Economia
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Por — São Paulo

Neste momento há no Brasil um total de 21 mil obras públicas, e 8,6 mil estão paralisadas. Esses projetos parados envolvem recursos federais da ordem de R$ 32,2 bilhões e já foram desembolsados pelo governo R$ 8,2 bilhões. Nos últimos anos, a percentagem de obras paralisadas aumentou de 29%, em 2020, para 38,5%, em 2022, e 41%, em 2023.

Enquanto isso, a previsão de investimento subiu de R$ 75,9 bilhões, em 2020, para R$ 113,6 bilhões, este ano, mesmo com o total de obras diminuindo significativamente — 6.119 projetos a menos.

Os dados são do Tribunal de Contas da União (TCU), órgão que fiscaliza os repasses de recursos da União a estados e municípios. O diagnóstico do TCU é que se chegou a esse quadro por deficiências em coordenação, planejamento, priorização, monitoramento e avaliação da gestão das obras paralisadas. Falta uma visão global e estratégica para o problema.

O que chama a atenção é que o setor mais prejudicado é o da educação básica, com 3.580 obras paralisadas. Em seguida, estão as áreas de infraestrutura e mobilidade urbana, com 1.854 empreendimentos parados. Na saúde, são 318 obras inacabadas.

Segundo especialistas, trata-se de uma situação que não é nova no país e ilustra o desperdício histórico de recursos públicos. Há problemas como custos acima do previsto e não cumprimento de cronogramas, sem contar a má qualidade das obras entregues. A troca de governo e a não continuidade das políticas públicas agravam esse quadro.

O resultado, dizem os analistas, é que, com essas obras paralisadas, a população fica carente em atendimento médico, educação e saneamento — e o dinheiro pago pelos próprios brasileiros, por meio de impostos, vai para o ralo.

Depois de publicar uma série de reportagens sobre a gestão pública, O GLOBO convida agora especialistas de diferentes formações para discutir como aprimorar os gastos do governo.

Nesta segunda edição da segunda fase da série Estado Eficiente, o pesquisador Rafael Martins de Souza, do Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura da Fundação Getulio Vargas (FGV Ceri), e Carlos Eduardo Lima Jorge, vice-presidente de Infraestrutura da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic), falam sobre as causas deste desperdício e como o Estado brasileiro poderia minimizar o problema.

Lima Jorge, da Cbic, lembra que uma obra pública envolve muitas esferas de decisão, como União, estados e municípios. Por isso, é difícil ter uma gestão integrada:

— Temos governadores e prefeitos que trabalham com bom planejamento. Mas a grande maioria não. Gestão e planejamento são os dois vetores que mais desorientam (e orientam) essa questão das obras públicas. As obras pipocam sem uma visão global.

Para Martins, da FGV, é importante pensar que o investimento começa no anúncio de bilhões feito pelo governo, mas só termina quando o serviço associado a essa infraestrutura chega às pessoas:

— É importante que a sociedade brasileira se organize para garantir que esses investimentos se traduzam na prestação completa dos serviços.

Pecados capitais da ineficiência

Carlos Eduardo Lima Jorge, vice-presidente de Infraestrutura da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic) — Foto: Divulgação/ Felippe Silva
Carlos Eduardo Lima Jorge, vice-presidente de Infraestrutura da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic) — Foto: Divulgação/ Felippe Silva

O Brasil vive uma situação vergonhosa, que é ter um cemitério de obras públicas paralisadas. Isso é histórico no país, e os números do Tribunal de Contas da União (TCU) mostram esse quadro. São obras que têm recursos do governo federal, a área em que esse órgão fiscalizador atua, mas acredito que, se formos mais a fundo, haverá mais obras abandonadas de estados e municípios.

Quando falamos de ineficiência na gestão de obras públicas e em paralisação, há diversos motivos. Em um trabalho feito pela Comissão de Infraestrutura da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic), conseguimos separar os prioritários, que eu chamo de “os sete pecados capitais”.

É preciso acabar com os leilões e contratar por concorrência, além de garantir os licenciamentos antes das licitações

Entre eles, estão os leilões feitos pelos governos, seja federal, estadual ou municipal, para a compra de material. A administração orça um valor de R$ 1 mil, por exemplo, e uma empresa diz que faz por metade do preço. E o administrador, com medo dos órgãos fiscalizadores e de recusar uma proposta barata, autoriza.

Das 8,6 mil obras paralisadas listados pelo TCU, a grande maioria está parada por causa disso: o chamado “mergulho de preço”. A empresa não consegue fazer por aquele preço. Não consegue comprar o material, pagar mão de obra, impostos. A conta não fecha, e ela abandona a obra. Já alertamos o governo para que não aplique esses pregões para os serviços de engenharia.

Há também a má qualidade dos projetos, boa parte incompleta. E os projetos têm sido contratados também por meio de pregão, o que é um erro. O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), por exemplo, já soltou orientação para fazer contratação por concorrência.

A nova Lei de Licitações 14.133, que passa a ser obrigatória em janeiro de 2024, conceituou o que é projeto básico e projeto executivo. E a nova lei trará a chamada “matriz de risco”, obrigatoriedade de planejamento entre contratante e contratado, e quem vai ser responsável por gerir esse risco. É um avanço.

No Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal, a União arca com 80% dos custos da obra. Mas do custo inicial. Os reajustes que acontecem ao longo do projeto, como aditivos e reequilíbrios econômico-financeiros, ficam por conta dos estados ou das prefeituras.

E muitos prefeitos só percebem isso durante a execução — e não têm condições de dar sua contrapartida. Isso leva à paralisação.

Há outra situação: quando a obra está 80% pronta, as prefeituras precisam equipá-la com móveis e contratar professores e enfermeiros, por exemplo. Muitas vezes, isso não estava previsto no custeio. Muitas unidades básicas de saúde foram paralisadas neste ponto, porque não havia recursos para isso.

E tem as emendas parlamentares, que são legítimas, mas não são repassadas aos municípios com o valor total da obra. Vão com 60% do valor da estrada, 50% do valor do hospital. E não se consegue complementar os recursos. As emendas vêm assumindo um papel maior em fornecer recursos para obras públicas.

Além disso, há morosidade e dificuldades nos licenciamentos ambientais, especialmente nas obras de maior porte. Esperamos a aprovação de uma nova lei de licenciamento ambiental que tenha mais racionalidade. Há uma multiplicação de órgãos que têm que atestar esse licenciamento. É preciso ter esse licenciamento antes da licitação e não depois.

E muitas obras estão sendo colocadas em concorrência com preços defasados, fora da realidade de mercado. Na pandemia, houve pressão de custos de materiais de construção. Isso desequilibrou 90% dos contratos. Mas não existe legislação que oriente sobre como reequilibrá-los. Muitas solicitações de reequilíbrio solicitadas não tiveram resposta, e o resultado são obras paradas — e dinheiro jogado fora.

Carlos Eduardo Lima Jorge é vice-presidente de Infraestrutura da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic).

O resultado que a sociedade precisa

Rafael Martins de Souza, do Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura da Fundação Getulio Vargas (FGV Ceri) — Foto: Divulgação
Rafael Martins de Souza, do Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura da Fundação Getulio Vargas (FGV Ceri) — Foto: Divulgação

Quando prometem bilhões em investimentos em obras públicas, isso gera um impacto positivo de curto prazo na economia, com contratação de mão de obra, por exemplo. Mas a melhor maneira de avaliar o resultado desses investimentos em infraestrutura é quando eles se transformam em prestação de serviços, de educação, saúde, saneamento.

O setor de saneamento, que ainda precisa de muito investimento no país — e o Brasil ficou muito tempo sem fazê-los — é um exemplo.

Houve um aumento muito grande, a partir de 2006, de recursos para saneamento, efeito dos Programas de Aceleração do Crescimento (PACs 1 e 2). Acompanhamos os indicadores até 2015, mas não conseguimos ver o efeito desses investimentos na vida das pessoas, gerando o resultado que a sociedade precisa.

Jundiai já atingiu metas de universalização em saneamento desde 2017.  DAE - Centro de tratamento de água. — Foto: Edilson Dantas
Jundiai já atingiu metas de universalização em saneamento desde 2017. DAE - Centro de tratamento de água. — Foto: Edilson Dantas

Não adianta ter quilômetros de tubulação enterrados, que não se conectam com uma estação de tratamento e à casa das pessoas. Elas continuam sem acesso a água e esgoto.

Há também barreiras técnicas para a qualidade dos projetos, como falta de mão de obra qualificada. Ainda no setor de saneamento, jovens engenheiros da área migraram para outros segmentos pela redução nos investimentos durante anos. É uma questão de sobrevivência.

A obra começa no momento em que ela deve ser planejada — e temos muitos problemas com projetos, que não começam com a qualidade desejada gerando dificuldades na execução. Se o projeto é incipiente, ele não vai contemplar e antecipar todas as dificuldades ao longo da obra.

E aí começa a ter que se lidar com imprevistos, que podem envolver mais recursos ou novas rodadas de planejamento.

A melhor maneira de avaliar o investimento em infraestrutura é quando ele se transforma em prestação de serviços

Existem também problemas de coordenação entre os órgãos e até de governança. As obras devem ser feitas com as melhores práticas ambientais. Mas muitas questões ambientais não são antecipadas no projeto. O Arco Metropolitano, no Rio de Janeiro, por exemplo, apresentou problemas durante a execução. E isso significa uma perda de recursos.

Uma coordenação maior entre os órgãos de controle de finanças públicas, ou responsáveis por zelar pelo bom uso dos recursos públicos, que fazem auditorias, e os órgãos de licenciamento poderia antecipar esses problemas.

Todos esses órgãos deveriam sempre ser consultados durante a elaboração do projeto. Paralisar ou embargar uma obra pode levar à perda de todo o esforço anterior que foi feito.

Troca de governo e não continuidade de políticas públicas também afetam as obras públicas. Existem ondas de investimento em infraestrutura e isso é ruim, porque aumenta o risco das atividades de construção. Na última onda de recursos para saneamento, gerada pelo novo marco legal do setor, as empresas tiveram que formar seus próprios quadros.

Essa falta de previsibilidade afeta tanto empresas quanto a formação de profissionais para projetar, executar e operar. É muito comum o Brasil inaugurar um hospital, mas não tem mão de obra para operar.

O país precisa fazer um esforço para melhorar a governança. É preciso construir uma estrutura de governança para a gestão desses grandes projetos — e isso é muito complexo. Os contratos de obras públicas também deveriam ser mais bem elaborados, com metas definidas — dizendo exatamente o que deve ser feito e atribuindo responsabilidades ao cumprimento desses objetivos.

É importante que as metas sejam realistas e tenham um marco temporal claro, para que a sociedade saiba o que esperar do investimento.

Atualmente os contratos não são capazes de antecipar todos os cenários possíveis. Por isso, também é preciso um bom regulador, para, a partir do contrato, observar se as metas foram concluídas e se o investimento se converteu em serviço.

Rafael Martins de Souza é pesquisador do Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura da Fundação Getulio Vargas (FGV Ceri).

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