A segregação patrimonial acaba sendo uma proteção maior para o cliente. Se a gente quiser um mercado saudável no longo prazo, é melhor termos essa regra. Até para o Estado garantir que todo mundo vai operar com as devidas responsabilidades.

Você tem expectativa que a segregação patrimonial seja incluída nos parâmetros regulatórios que o BC ainda vai apresentar?

O ideal é que estivesse na lei, mas ainda há possibilidade do Banco Central adotar critérios para a segregação. Isso pode acontecer com a definição de um nível mais relevante para as corretoras que adotam a segregação ou até como condição para concessão de licença. O BC pode, sim, criar elementos nesse sentido.

Não terá a mesma força que a lei, mas pode vir a ser até um critério para o cliente escolher uma exchange - correr mais risco com as que não fazem a segregação ou correr menos risco com as que fazem. De qualquer forma, a obrigatoriedade de ter de responder ao Banco Central já deve separar o mercado dos aventureiros das empresas sérias. Vai eliminar as fraudes? Eu acredito que não, mas teremos um ambiente bem mais saudável.

Ainda sobre fraudes, o mercado passou por uma crise de confiança recente com o colapso da FTX. Depois, duas das maiores corretoras do mundo, a Binance e a Coinbase, foram processadas pela SEC. Como fica a confiabilidade para o mercado cripto depois disso?

Sem dúvida nenhuma, são casos que geram desconfianças (sobre o mercado). O cliente passa a se perguntar se outras corretoras não fazem o mesmo. Por isso mesmo que a gente luta pela regulação. Não é porque a gente gosta de prestar contas o tempo inteiro, nem que a gente concorde com a carga tributária no Brasil. Mas é, sim, muito em função de manter um ambiente saudável de negócios. Esses casos sempre acabam trazendo prejuízo para quem está seguindo as normas e aplicando as leis.

Reinado Rabelo: "Estamos trabalhando para criar um sistema de 'Pix cripto'".  — Foto: Divulgação/Mercado Bitcoin
Reinado Rabelo: "Estamos trabalhando para criar um sistema de 'Pix cripto'". — Foto: Divulgação/Mercado Bitcoin

Se ficarem comprovadas as irregularidades na Binance e na Coinbase vai haver um dano muito grande a todo o mercado. Por outro lado, as empresas cripto estão se tornando mais organizadas e ampliando seus mecanismos de governança. Empresas que já trabalham bem com governança, como aquelas do mercado financeiro tradicional, estão começando a adotar as criptomoedas também.

Acredito que já estamos chegando nessa virada em que o mercado vai se tornar mais saudável do que problemático. Nosso receio é que novas bombas ainda podem estourar e a gente sabe que isso afeta todo mundo, mesmo quem não tem ligação nenhuma com o problema.

Além da crise de confiança, o mercado sofreu também com quedas generalizadas no ano passado. O que ainda pode atrair as pessoas para esses ativos?

A jornada cripto ainda está no início. A gente não tem uma adoção total por parte de empresas e pessoas. Então eu acho que ainda existe um potencial grande de crescimento na criptoeconomia pura, nas redes de tecnologia, no blockchain, nos NFTs e em seus respectivos tokens. Redes como a do Bitcoin e do Ethereum ainda podem ganhar relevância. Não chegamos ao ápice dos casos de uso para elas. Esse é um aspecto.

O segundo ponto é que essas redes permitem diversas aplicações. O que a gente vê são apenas alguns casos conectados com elas. Mas é possível utilizar o blockchain como uma ferramenta, como uma tecnologia que vai permitir conexões com atividades da nossa vida e vai facilitar essas atividades - para digitalizar e levar segurança para compra de ingressos, por exemplo. E se a rede passar a ser mais utilizada, quem investiu nela vai ter um ganho. Então eu acredito que tem espaço para se gerar ganhos do investimento em criptoativos. É para isso, inclusive, que estamos olhando no MB. Nós queremos pegar essa próxima onda.

Vocês conseguiram recentemente uma autorização do BC para operar como meio de pagamento com o MB Pay. Quais são os planos para esse braço?

Desde que começamos, em 2013, a gente imaginou que o mercado cripto ia se conectar com o mercado financeiro tradicional. As corretoras e bancos estão oferecendo criptos, mas não é bem isso que a gente imaginava. O que eu vejo é que a melhor maneira de conectar as criptomoedas com o mercado financeiro é a gente se transformar no mercado financeiro. Pensando em como que eu faço para transformar a experiência, por exemplo, de remessas de câmbio de pequenos valores.

Queremos facilitar esse tipo de experiência, para que ela seja mais barata e com menos fricção. Para quem tem investimento em cripto, a ideia é que essa pessoa possa fazer pagamentos também sem barreiras, podendo usar o saldo que tem para pagar determinado compromisso. O que a gente quer fazer é essa conexão do ecossistema de criptomoedas para pagamentos cotidianos. A pessoa paga em reais, mas usando o saldo em Bitcoin.

O que mais vocês têm planejado nessa linha?

Estamos trabalhando para criar um sistema de "Pix cripto". O usuário vai poder enviar um Pix para a própria conta e transformar aquele valor no que ele quiser. No campo de comentário, vai ser possível explicar o que ele quer que aconteça com aquele valor - que ele vire Bitcoin, Ether ou qualquer outro tipo de ativo. São essas soluções que estamos buscando. Esse recurso está em fase final, com testes em parte da nossa base de clientes, e devemos lançar nas próximas semanas para público.

Como estão os planos para um lançamento de cartão integrado com criptomoedas?

Nós temos uma parceria com a MasterCard, que está conosco também nos pilotos do Real Digital. A ideia é que nosso cartão não seja só de reais. O objetivo é conectar com as finanças criptos, que é algo que a Mastercard tem buscado fazer no mundo inteiro. Devemos lançar o cartão no próximo mês, um pouco depois do "Pix Cripto".

Nossa expectativa é que o usuário possa usar o saldo em criptomoedas para realizar compras e fazer pagamentos em todo mundo. As criptos seriam o instrumento para fazer essa transformação de moedas. Em conjunto com a MasterCard, queremos que isso aconteça dentro do cartão, para que o consumidor possa, em breve, ter cartão que faz compras com criptomoeda.

Mas como essa "transferência" vai acontecer? Como o comércio vai receber em criptomoeda?

A rede Bitcoin em si dificulta o pagamento. Se eu tenho R$ 15 mil investidos em Bitcoin, a ideia é que eu possa fazer compras usando esse crédito. O cartão pode ser um vetor para transformar os investimentos em tokens em uma forma de pagamento. Do lado técnico, isso não é pagar 100% com Bitcoin, mas do ponto de vista prático, é isso que vai acontecer. Para simplificar: o lojista não vai precisar ter Bitcoin para receber esse pagamento. Vamos reduzir essa fricção. O receptor recebe em real e o saldo usado é de Bitcoin.

O MB entrou em junho para ser o piloto do BC para o Real Digital. Qual sua expectativa sobre o projeto?

Ele serve a dois propósitos. O primeiro é de fato contribuir para o desenvolvimento dessa tese do BC. Nós também somos o único representante cripto no piloto do Real Digital. Nossa luta é também para que as criptomoedas não sejam colocadas como um elemento secundário. A gente quer que o Real Digital tenha os atributos que são importantes para o mundo cripto.

Outro aspecto é que a formação desse consórcio não se restringe ao plano Real Digital. Vamos aproveitar esse trabalho em conjunto, também com Sinqia, Cerc e Mastercard, para desenvolver novos produtos e serviços, para levar novas tecnologias para o mercado. Nossa intenção é construir um produto importante para o mercado desde já, mesmo antes de existir o Real Digital lá na frente.

Vocês lançaram neste mês também o MB Startups, voltada para captação de startups via crowdfunding. Qual é o objetivo de entrar nesse mercado?

Vamos usar o blockchain para fazer o controle de titularidade e o token para ajudar o investidor a ter controle do investimento (na startup). Vai facilitar tanto a gestão para empresas quanto para investidores. Queremos captar todo o potencial desse mercado de empresas antes dela abrir capital, ajudando as startups, mas também os fundos. Nós temos ofertas públicas, mas também privadas, em que a gente organiza a captação com um grupo de investidores. O que ele fazia antes no Excel, agora a gente pode transformar em token e facilitar a visualização e o acompanhamento por todos os envolvidos.

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