Nos últimos anos, milhões de americanos mudaram de emprego em meio a uma onda de demissões voluntárias no pós-pandemia. O fenômeno, conhecido como a Grande Renúncia, deu maior poder de barganha aos trabalhadores, que passaram a exigir salários mais altos e melhorias no ambiente de trabalho, em um cenário de atividade se recuperando, mas com mão de obra escassa.
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O pêndulo no mercado de trabalho, no entanto, parece estar voltando para o lado dos empregadores. A taxa de trabalhadores que abandonaram voluntariamente seus empregos vem caindo nos últimos meses, e o crescimento salarial arrefeceu.
A questão, agora, é saber se os ganhos obtidos nos últimos anos pelos trabalhadores vão ou não permanecer.
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Segundo dados do Departamento do Trabalho dos Estados Unidos, a taxa de abandono do emprego, que mede a demissão voluntária em percentagem do emprego total, caiu para 2,3%, a menor desde o início de 2021.
Busca de ambiente saudável
A Grande Renúncia ocorreu em um momento de forte recuperação na economia nos EUA após a pandemia, especialmente em setores como serviços e lazer. As empresas precisavam de mais funcionários, mas eles não estavam dispostos a aceitar quaisquer condições — na pandemia, muitos repensaram sua relação com o trabalho.
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Além disso, por terem acumulado poupança na pandemia, graças aos auxílios do governo, e como havia muitas vagas, os trabalhadores conseguiam negociar melhores salários. Muitos trocavam seu emprego por um que pagasse mais, ou abriam seu próprio negócio.
Como Aubrey Mora, moradora de Fort Worth, no Texas, que, cansada da rotina do trabalho como garçonete, decidiu correr atrás de um sonho antigo: abrir um estúdio de fotografia.
— Era um ambiente de trabalho muito estressante e inadequado. Ainda estou lutando para construir um negócio lucrativo. De US$ 3 mil a US$ 4 mil por mês, passei a ganhar algumas centenas, mas não consigo voltar para um local de trabalho que não seja saudável, e o setor de serviços nunca foi, na minha experiência, um lugar bom — conta Aubrey.
Ela mora com o marido e três filhos. A mudança na rotina de trabalho lhe permitiu passar mais tempo com as crianças. Mesmo com o orçamento apertado, ela não pensa em voltar ao antigo emprego.
— Tenho tentado me informar mais sobre o lado comercial porque realmente saí do trabalho sem ter ideia de como fazer isso. Então, estou gastando tempo estudando. Acho que o ano que vem será bem melhor — diz ela.
Os ganhos vão se manter?
O professor da UCL School of Management, em Londres, Anthony Klotz, que cunhou a expressão Grande Renúncia, acredita que o fenômeno já se encerrou, mas que ainda é possível ver alguns de seus vestígios:
— Só porque as demissões voltaram ao ponto em que estavam em 2019 não significa que sejam baixas. E em alguns setores, como o da saúde, o abandono continua elevado em comparação com os níveis anteriores à pandemia.
Entre os fatores que explicam o arrefecimento das demissões está a maior hesitação dos trabalhadores em abandonar o seu emprego, pois agora não têm tanta certeza de que encontrarão outro rapidamente.
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Além disso, muitos trabalhadores, de tanto trocar, conseguiram empregos mais satisfatórios. E as empresas buscaram elevar o bem-estar dos funcionários.
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— Em muitos empregos, o trabalho é melhor, do ponto de vista humano, do que antes da pandemia. Ainda há muitos empregos ruins por aí, mas em muitas áreas, em resposta à pandemia e à Grande Renúncia, as empresas fizeram investimentos significativos para melhorar o ambiente de trabalho — diz Klotz.
A questão, agora, é se os trabalhadores conseguirão manter os recentes ganhos, em um cenário de desaceleração da economia.
O Federal Reserve, banco central americano, elevou os juros ao maior patamar desde 2001 para combater a inflação. Até o momento, a economia tem mostrado resiliência, e muitos analistas já avaliam que o país conseguirá escapar de uma recessão aguda. Este cenário, porém, não está totalmente descartado.
— A Grande Renúncia ficou para trás. Mas muitos dos ganhos relativos podem permanecer se a economia dos EUA conseguir evitar uma grande recessão a curto prazo — afirma o diretor de pesquisa na consultoria americana Indeed Hiring Lab, Nick Bunker.
Klotz ressalta que as pessoas estão mais confortáveis que nunca em sair do emprego:
— Se as empresas usarem a recessão econômica como justificativa para não manter o investimento nos trabalhadores, certamente as demissões cresceriam de novo.
Mas até Aubrey reconhece que ainda há um problema:
— A atitude mudou, mas isso não significa que suas contas não tenham chegado. Todos nós podemos ter sentimentos diferentes em relação ao local de trabalho, mas ainda assim temos que estar envolvidos em algum nível, porque temos que pagar nossas contas.