Economia
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Por — Rio

O primeiro ano de vigência do arcabouço fiscal evidenciou fragilidades que economistas antecipavam quando do anúncio do conjunto de regras para receitas e despesas públicas, proposto pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e aprovado pelo Congresso em 2023.

As fraquezas acendem o alerta para as contas públicas a curto e longo prazos, embarreirando crescimento econômico mais consistente, dizem economistas.

No curto prazo, estão o anúncio da mudança das metas fiscais de 2025 e de 2026, o efeito retardado das medidas de aumento da arrecadação aprovadas ano passado, uma alteração no recém-nascido arcabouço, para antecipar uma elevação de R$ 15 bilhões nos gastos, e a alta dos juros no mercado de títulos públicos — na contramão do ciclo de queda da taxa básica Selic (hoje em 10,5% ao ano).

No longo prazo, se destacam a resistência do governo em atacar as despesas, a dinâmica de gastos da Previdência, a política de correção do salário mínimo, a vinculação de despesas com Saúde e Educação e as dificuldades históricas com a avaliação e a melhoria da qualidade das políticas públicas. Como resultado, um ajuste em prol dos equilíbrio das contas deverá ficar mesmo para o próximo governo.

— Quando olhamos o conjunto da obra, não estamos conseguindo ter uma trajetória sustentável para as contas públicas, o que tem impacto no dia a dia das pessoas — afirmou o economista Marcos Lisboa, que trabalhou no Ministério da Fazenda no início do primeiro governo Lula e foi presidente do Insper.

Veja os pontos que mais preocupam

  • Previdência Social: Os gastos com a Previdência somam cerca de R$ 1 trilhão, incluindo os aposentados do Regime Geral (INSS) e do Regime Público (servidores), além dos militares. São despesas obrigatórias, que consomem quase a metade do Orçamento. E que têm tomado espaço de outros gastos.
  • Salário mínimo: O governo Lula retomou a regra de ganho real do piso salarial, que é corrigido pela inflação do ano anterior mais a variação do PIB de dois anos antes. Isso afeta os gastos com aposentadorias, pensões e benefícios sociais que são vinculados ao mínimo. A ministra Simone Tebet propõe rever a vinculação dos benefícios como BPC/Loas ao piso.
  • Piso da Saúde: A Constituição prevê que o governo federal deve destinar pelo menos 15% da Receita Corrente Líquida (RCL) para gastos com Saúde. Durante a vigência do teto de gastos, aprovado em 2016 e que foi extinto em 2023 com o arcabouço, o piso passou a ser corrigido apenas pela inflação. Com o fim dessa regra, voltou a valer a vinculação anterior.
  • Piso da Educação: Há também mínimo de gastos com Educação. Assim como na Saúde, a regra baseada na arrecadação voltou a valer este ano, com o fim do teto de gastos: piso de 18% da receita líquida de impostos. É uma conta que, na prática, faz o gasto ser menor que o da Saúde, mas crescer acima da inflação.
  • Inconsistência fiscal: Com os gastos engessados, economistas apontam para uma inconsistência nas regras no arcabouço. As despesas totais podem crescer até 2,5% acima da inflação, mas gastos com Previdência, Saúde e Educação têm avanço em ritmo superior. E se a receita sobe, parte deles sobe junto. Com isso, as demais despesas ficam cada vez mais comprimidas.

Aumento do desequilíbrio

O efeito do desequilíbrio fiscal no dia a dia começa com juros e taxa de câmbio mais elevados, explica Lisboa. Taxas maiores nos financiamentos freiam investimentos, o que tira força do crescimento econômico, e o dólar mais alto pressiona a inflação. Para segurar os preços, o Banco Central (BC) mantém juros mais elevados, num ciclo vicioso.

Nas contas do governo o quadro mostra um aumento expressivo do desequilíbrio. O resultado nominal, que leva em conta o saldo entre todas as receitas e despesas públicas, incluindo juros da dívida pública, foi um déficit de 9,06% do PIB no acumulado em 12 meses até março, segundo o BC. Esse indicador tinha fechado 2022, último ano do governo Jair Bolsonaro, em déficit de 4,64% do PIB.

O economista Marcos Lisboa — Foto: Edilson Dantas/Agência O Globo
O economista Marcos Lisboa — Foto: Edilson Dantas/Agência O Globo

Movimento semelhante, mas em níveis menores, também foi visto no resultado primário, que exclui das contas as despesas com juros da dívida pública. Em março, o déficit primário foi de 2,29% do PIB, no acumulado em 12 meses, ante um superávit primário de 1,27% no fechamento de 2022.

Ajuste só pela receita

O tamanho da piora de 2022 para cá é um tanto artificial, dizem especialistas. O saldo positivo no último ano do governo Bolsonaro foi obtido à custa do adiamento do pagamento dos precatórios (dívidas relacionadas a ações judiciais nas quais não cabe mais recurso, ou seja, que devem ser pagas obrigatoriamente), medida criticada por todos os lados.

Parte desses precatórios represados foi paga em dezembro de 2023 e em fevereiro deste ano, influenciando no resultado das contas públicas.

Em 2023, o governo federal ainda teve uma despesa extraordinária com a compensação aos governos estaduais pela medida que estabeleceu um teto na cobrança do ICMS sobre combustíveis, adotada em meados de 2022.

Além disso, a piora no resultado nominal reflete a alta da taxa média de juros efetivamente paga na dívida pública, que responde ao vaivém da Selic com certo atraso e se soma às cotações de mercado — a taxa básica saiu de 9,25% ao ano no início de 2022, chegou a 13,75% em agosto daquele ano e estava em 11,25% em fevereiro deste ano.

Essa piora nos números deste ano, por fatores diversos, já estava no radar desde a virada de 2022 para 2023, lembra Gabriel Leal de Barros, economista-chefe da gestora Ryo Asset. O que preocupa, avalia Barros, são os sinais mais recentes.

A antecipação de R$ 15 bilhões em gastos no primeiro bimestre de 2024 e a insistência do governo em buscar um ajuste apenas via aumento de arrecadação tributária sinalizam para um rombo mais permanente.

Para Samuel Pessôa, sócio da gestora Julius Baer Family Office e pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), a busca pelo equilíbrio das contas deverá ficar para o próximo governo também por causa da opção de Haddad de fazer um ajuste só pelo lado da receita, com aumento da arrecadação.

Isso porque parte das medidas propostas pela equipe econômica, e aprovadas pelo Congresso, só terá efeito pleno, ou seja, entregará todo seu potencial em termos de aumento da arrecadação, entre 2026 e 2027. Então, o próximo governo poderá, diante de um patamar mais elevado da receita, tentar ajustes nos gastos, para levar as contas para o azul.

— Vai levar uns dois ou três anos para sabermos o impacto dessas medidas todas. Além disso, em algum momento, aqueles créditos tributários imensos que o setor privado está descontando por conta da “tese do século” (decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a legislação tributária, que determinou que a Receita Federal tirasse o ICMS cobrado pelos estados da base de cálculo do PIS/Cofins, tributo federal) deverão acabar em mais uns dois anos. Vai ter um aumento expressivo de carga tributária. Lá para 2027, as contas terão uma cara melhor — disse Pessôa.

Vinculação do gasto social

Nesse contexto, cresce a discussão sobre como fazer um ajuste pelo lado dos gastos. A ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, tem defendido mudanças na vinculação de gastos sociais ao salário-mínimo, mas o entorno mais próximo do presidente Lula descarta a ideia.

A própria regra de correção do salário-mínimo pela variação do PIB e da inflação passados cria dificuldades. Além disso, as despesas com saúde e educação têm pisos constitucionais a serem respeitados, e a equipe econômica já ensaia propor mudanças.

As sugestões de ajuste pelo lado dos gastos passam por alguns dos pontos do arcabouço fiscal mais criticados por especialistas — Lisboa e Pessôa falam em “inconsistência” das regras.

A inconsistência estaria no fato de que o arcabouço, ao mesmo tempo em que limita o crescimento da despesa agregada, vincula parte dos gastos às receitas. Significa que essa parcela dos gastos pode crescer acima do limite do crescimento agregado, obrigando a cortes nas demais despesas.

O economista Lisboa lamenta ainda que o debate passe ao largo de um processo de avaliação e melhoria das políticas públicas. Políticas mais eficientes poderiam entregar mais e melhores serviços públicos, pelo mesmo montante de despesas, o que poderia evitar aumento de gastos. Por outro lado, o engessamento dos orçamentos, com vinculações e indexações, dificulta os ajustes nas políticas públicas.

— O que é ruim é esse debate ficar entre desvincula ou não desvincula, mas a qualidade da política não estamos discutindo. Falta discutir o que fazer para melhorar a qualidade e a eficácia da política em cuidar das pessoas — disse Lisboa.

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