Economia
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Por Cássia Almeida, Vinicius Neder e Caroline Nunes — Rio

Se antes era uma unanimidade que a máquina pública brasileira estava inchada, hoje especialistas defendem que a agenda a atacar é a da eficiência, modernização e gestão. Os gastos e o quantitativo do funcionalismo não são maiores do que a média internacional, mas escondem distorções e, na ponta, quem sofre é o cidadão.

A partir de hoje, O GLOBO publica uma série de reportagens semanais sobre a gestão pública, buscando traçar um diagnóstico e listar soluções para tornar o estado mais eficiente na prestação de serviços à população.

Nas contas do economista Fabio Giambiagi, pesquisador associado da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), os gastos com o funcionalismo federal, incluindo aposentados e pensionistas, caíram de 5,1% do PIB, em 1995, para 3,4%, em 2022.

A redução, acelerada nos últimos anos, reforça a avaliação de que uma reforma administrativa deveria ser focada na melhora da eficiência e da qualidade dos serviços públicos, e não no corte de despesas públicas.

A queda das despesas foi resultado de reformas como as de 2003 (que introduziu a cobrança de contribuição previdenciária mesmo para servidores aposentados), 2013 (que criou o Funpresp, fundo de previdência dos funcionários públicos federais) e 2019 (a Reforma da Previdência).

Nos últimos anos, segundo Giambiagi, a redução dos gastos se acentuou com o congelamento dos salários durante o governo Jair Bolsonaro.

— Tem uma tendência, mas ela se acentua muito nos últimos três anos. Alguma reversão, dada a mudança de 180 graus na característica do governo neste ano, é possível que aconteça, mas, definitivamente, não vai voltar ao nível de 2019 — afirmou Giambiagi.

O Brasil tem cerca 11 milhões de funcionários públicos, distribuídos da seguinte forma: 1 milhão na esfera federal, 3,4 milhões nos estados e 6,7 milhões nos municípios, com 60% deles dedicados à saúde e à educação. Isso equivale a 5,6% da população. Uma parcela mais alta que a média latino-americana (4,4%), porém bem mais baixa que a encontrada nos países da OCDE (que reúne as nações desenvolvidas), que é de 9,5%. Mas esses números escondem distorções.

Retrato da máquina pública — Foto: Editoria de Arte
Retrato da máquina pública — Foto: Editoria de Arte

— Talvez se tivéssemos um processo de digitalização mais acelerado, precisássemos de menos gente. Mas a máquina ainda é muito analógica e há desequilíbrios muito claros. Há lugares inchados e outros com escassez e envelhecido, não só no sentido etário, no sentido da modernização, de treinamento, de capacitação dos servidores — afirma a economista Ana Carla Abrão, vice-presidente da B3 e que foi secretária de Fazenda de Goiás.

Essa estrutura mais engessada diminui a produtividade da economia como um todo, reduzindo o crescimento do país, com impacto direto na população, alerta a economista.

Serviço comprometido

Há áreas que não são passíveis de ajustes no Executivo federal. Entre o um milhão de servidores federais, 362 mil são militares e 268 mil estão em universidades e institutos que têm autonomia garantida na Constituição.

Já na administração direta, são 240 mil, contingente que vem diminuindo ao longo dos anos, afirma Cláudio Hamilton dos Santos, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Em 2015, eram 313 mil. INSS, IBGE, Ibama e Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (Dnocs) são exemplos de órgãos que acabam sendo afetados pela redução, diz o pesquisador:

— São órgãos que não contratam pessoas há muito tempo.

E o efeito desse engessamento desemboca no serviço ao cidadão. O INSS é o exemplo mais claro. Em junho, havia cerca de 1,8 milhão de pedidos de auxílio doença, aposentadorias e pensões na fila de espera. O número de funcionários no instituto em 2021 era de 20.332, pouco mais da metade do que tinha em 2012 (37.981). Com isso, Maria da Glória de Santana, de 75 anos, espera há quase um ano para conseguir a aposentadoria:

— Quando eu receber minha aposentadoria e estiver com esse dinheiro na mão, vou usar para o que for necessário. Por enquanto, não faço planos, porque ainda não tenho certeza de quando vai sair.

A batalha pela aposentadoria tinha começado antes, há cinco anos. Precisou entrar na Justiça para comprovar tempo de contribuição. Ela trabalhou como balconista de loja e como babá. Ganhou na Justiça, mas não conseguiu que o INSS liberasse o pecúlio.

— A gente trabalha, paga tudo certinho. Espero que saia este ano, porque hoje eu dependo do meu marido para tudo — conta Maria da Glória.

Para Ana Carla, depois de alguns anos sem concurso, além da distorção na distribuição dos servidores, houve perda do capital humano:

— Ter gente nova entrando, oxigenando, sem caráter etário, com novas ideias, é importante. O país vive uma crise no setor público, com modelo operacional mais antigo, o que faz com que não sobre recursos para capacitar.

Segundo a consultora econômica Zeina Latif, o número de funcionários públicos não é alto, mas o que mexe com a questão da eficiência do serviço para a população é a desigualdade nas remunerações:

— Isso tem repercussões na oferta do serviço público. O que falta é um mecanismo de cobrança para garantir a qualidade do serviço. É um problema em série que desemboca na ponta, no atendimento à população. Aquele funcionário não tem formação suficiente nem autonomia para lidar com as dificuldades ali na ponta, que dependem do julgamento dele.

Natália Moraes, de 43 anos, também está à espera na fila do INSS. Mãe de cinco filhos — um deles de 9 anos diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista (TEA) — ela tem direito ao benefício assistencial dado a pessoas com deficiência, de um salário mínimo, mas não conseguiu receber ainda. Enquanto espera, precisa vender biscoitos na barca que faz o percurso Rio-Niterói para sustentar a família:

— O benefício vai me ajudar muito, vou poder me dedicar mais ao meu filho.

Ela entrou com pedido há cinco anos. Teve o requerimento negado, mas a Justiça ordenou que ela recebesse a transferência. Mesmo com a ordem judicial, espera desde março receber o benefício:

— Não tenho como ficar em casa parada, tenho duas crianças que dependem de mim, sou eu quem sustenta a casa.

Carreiras demais

Para Ana Carla, a solução passa também pela revisão no número de carreiras no funcionalismo. Pelas contas da economista, há 309 ocupações na esfera federal, umas 50 em cada um dos estados e igual número nos mais de 5.500 município, o que faz o número de carreiras ser exagerado:

— É preciso ter revisão agressiva do número de carreiras e avaliação efetiva.

Devido aos regimentos específicos de cada uma delas, essa quantidade de ocupações impede a transferência de servidores entre áreas que estão inchadas para onde está faltando pessoal. Segundo o secretário de Gestão e Inovação do ministério de mesmo nome, Roberto Pojo, hoje há 130 carreiras no serviço público federal. A intenção é reduzir esse número, mas não há uma estimativa de quantas serão:

—Estamos trabalhando para que as carreiras sejam transversais, para ter agilidade nas transferências de pessoal e para poder fazer compensações em carreiras nas quais a atividade foi automatizada.

O secretário afirmou que o número de servidores caiu em 73 mil desde 2016, e eles não serão integralmente repostos. O governo anunciou concurso para repor 8 mil vagas:

—Não existe a perspectiva de repor os 73 mil, isso é muito claro. A política de reposição vai dialogar com o espaço fiscal, não está desassociada.

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