Considerada, há até poucos anos, uma cultura impossível de ser realizada em solo brasileiro, a produção de trufas começa a crescer no país. Os primeiros exemplares do fungo comestível foram encontrados por acaso, junto a raízes de pomares de noz-pecã no Rio Grande do Sul, há oito anos. Desde então, houve novas descobertas dos fungos comestíveis em outras áreas, expandindo a produção da iguaria, usada na alta gastronomia e cujo quilo pode custar R$ 23 mil.
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Valiosas, as trufas se transformaram em importante fonte de renda para quem as encontra. Mas, agora, esse processo não vai depender mais apenas de sorte. Uma empresa do Rio Grande do Sul começou a vender árvores com os esporos inoculados nas raízes, a fim de aumentar a produção brasileira da iguaria.
Sediada em Santa Cruz do Sul (RS), a Simbiose Tartufo comercializa mudas de noz-pecã com os esporos das trufas inoculados nas raízes das plantas. A empresa foi criada em 2023 por Márcio Frantz e Marcelo Sulzbacher, o descobridor das primeiras variedades de trufas no Brasil, batizadas como Sapucay.
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Os sócios já vinham trabalhando com a inoculação dos esporos desde 2020, dentro da consultoria agrícola para pomares e árvores de Frantz.
— Mas os negócios cresceram muito, e sentimos a necessidade de criar uma empresa focada na produção de trufas — conta Sulzbacher.
A Simbiose Tartufo já vendeu mais de mil mudas de nogueiras com esporos de trufas inoculados e dá consultoria para o manejo da produção.
Árvores importadas
O pomar mais antigo com nogueiras inoculadas fica na região de Morungaba, em São Paulo, onde o engenheiro Fernando Villares Heer fechou o primeiro contrato para a compra de mudas em 2021:
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— Já temos cinco hectares de nogueiras com esporos plantadas, e esperamos que as primeiras colheitas ocorram entre cinco e sete anos.
O alto valor das trufas tem atraído o interesse de produtores. A variedade Sapucay, descoberta em mais propriedades no Brasil, alcança R$ 23 mil o quilo para o consumidor. Em comparação, as variedades mais caras vindas da Europa, como a italiana Trufa Branca de Alba, custam até R$ 99 mil o quilo.
Já as importadas mais baratas, como a Tartufo Nero Estivo, ficam em torno de R$ 20 mil o quilo, segundo Mônica Claro, proprietária da Tartuferia San Paolo, de São Paulo.
A empresa foi uma das primeiras a oferecer a trufa nacional ao público, ainda em 2018.
— A trufa Sapucay tem características específicas, como aroma e sabor mais suave, puxando para macadâmia e avelã. A textura também é diferente, mais crocante — afirma Mônica, que cita ainda a durabilidade. — As italianas duram de 10 a 15 dias,e a brasileira chega a durar 30 dias. Ela tem mais resistência.
No Rio Grande do Sul, a cultura da noz-pecã começou com árvores importadas dos EUA, nos anos 1960. Uma das pioneiras no cultivo foi a Pecanita, de Cachoeira do Sul.
— O que não se imaginava era que o solo no qual vieram as raízes das mudas continha esporos de trufas — diz Jaceguay de Barros, engenheiro-agrônomo da Pecanita.
Luiz de Rossi, de Cotiporã, na Serra Gaúcha, comprou mudas da Pecanita em 2010. Em 2023, ele descobriu trufas em seu pomar. Na última safra, Rossi colheu 35 quilos:
— Hoje, a trufa já representa 10% da minha renda.
No Rio de Janeiro, o chef Rafa Gomes, do restaurante Tiara, usa trufas nacionais desde 2021:
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— Ela tem peculiaridades interessantes, é consistente e firme, com um sabor mais acastanhado, lembrando a noz-pecã.
No Tiara, o chef costuma preparar pratos especiais com a trufa, ou deixa os clientes acrescentarem o fungo na comida por um valor adicional:
— Hoje ela tem uma relação custo e benefício boa, e quanto mais consumidores descobrirem sua qualidade, mais valor ela terá.
Encontradas por acaso
Originárias do Hemisfério Norte, as trufas chegaram ao Brasil nas raízes de mudas de nogueiras, carvalhos e aveleiras trazidos de Estados Unidos e Europa. A primeira identificação do fungo, feita por Sulzbacher, ocorreu em 2016, no pomar da empresa de nozes-pecãs Paralelo 30, em Cachoeira do Sul (RS).
Em Contenda, no Paraná, Leandro Guerra Becker tem uma área de 5,6 hectares plantados com nozes-pecãs. As árvores, também oriundas da Pecanita, foram plantadas há 15 anos, e a descoberta das trufas ocorreu há quatro. Sua produção é de 2 a 3 quilos de fungos por ano.
— Hoje, a trufa gera um faturamento extra que complementa bem as nozes, representando cerca de 20% da renda com a propriedade — diz Becker.