O Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de Minas Gerais deu ganho de causa a um hospital de Belo Horizonte que demitiu um funcionário por ter usado, no local de trabalho e durante o serviço, uma camisa com a imagem do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, com os dizeres "Ustra Vive".
Ustra comandou, durante a ditadura militar no Brasil, o Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), aparato responsável por tortura de dezenas de presos políticos.
A demissão ocorreu após o hospital ter recebido queixas em sua ouvidoria, em dezembro de 2022, de que o funcionário estava usando perante os pacientes uma blusa com a imagem do rosto do coronel e a frase "Ustra Vive". O funcionário trabalhava como assistente de suprimentos no Hospital Luxemburgo desde 2008.
O Hospital Luxemburgo é uma das unidades do Instituto Mário Penna. Em seu site, o Instituto diz ser responsável por atender 70% dos novos casos de câncer em Belo Horizonte e Região Metropolitana, e mais de 20% dos novos casos em todo o estado de Minas.
Segundo o hospital, a conduta do empregado configurou ato de insubordinação, por ofender o código de ética da empresa, que proíbe o uso de camisas que propaguem questões religiosas e/ou partidárias nas suas dependências.
O hospital argumentou, na ação que chegou ao TRT, que o trabalhador promoveu, no local de trabalho, apologia a ex-coronel ligado à ditadura militar e a atos de tortura, praticando falta grave o suficiente para quebrar a confiança necessária à continuidade do vínculo de trabalho.
- Desigualdade salarial: Por que persiste a distância entre a renda de mulheres e homens nas empresas
Após ser demitido, o trabalhador foi à Justiça e a 27ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte invalidou a dispensa por justa causa, convertendo-a em dispensa imotivada e condenando o hospital ao pagamento de indenizações trabalhistas.
Em sua defesa, o trabalhador alegou que tinha mais de 12 anos de casa e que o empregador não respeitou a gradação das penas, já que não houve advertência antecedente à dispensa. Disse ainda que se tratava “de uma camisa antiga” e que a utilizou sem pensar, “sem qualquer intenção de fazer propaganda ou política”.
E afirmou que era comum que empregados fossem trabalhar usando camisa de futebol, “camisa de pessoas da História, como Che Guevara”, ou “até mesmo com camisetas de políticos”, sem qualquer advertência por parte do empregador. Por essas razões, alegou que não se atentou para o código de conduta e não poderia ter sido dispensado por justa causa.
Mas a Primeira Turma do TRT-MG decidiu, por unanimidade, que a demissão por justa causa foi válida. De acordo com a decisão, de relatoria da desembargadora Adriana Goulart de Sena Orsini, o trabalhador praticou apologia à tortura e à figura de torturador, o que configurou falta grave o suficiente para inviabilizar a continuidade da relação de emprego, autorizando a dispensa por justa causa.
A decisão cita os artigos 482, alínea “h”, e 8º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e sustenta que a conduta do empregado foi caracterizada como ato de insubordinação, que atentou contra a ordem democrática, considerando que não se restringiu aos limites das dependências do empregador, mas atingiu, também e potencialmente, toda a coletividade e a ordem institucional do Estado Democrático de Direito.
Segundo o entendimento do TRT, a atitude do trabalhador constituiu ofensa ao interesse público e por isso deve ser aplicado um dos princípios fundamentais do Direito do Trabalho, previsto no artigo 8º da CLT, que dispõe que "as autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por equidade e outros princípios e normas gerais de direito (....), de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público”.
A relatora destacou que o interesse do trabalhador, de usar vestimentas com apologia a tortura e a um torturador, não pode prevalecer sobre o interesse público ou da coletividade, que se realiza no respeito ao Estado Democrático de Direito, às instituições da República e aos princípios constitucionais que privilegiam os direitos humanos, a dignidade da pessoa humana e o bem comum em detrimento de interesses particulares.
A desembargadora observou ainda que o Coronel Ustra já foi judicialmente reconhecido como responsável pela prática de tortura no período do regime militar, conforme processo 0347718-08.2009.8.26.0000, no qual foi ressaltado que a tortura praticada fere a dignidade humana. “O caso da tortura da família Teles, em 2008, julgado no processo mencionado, deu origem à primeira condenação que confirmou como torturador o chefe do DOI-CODI, coronel Ustra”, completou a desembargadora.
Em nota, o Instituto Mário Penna disse que o desligamento do colaborador se deu de acordo com o seu Código de Ética, segundo o qual não é permitido “fazer propaganda política, religiosa e nem uso de camisa de futebol ou que propague questões religiosas e/ou partidárias nas dependências da Instituição”.
Procurado, o advogado do funcionário não retornou.
O que dizem especialistas
De acordo com Gabriele Munford, gerente jurídica no Rio de Janeiro do Escritório Trabalhista Pamplona & Honjoya, se havia impedimento do uso de vestimentas com temas políticos, o empregado agiu de forma insubordinada, fundamentando a demissão por justa causa.
O motivo para a dispensa foi justamente o descumprimento das regras internas da empresa, que determinam quais condutas e comportamentos devem ser seguidos pelos empregados.
Larissa Maschio Escuder, advogada trabalhista do escritório Jorge Advogados, acrescenta que o entendimento do TRT foi que o uso da camiseta também representou apologia à tortura, caracterizando ofensa à coletividade.
— Nesse caso, a insubordinação teria sido caracterizada ante o atentado à ordem democrática, configurando, também, ofensa ao interesse público, por atentar contra o Estado Democrático de Direito — diz a advogada.
Larissa afirma que o argumento de que o empregado estaria apenas exercendo sua liberdade de expressão, garantida constitucionalmente, não se sustenta, porque a direito à liberdade de expressão não é absoluto, e não pode atingir a honra e a democracia.