A nova série documental da Apple TV+ 'Wanted: the Escape of Carlos Ghosn (Procurado: A Fuga de Carlos Ghosn) chega ao streaming nesta sexta-feira e, segundo críticos, deixa para o espectador julgar se o ex-CEO da Nissan é uma vítima ou um vilão.
De acordo com o The Guardian, a história da fuga de Ghosn - já contada em jornais, noticiários e pelo próprio executivo - foi feita para a tela.
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O jornal destaca que a fuga do ex-chefe da Nissan e da Renault do Japão, enquanto aguardava julgamento por suposta má conduta financeira, em dezembro de 2019, parecia uma sequência extraída de um filme de assalto de Hollywood - uma trama meticulosamente organizada envolvendo uma caixa de equipamentos de áudio, um jato particular e um encontro próximo com a segurança do aeroporto japonês.
Seu sucesso foi um constrangimento para as autoridades japonesas.
A série, em quatro partes, baseada no livro Boundless: The Rise, Fall and Escape of Carlos Ghosn, dos repórteres do Wall Street Journal Nick Kostov e Sean McLain, também explora o vasto e obscuro terreno da mega-riqueza internacional, das intrigas corporativas e dos negócios financeiros obscuros.
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O Guardian lembra que assim como a série da BBC - The Last Flight - e o filme da Netflix - Fugitive: The Curious Case of Carlos Ghosn - a da Apple mostra a ascensão e a queda de Ghosn, que passou de célebre executivo de negócios - o exaltado cérebro por trás da parceria entre a montadora francesa Renault e a fabricante japonesa Nissan - a fugitivo internacional.
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Ghosn, que rejeitou as acusações no Japão classificando-as como uma conspiração para impedir a fusão da Nissan com a Renault, ainda enfrenta um mandado de prisão da França, alegando uso indevido de fundos corporativos e lavagem de dinheiro, entre outros crimes financeiros.
"É uma daquelas histórias em que, quanto mais você se aprofunda e quanto mais camadas você remove, mais sombria e distorcida ela se torna", disse o diretor da série, o britânico James Jones. "É uma história complicada. Não é preto e branco. Não é necessariamente uma vítima ou um vilão."
Nascido na Amazônia brasileira, filho de imigrantes libaneses, e educado na França, Ghosn personificou o triunfo dos negócios globalizados - multilíngue, regionalmente implacável, com aliados e ativos em vários continentes.
Os primeiros episódios descrevem a faca de dois gumes da celebridade Ghosn: um líder perspicaz abençoado com o toque de Midas e uma tendência implacável de redução de custos (para grande desgosto dos trabalhadores de montadoras japonesas e francesas cujas fábricas ele fechou), um egocêntrico com gosto pelo luxo e remuneração excessiva nos moldes do capitalismo americano.
Ghosn "se via como tendo uma mentalidade empresarial americana em que, como CEO, ele dirige uma empresa - o sucesso depende dele e ele merece ser remunerado como quiser", disse Jones ao The Guardian. "Mas o problema é que a França e o Japão não compartilhavam dessa visão. E sempre houve essa reação negativa."
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Tanto as investigações japonesas quanto as francesas sobre Ghosn envolveram questões de remuneração de executivos, embora a série tenha o cuidado de delinear entre as acusações japonesas e as alegações mais substanciais na França.
Os promotores japoneses, trabalhando com a Nissan, alegaram que Ghosn ocultou uma renda de cerca de ¥ 9,1 bilhões (US$ 79 milhões), que a montadora planejava pagar ao executivo depois que ele se aposentasse, entre 2010 e 2018, quando ele foi preso após aterrissar no aeroporto internacional de Tóquio.
Ghosn, que negou todas as acusações, foi detido por 13 meses sob vigilância 24 horas por dia e pode pegar 10 anos de prisão.
A série reúne evidências convincentes de que as acusações foram motivadas, pelo menos em parte, pelo medo de uma possível fusão com a Nissan, com manobras dissimuladas que lembram os acordos de traição da série Sucession, e que Ghosn compreensivelmente acreditava que não receberia um tratamento justo no Japão, onde os promotores têm uma taxa de condenação de quase 99% nos casos que vão a julgamento.
Ghosn processou a Nissan em US$ 1 bilhão, alegando difamação e perda de renda. Greg Kelly, ex-executivo americano da montadora e que participou da série, foi atraído para o Japão e, da mesma forma, preso e detido; ele foi condenado por ajudar Ghosn a subnotificar sua remuneração e sentenciado a seis meses de prisão.
O episódio final trata da investigação francesa, que surgiu depois que os inquéritos sobre as acusações japonesas revelaram negócios financeiros questionáveis entre Ghosn, a Renault e uma concessionária de automóveis em Omã.
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Os promotores franceses alegam que Ghosn canalizou quase 15 milhões de euros (cerca de US$ 16,2 milhões) em fundos da Renault, por meio do distribuidor de Omã, para uso pessoal, incluindo a compra de um iate de 120 pés.
Questionado diante das câmeras sobre as acusações francesas, Ghosn é desafiador e loquaz, oferecendo uma densa réplica que envolve acionistas, filhos, pagamentos e assinaturas. "Ele tem uma maneira de responder a essas perguntas simplesmente jogando detalhes em você e levantando essa nuvem de poeira", disse Jones.
Segundo a crítica do The Guardian, se há uma lógica nos protestos de inocência de Ghosn, é a crença no valor altíssimo do CEO e a ideia nitidamente moderna de que chegar ao topo da hierarquia corporativa justifica uma riqueza exorbitante.
"Em um nível moral, tenho certeza de que Carlos Ghosn acha que não fez nada de errado", disse Jones. "Ele acha que valia mais dinheiro e encontrou maneiras de se compensar de forma mais justa, em sua opinião. Mas o problema é que não se tratava de Carlos Ghosn, e sim de uma empresa de capital aberto. Ele pode ter salvado as empresas, mas trabalhou para ambas. Ele era funcionário dessas duas companhias com acionistas... ele tinha que responder a essas pessoas, você tinha que seguir as regras delas."
A série coloca explicitamente a questão de Carlos Ghosn: vítima ou vilão? Com linhas borradas, narrativas sobrepostas e rastros de papel complicados, ela não chega a uma resposta simples. "As acusações contra ele (no Japão) e seu tratamento foram totalmente desproporcionais; as coisas das quais ele foi acusado eram conhecidas por muitas pessoas dentro da empresa", disse Jones.
"Ficou claro que a decisão foi tomada para derrubá-lo, em vez de uma investigação orgânica que descobriu irregularidades." A investigação francesa, por outro lado, oferece evidências mais convincentes de fraude financeira à moda antiga, e "até que ele tenha coragem suficiente para ir ao tribunal e responder a essas acusações, certamente não poderá descartar o rótulo de vilão", disse.
Enquanto isso, Ghosn vive como um homem livre em Beirute, os mandados de prisão internacionais continuam sem ser cumpridos e a análise de quem é Ghosn, o que ele fez e o que ele merece continua.