Em maio, o governador de Minas Gerais, Romeu Zema, foi até a Nasdaq lançar o projeto que quer fazer do Vale do Jequitinhonha o Vale do Lítio, atraindo empresas focadas no minério central na transição energética.
— O lítio é um dos elementos mais importantes para a economia do Vale do Jequitinhonha, com potencial de melhorar a qualidade de vida da população. É estratégico para a transição energética e não há perspectiva de diminuição do consumo a médio e longo prazos — frisa Fernando Passalio, secretário estadual de Desenvolvimento Econômico.
Esse potencial se traduz em R$ 5 bilhões em investimentos já confirmados na região, a mais pobre de Minas, com potencial para gerar mais de três mil empregos, diz ele. Até 2030, as projeções alcançam de R$ 20 bilhões a 30 bilhões em investimentos.
Uma das referências na região é a Sigma Lithium. Listada na Bolsa de Toronto, no Canadá, e na Nasdaq, tem BDRs na B3 desde julho e chegou ao Jequitinhonha em 2012.
Numa indústria de alto impacto ambiental, estruturou o negócio para produzir o que chama de lítio verde, por fazer a extração a seco do mineral — sem barragem de rejeitos —, usando energia renovável e água 100% reutilizada.
A fase 1 entrou em operação em abril e tem capacidade para produzir 270 mil toneladas anuais. Este ano, deve garantir 130 mil toneladas. Estão previstas mais duas fases, a partir de 2024, esticando a capacidade a 766 mil toneladas de lítio por ano. No fim de julho, a Sigma fez seu primeiro embarque de exportação para a Ásia.
— Com a corrida dos países para zerar emissões poluentes e a demanda em veículos elétricos, o preço no mercado internacional vai se sustentar com patamares de muito prêmio, atraindo investidores por anos — destaca Matheus Spiess, analista da Empiricus.
A Sigma já é a quinta maior produtora global no segmento. E atrai interesse de outras empresas. Mês passado, a CEO da companhia, Ana Cabral Gardner, disse que vem conversando com investidores sobre parcerias ou mesmo a aquisição da empresa. Procurada, a empresa não comenta.
No Jequitinhonha, as empresas estão chegando. Outros investimentos já acordados virão das canadenses DeepRock Minerals e Lithium Ionic, da australiana Latin Resourses, além da americana Atlas Lithium, lista o secretário. Valendo destacar a pioneira CBL, há décadas na região.
— A gente tem ao menos 30 empresas pesquisando no Vale do Jequitinhonha, então a aposta é positiva. Temos cinco mais avançadas. E certamente vai haver anúncio de projetos — diz Júlio Nery, diretor de Sustentabilidade do Ibram.
A Grota do Cirilo, da Sigma, está entre os municípios de Araçuaí e Itinga. Pelos dados do Censo — anteriores à onda de trabalhadores que ergueram a fase 1 do projeto — a primeira somava pouco mais de 34.200 habitantes, enquanto a vizinha superava 13.700.
Localmente, a expectativa é que a virada do lítio atraia também políticas públicas que gerem emprego e renda e que ajudem a transformar a região.
— Todo dia, uma empresa liga para cá. O Vale do Jequitinhonha está cansado de perder oportunidades. Criamos uma agenda de desenvolvimento local. Temos problemas de décadas, como péssima malha viária, faltam boas escolas, saneamento, hospital maior, moradia — diz Higino Pedro Filho, que cuida das Relações Institucionais do gabinete do prefeito de Araçuaí.
Ainda assim, o orçamento anual do município vem subindo. Em 2020, foi de R$ 104,88 milhões. Este ano chegou a R$ 173,16 milhões, enquanto a estimativa para 2024 é subir a R$ 190,3 milhões.
Já há cursos de qualificação profissional previstos para 2024 no Vale do Jequitinhonha pelo governo do estado.
Empresas e profissionais
Com os trabalhadores da mineração do lítio, chegaram à região profissionais de outras empresas e empresários de cidades vizinhas, conta Marcos Antônio Miranda, à frente da Associação Comercial, Industrial e de Serviços de Araçuaí (Acia). Hotéis lotaram, vendas em postos de gasolina, padarias e farmácias saltaram, diz:
— Em 2022, com mais de 1.500 trabalhadores na Sigma, as vendas do comércio subiram 60%. Como muitos foram embora, após o fim da instalação da unidade, a alta é de 20% este ano sobre 2021.
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Maurício Martins Andrade é dono do Village das Minas, em Araçuaí, e diz que o movimentou aqueceu em três anos:
— Abri o hotel com 36 quartos. Hoje são 71. Meu filho trabalha comigo, e a minha filha, que morava no Canadá, voltou com a família para ajudar — conta ele.
Sebastião Guedes, dono do Supermercados Sévia, está construindo um hotel na cidade. O Star terá 80 apartamentos e será aberto em dois anos.
O preço dos aluguéis disparou. O relato é de locações custando até três vezes mais em um ano, de terrenos que saíram da casa do milhar para a do milhão. Só este ano, o preço médio de locação residencial subiu 60%, segundo informações da imobiliária Rede Max.
Samira Rezende Trindade, promotora do Ministério Público de Minas Gerais em Araçuaí, ressalta que é preciso encontrar soluções para os impactos, como alta de aluguéis e aumento da criminalidade.
— Que venham outras empresas, mas não pode ser apenas para explorar riquezas. Elas têm de trazer contrapartidas — diz Miranda, da Acia.