Fabio Giambiagi, pesquisador associado da FGV/Ibre, afirmou que as medidas anunciadas nesta terça-feira pelo ministro da Economia da Argentina, Luis Caputo, não passam de “perfumaria”. Para o economista, o governo precisa dizer exatamente onde cortar, já que as despesas estão concentradas em salário, aposentadorias.
Além disso, as medidas vão fazer a inflação mais que dobrar, podendo chegar perto de 300% ao ano em fevereiro de 2024. E alerta que as medidas podem gerar protestos na rua.
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O que achou das medidas anunciadas?
O que falta é o que nós fizemos em 1998/1999 no Brasil que teve um papel-chave no mercado, mostrando a tabela de receita e despesa do governo. Isso é que falta no governo para termos uma ideia concreta dos gastos. Esses elementos anunciados são perfumaria. Pelo que se sabe, a despesa primária do governo corresponde a 20% do PIB. Disso, 2 pontos percentuais são salário, 8 pontos são aposentadorias, 3 pontos de assistência social e 3 pontos de subsídios.
Se cortar 1 ponto do funcionalismo, cortou a metade. Não há como ajustar 5% do PIB sem que isso afete salários, aposentadorias, benefícios sociais.
Mas houve aumento para os benefícios?
Que serão comidos em dois meses pela inflação.
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Quais as consequências?
É muito difícil ter conclusões categóricas. É inevitável uma inflação considerável. Ela vinha num patamar de 6% ao mês, subiu para 10% depois da última desvalorização de 20%. E agora, essa nova desvalorização vai trazer uma inflação descomunal em dezembro e janeiro. Estamos partindo de 140% de inflação acumulada até agora para chegar em fevereiro em 289% acumulada em um ano, mais que o dobro do que a atual.
Por isso, tenho sustentado que a impressão é que a enorme maioria dos argentinos não está preparada para o que vai vir. É um erro acentuar essa psique hiperinflacionária como Milei está fazendo. Na dúvida, o comerciante joga o preço para cima. Se ele subir seu preço 15% e a inflação for 25%, ele quebrou. Isso não tem nada a ver com déficit público. É um negócio de louco.
O Caputo ainda repetiu a idiotice de dizer que haverá inflação de 15.000%. Isso não é sério. Coitado do cidadão que vai precisar tomar a decisão de preço. Nos meus 39 anos de profissão, não conheço nenhum processo de estabilização que não teve componente de desindexação.
O ajuste fiscal não ajuda?
A rigor, ninguém sabe como vai ser esse corte, ninguém mostra. Uma queda de 5% numa parcela de 20% do PIB é uma enormidade. Digamos que seja possível, mas com a receita não acontece nada? Não vai ter obra pública, vai apertar o cinto, o que gera perda de arrecadação. Cortar o gasto em 5% não significa que o déficit será cortado em 5%.
Vai gerar uma dinâmica muito negativa para o ânimo da população quando ela começar a perceber isso. Há um custo político. Vai ter passeata. No corte de subsídios, poderia afetar somente as pessoas que podem pagar e preservar a baixa renda. Mas tenho dúvida se eles têm expertise técnica para fazer essa separação. Acho que vai ser generalizado e afetar todo mundo.
Esse anúncio por vídeo e não numa coletiva de imprensa foi a forma correta de anunciar as medidas?
O governo precisa acenar com uma perspectiva para a população, estão fazendo o oposto. Qual o destino, qual o porto nos próximos meses? Quando o Brasil enfrentou situações difíceis, tanto Fernando Henrique como Lula, que eram grandes comunicadores cada um a seu modo, conseguiam se comunicar com a população. Eles querem fazer um ajuste de 5% e o ministro faz o anúncio em vídeo, olhando para baixo. Não existe isso numa democracia.